Prever hidrologia é um exercício constante de humildade e, no Brasil, talvez seja traço de masoquismo.
No inverno de 2021, por exemplo, vivíamos a maior seca em 91 anos. Passados poucos meses de uma crise sem precedentes, vivemos hoje uma abundância de chuva – com efeitos terríveis para milhares de famílias.
Desde o início do mês, só para mostrar a magnitude da reviravolta, o nível dos reservatórios nacionais já subiu – em média – 10 pontos percentuais (de 33% para 43%).
Apesar de desvios assim acontecerem, os analistas, participantes do mercado e seres humanos em geral somos muito bons em perpetuar o passado recente (e, como tal, errar previsões de forma impressionante).
Há poucos meses “vai ter racionamento” era tudo o que líamos. Agora, “os preços vão cair muito”.
No ápice da seca, chegamos a produzir 21 GW da nossa energia (ou 30% da demanda) via fontes térmicas. Essas usinas são mais caras e têm – em boa parte – custo dolarizado e ligado às commodities. São, por sinal, usinas extremamente importantes para o País, que evitam o pior quando a chuva não vem. São nosso seguro.
Dito isso, metade dessa capacidade já foi desligada nos últimos 60 dias e isso pode reduzir as expectativas de inflação do setor.
Desde setembro, o Brasil tem rodado seu sistema elétrico com a bandeira tarifária chamada “escassez hídrica” – uma espécie de bandeira mais vermelha que a vermelha. Essa bandeira custa ao consumidor aproximadamente R$ 3,3 bi/mês (algo como 15% da conta que pagamos em casa). É muito relevante.
Mas mesmo essa cobrança adicional não foi suficiente para cobrir todos os nossos custos com as térmicas. O sistema rodou a maior parte de 2021 com custos maiores do que aqueles que a bandeira tentava cobrir. (As bandeiras representam, na prática, uma antecipação da alta da tarifa).
Assim, o déficit acumulado dessa conta bateu R$ 12,3 bi no fim de novembro, naturalmente gerando muita preocupação para o Governo e as distribuidoras, que viram uma cratera abrir no seu caixa.
Mas tudo começou a mudar no meio de novembro, quando o despacho térmico começou a ceder. De lá pra cá, apesar dos dados ainda não estarem disponíveis, é possível dizer que a bandeira tarifária passou a cobrir mais que o custo térmico em si – ou seja, o déficit provavelmente está em queda.
Com todas essas boas notícias – reservatórios em alta, térmicas sendo desligadas, custo para o operar o setor em queda livre – é razoável que o debate da bandeira verde ganhe muito espaço nas próximas semanas, até porque isso representaria um alívio imediato relevante nas contas de luz e no orçamento das famílias (15% da conta que pagamos, pra ser mais preciso).
Mas quando o Governo deveria dar essa boa notícia ao consumidor?
Apesar da ajuda relevante de São Pedro (e da boa gestão da crise hídrica feita pelo governo nos meses mais secos do setor), na nossa opinião o ideal é manter a atual bandeira até o fim de abril. Tal sinalização, inclusive, já foi dada pelo governo há pouco tempo. Nossa sugestão é não alterar a visão conservadora de dois meses atrás.
Aguardar maio chegar pode trazer benefícios maiores para os agentes do setor e para os consumidores. O déficit de 2021 pode cair consideravelmente, o empréstimo setorial necessário pode ser menor (evitando custos de juros que oneram a conta de luz!) e, claro, as decisões podem ser tomadas com os dados hidrológicos no retrovisor, ou seja, com a garantia de que o bom período de chuvas se consolidou. Em outras palavras: pode ser uma bela ajuda para ajudar a reorganizar as contas setoriais.
Antecipar a boa notícia da bandeira verde para antes de maio pode representar um clássico erro de projeção, resultante da chamada “perpetuação do passado recente”.
As sinalizações iniciais são, de fato, muito promissoras e o mais provável é que caminhemos rapidamente para a bandeira verde. As águas de março, entretanto, estão logo ali. Melhor aguardar um pouco.
Antonio Junqueira é analista do setor elétrico e chefe do departamento de análise do Citi na América Latina.