Seis gestoras que têm juntas mais de 10% do capital da Cielo enviaram uma carta ao conselho pedindo a convocação de uma assembleia para deliberar sobre uma nova avaliação do valor da companhia — para balizar a OPA de fechamento de capital proposta pelo Bradesco e Banco do Brasil.
As gestoras — Clave, Encore, Mantaro, Ibiúna, XP e AZ Quest — argumentam que o laudo feito pelo Bank of America a pedido dos acionistas controladores contém erros que acabaram sub-avaliando a companhia.
Além dessas gestoras, outros acionistas relevantes da Cielo têm participado dos questionamentos e das conversas com Bradesco e BB, segundo uma fonte a par do assunto. Este grupo inclui a Absolute, que tinha 1,28% do capital da adquirente no último dado público, e o investidor Luiz Barsi, um acionista antigo da companhia.
A carta enviada ontem diz que o laudo do BofA “trouxe inconsistências de metodologia, sobretudo em relação à alíquota de imposto de renda; o valor do capex próximo ao da depreciação e amortização na perpetuidade; um aumento de custo este ano pela expansão da força comercial e sem contrapartida em receita; e a não utilização de metodologias de comparações com empresas semelhantes.”
Segundo as gestoras, corrigindo os três primeiros aspectos, o valor justo da Cielo deveria ser de R$ 7,89 por ação, em comparação aos R$ 5,35 proposto pelo laudo do BofA.
Já usando a metodologia de comparação de múltiplos — pegando como referência o P/L médio da PagSeguro e Stone e o lucro estimado pelo próprio BofA para este ano, e somando a isso o valor justo da Cateno — as gestoras chegam a um valor justo de R$ 8,61.
As gestoras pedem que um novo laudo seja feito, desta vez pelo Banco Safra.
Aparentemente, a estratégia das gestoras é reunir pelo menos um terço do capital da Cielo — o que inviabilizaria a realização da OPA — para pressionar Bradesco e Banco do Brasil por um preço maior. As negociações, no entanto, serão difíceis. Com o Bradesco em meio a um turnaround hercúleo, com resultados sofríveis nos últimos trimestres, o banco terá muitos argumentos para não aumentar a oferta.
Na carta, as gestoras também detalham cada um dos questionamentos em relação ao laudo do BofA.
Sobre o primeiro item, elas dizem que na elaboração do fluxo de caixa, o BofA usou a alíquota de impostos estatutária, de 34%, e não a efetiva, de 25,5% a 26,1% — que ocorre por conta do pagamento de juros sobre capital próprio que a companhia faz com frequência.
“Ao aplicar a alíquota de 34%, o FCFF não considera o benefício tributário do JCP, que se trata de um efeito caixa e que gera valor ao acionista,” diz a carta.
Em relação ao segundo item, as gestoras argumentam que equiparar o capex à depreciação e amortização na perpetuidade fará com que a Cielo desembolse caixa por um direito de exploração (da Cateno) já adquirido e pago no passado.
“Isso não considera a realidade fática da Cielo, inclusive a sua relação com a sua controlada Cateno que, baseado nas informações públicas, possui um intangível com custo de R$ 11,5 milhões e valor líquido, das amortizações já efetuadas, de R$ 8,5 milhões referente ao ‘direito de exploração do arranjo de pagamento Ourocard.’”
Já sobre o terceiro item, as gestoras dizem que o resultado calculado pelo BofA considera um aumento de 52% na despesa operacional de 2024, mas um aumento de apenas 5% na receita.
A explicação para isso, segundo o laudo do BofA, é o aumento acima da inflação da despesa com pessoal, que tem a ver com um aumento do time comercial da Cielo.
Na call do segundo tri, a Cielo anunciou o programa “Para Cima Cielo”, que consiste na contratação de até 1.000 pessoas do time comercial de forma escalonada, caso o investimento traga payback.
“Espera-se, portanto, que essas despesas adicionais tragam uma equivalência em receita operacional (o payback). Ora, se não há previsão de incremento de receita não se pode admitir que esse incremento de despesas seja utilizado para mensurar o valor das ações para fins de OPA, devendo ser desconsiderado para tal efeito,” diz a carta.
Para um gestor que não é acionista da Cielo, alguns dos questionamentos das gestoras fazem sentido, outros, nem tanto.
“Olhar o múltiplo de Stone e PagSeguro, por exemplo, não tem lógica. É a mesma coisa que o Itaú querer usar o múltiplo do Nubank,” disse ele. “A Stone e PagSeguro negociam com múltiplo maior porque elas têm uma oferta integrada de adquirência e banking. A Cielo não pode fazer isso, porque o Bradesco e BB já fazem.”
A ação da Cielo negocia hoje a R$ 5,29, praticamente no preço da OPA.