A Qualicorp anunciou ontem que assinou um acordo de ‘lockup’ de ações e não-competição com seu fundador e CEO, José Seripieri Filho, o Júnior.

O anúncio chocou o mercado e fez a ação mergulhar 30%.  Gestores viram a decisão como uma mudança das regras no meio do jogo.  Numa carta a seus cotistas, João Braga, da XP Gestão — o maior acionista da Qualicorp depois do próprio Júnior — chegou a dizer que vai à Justiça buscar reparação.
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Pelo acordo, a Qualicorp concordou em pagar uma indenização de R$ 150 milhões para que Júnior não possa competir com qualquer atividade ou negócio a ser desenvolvido pela companhia pelo prazo mínimo de seis anos.  O pagamento foi feito à vista.

Júnior — que fundou a companhia há 21 anos — é dono de 42 milhões de ações da Qualicorp, equivalentes a 14,83% do capital. No fechamento de sexta-feira, antes do crash, sua posição valia R$ 600 milhões.  Como parte do acordo, Júnior concordou em não vender 13,6 milhões de ações, o equivalente a 150% do valor da indenização. O ‘lockup’ vale por seis anos e tem uma tabela progressiva de liberação a partir do quarto ano.

A Qualicorp é uma empresa de saúde especializada nos chamados ‘planos de afinidade’.  Negociando com as operadoras em nome de milhões de afiliados a entidades de classe, a Qualicorp é capaz de obter melhores preços e condições, cobrando uma comissão do cliente.

Júnior, que vende planos de saúde desde os 18 anos de idade, fez a Qualicorp batendo de porta em porta, construindo uma vasta rede de relacionamentos no mercado de saúde e criando um mercado até então inexistente. 

O Brazil Journal conversou com Júnior ontem à noite.

Por que vocês assinaram este acordo de ‘non-compete’?

Essa história começou assim.  Não sou mais controlador da Qualicorp já há algum tempo. Além disso, nunca tive pacote algum de remuneração como CEO. Recebia um pró-labore.  Hoje, minha fatia da empresa é pouco mais de 14%. Comecei a ter vontade de desenvolver projetos inovadores na área de saúde com muito potencial de ganho, fora da Qualicorp. Mas tinha uma grande dúvida: se eu fizesse algum novo investimento na área de saúde fora da empresa, iam dizer que eu tinha obrigação moral de fazer dentro — apesar de eu não ser mais controlador. O mercado da saúde suplementar precisa de disrupção. Além de imaginar novos produtos, precisamos de uma nova abordagem que ajude o sistema como um todo a reduzir seus custos. Tenho ideias nessa linha. Ideias que eu acredito vão gerar muito valor para o sistema, em especial para o cliente. Sabendo disso, e para não correr o risco de eu fazer algo fora da empresa, o conselho passou a estudar um ‘non-compete’ que me alinhasse completamente.

 
Outro ponto é o seguinte.  Desde que a companhia abriu o capital, eu sempre ouvi duas perguntas dos investidores. A primeira era sobre o risco regulatório — e eu respondia que ele era igual ao de qualquer empresa regulada no Brasil. A segunda pergunta era sempre, “E você, vai ficar na companhia ou vai embora?”

Agora, pela primeira vez desde o IPO eu fico numa posição “all-in” com a empresa, com um alinhamento de médio e longo prazo como há tempos não ocorria. 

Como foi calculado o valor desse contrato?

Depois do IPO da Qualicorp, toda vez que fui abordado para discutir uma potencial transação por fundos de private equity e investidores estratégicos interessados na Qualicorp, sempre fui questionado se eu aceitaria assinar um ‘non-compete’, e os valores de referência que eu via nessas abordagens eram superiores ao valor que aceitei neste acordo. 

Dito isso, o trabalho de formatação do contrato foi deliberado exclusivamente pelo conselho, amparado em quesitos técnicos e jurídicos. Eu não tive participação nem interferi. É atribuição do conselho lidar com temas estratégicos, e foi a partir dessa abordagem que eles lidaram com esse assunto ao longo dos últimos meses. De minha parte, não tenho dúvidas que o valor do acordo é absolutamente compatível com os interesses que estão sendo protegidos pela companhia e com negociações dessa natureza já realizadas no mercado, inclusive no de saúde.

O que você diz aos investidores que ficaram chocados com este acordo e estão vendendo a ação?

Acredito que uma vez que os investidores tenham tempo de compreender este alinhamento, que será extremamente benéfico para a empresa, a ação voltará a negociar em patamares à altura dos resultados da companhia. A Qualicorp é ‘asset light’, tem gerado níveis recordes de dividendos e seu EBITDA em 2017 bateu quase R$ 1 bilhão. Se eu não acreditasse no enorme potencial da Qualicorp e na valorização das ações, jamais aceitaria ficar impedido durante seis anos, que poderão chegar a oito, e ainda fazer um ‘lockup’ de minhas ações. A melhor resposta para os investidores é, “I have skin in the game”. Mais do que nunca.

 
Não tem medo de processos?
 
Tudo foi feito dentro da lei, seguindo todos os ritos da CVM.
 
Você recebeu R$ 150 milhões e, só ontem, o valor de mercado da sua posição caiu cerca de R$ 180 milhões.  Valeu a pena?

Isso mostra que esta não foi uma decisão econômica imediatista. Foi uma decisão de longo prazo para que eu possa continuar gerando valor para a companhia.