O Magalu nasceu para incluir. Trata-se de um conceito amplo. Ao criar a empresa, 63 anos atrás, meus tios-avós, Luiza e Pelegrino Donato, queriam que qualquer pessoa da comunidade de Franca pudesse realizar o sonho de comprar um presente ou algo especial para casa. Não importava se essa pessoa era rica ou pobre, branca ou negra, amiga ou desconhecida. Graças aos esforços de meus tios, muita gente do interior de São Paulo e de Minas Gerais foi incluída no mundo aberto pela televisão.

Na gestão de minha mãe, Luiza Helena Trajano, milhares de mulheres puderam entrar no mercado de trabalho pelo simples fato de conseguirem ter, em suas casas, uma máquina de lavar roupas. Hoje, juntamente com suas companheiras do grupo Mulheres do Brasil, ela é uma referência na luta pelos direitos e pela representatividade femininos. Todos os esforços atuais do Magalu vão no sentido de incluir digitalmente o brasileiro — seja ele o pequeno empreendedor que passará a vender remotamente em nossa plataforma ou nossos clientes espalhados pelo Brasil.

Mas inclusão vai muito além de disso. Há anos, há uma característica do Magalu que nos incomoda. Temos um quadro de mais de 40.000 funcionários. Desse total, mais da metade são negros ou pardos. Eles estão em nossas lojas físicas, CDs, escritórios, e fazem parte da nossa comunidade de desenvolvedores. São vendedores, estoquistas, montadores, assistentes. Todos absolutamente essenciais.

Mas onde estão os líderes negros e negras do Magalu?

 
Infelizmente, eles são poucos e, por isso, quase invisíveis. Atualmente, apenas 16% dos representantes da liderança da empresa são negros.  No comitê executivo, do qual faço parte, não há nenhum. Nosso conselho de administração — um exemplo em diversidade graças à alta participação de mulheres  (são três, num total de sete) — também não conta com nenhum homem ou mulher negros.

Para uma empresa que prega o valor das pessoas e da diversidade e que celebra todos os dias o Brasil, um país multirracial, seria uma hipocrisia fechar os olhos e assumir que não há alguma coisa errada. É claro que há. Partindo do princípio de que não somos uma empresa racista e que acreditamos no poder da diversidade, onde está o problema? E, mais importante, como podemos tentar resolvê-lo?

Entramos num processo de meses de reflexão coletiva. Falamos com juristas, representantes do Ministério Público do Trabalho, associações que combatem o racismo, especialistas em recursos humanos. Conversamos com muita gente, fora e dentro do Magalu. E chegamos, finalmente, à conclusão de que nosso programa de trainee 2021 deveria envolver apenas candidatos negros. 

Por que não para negros, brancos, amarelos e indígenas? Por que só para negros?

Porque a nossa experiência mostra que, neste caso, fórmulas já usadas levarão a resultados conhecidos. Ao longo dos últimos anos, o Magalu formou cerca de 250 trainees. Desses, apenas 10 eram negros. Nossos programas simplesmente não conseguiam atrair esses talentos, que, a princípio, nada têm de diferente dos demais senão a cor da pele. O número de inscrições de negros sempre foi baixíssimo. Talvez porque, para muitos deles, passar num programa seletivo de uma grande empresa parecesse inatingível. Talvez porque nossa seleção exigisse certas competências — fluência em inglês, por exemplo — quase impossíveis de ser desenvolvidas por pessoas que frequentemente estão entre os mais pobres de nossa população.

É como se nossos processos de seleção anteriores fossem como pistas de corrida em que o ponto de chegada era comum, mas certos candidatos já saíam com vantagem de alguns metros de distância sobre os demais. Alguns podem chamar isso de meritocracia.  Eu e a comunidade do Magalu não concordamos. Meritocracia de verdade é legitimar a vitória daquele que, tendo as mesmas oportunidades que os demais, consegue chegar na frente — por talento e esforço pessoais.

A meritocracia, no nosso novo programa de trainees, começa agora. Ficarão na empresa aqueles que, tendo as mesmas oportunidades iniciais dos demais, se destacarem, trabalharem duro e se identificarem com os valores do Magalu. Exatamente como aconteceu com cada uma das pessoas que hoje estão em posições de liderança. Se há deficiências estruturais, se há lacunas de formação, queremos dar a oportunidade para que elas sejam preenchidas e para que o potencial se torne real. Queremos ver mais negros na liderança do Magalu. Não se trata de caridade. Somos uma empresa, não uma ONG, e estamos convictos de que a diversidade nos tornará uma companhia melhor, capaz de gerar mais retorno aos acionistas.

Não temos a pretensão de tentar corrigir mazelas históricas do país, nem de sermos vistos como modelo por outros. Mas temos a obrigação de corrigir tudo aquilo que consideramos como nossos problemas. É isso o que estamos fazendo — sem nenhuma possibilidade de retorno.

 
Frederico Trajano é CEO do Magazine Luiza.