Uma briga silenciosa e bilionária está opondo os interesses dos acionistas da Petrobras aos dos contribuintes brasileiros.
Em jogo: pelo menos R$ 40 bilhões que podem ser apropriados por um lado ou pelo outro.
Para entender a disputa, é preciso voltar a 2010, quando o Governo Dilma — que Deus (?) o tenha — fez a mãe de todos os aumentos de capital na Petrobras, aportando 5 bilhões de barris de reservas enquanto os acionistas minoritários, coitados, tiveram que aportar dinheiro.
O combinado era o seguinte: a Petrobras começaria a explorar quatro campos de petróleo — Búzios, Entorno de Iara, Florim e Nordeste de Tupi — e os primeiros 5 bilhões de barris que encontrasse seriam governados por um regime jurídico novo, a chamada ‘cessão onerosa’, criado especificamente para aquela operação. O petróleo da cessão onerosa tem a melhor rentabilidade de todos os regimes: a Petrobras paga 10% de royalties e mais nada, mas não pode nem vender nem atrair sócios para a área. Tudo que a Petrobras descobrisse além dos 5 bilhões de barris pertence à União, como diz a Constituição, e seria governado pelo regime de partilha.
A Petrobras acabou descobrindo um excedente de 12 bilhões de barris de petróleo; como reservas deste tipo são avaliadas em cerca de US$1 por barril, ao câmbio de hoje esses 12 bilhões de barris valem cerca de R$ 40 bilhões (o número mencionado acima).
Em 2014, veio o pulo do gato: a Petrobras convenceu a Presidente Dilma a lhe doar esse excedente — que pertencia à União. Dilma fez uso de um artigo da Lei da Partilha que faculta à União ceder à Petrobras (sem licitação) áreas consideradas ‘de interesse estratégico’. O presente foi dado por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), mas, no mesmo ano, o Tribunal de Contas da União pediu explicações sobre essa contratação direta da Petrobras.
Agora, o Governo Federal — que encontrou o País quebrado e está tentando o maior ajuste fiscal da história sob condições insalubres de temperatura e pressão — poderia cancelar a resolução do CNPE e reverter as reservas excedentes para a União.
Toda essa bonança se encontra na chamada ‘picanha azul do pré-sal,’ uma faixa da costa brasileira onde Deus (!) abençoou o Brasil com petróleo suficiente para fazer alguns de nossos líderes acreditarem que o País poderia ser uma nova Arábia Saudita. A picanha começa na altura do Espírito Santo e desce até a costa paranaense. (veja o mapa acima)
Há uma outra divergência entre a Petrobras e o Tesouro — potencialmente também envolvendo bilhões de reais — cuja discussão está sendo misturada a esta.
Em 2010, como ninguém sabia ao certo a viabilidade comercial dos 5 bilhões de barris, o Tesouro e a Petrobras concordaram numa avaliação preliminar de US$8,51/barril, e fazer um acerto de contas mais tarde. O acordo previa um acerto de contas na medida em que a Petrobras declarasse a comercialidade dos 5 bilhões de barris. Como o preço do petróleo implodiu de lá pra cá, a Petrobras tem dito que se considera credora da União. O Tesouro não se manifestou ainda. Gente que conhece o contrato — que não é público — diz que ele foi mal escrito, típico de um Governo que acreditava estar fazendo um negócio ‘de nós com nós mesmos’, confundindo a figura do acionista da Petrobras com a do contribuinte brasileiro.
Uma divergência importante na interpretação do contrato: na visão da Petrobras, o texto diz que as duas partes têm que ‘passar a régua’ para o acerto de contas depois da última declaração de comercialidade feita na área; para o Tesouro, o contrato diz que o acerto é feito de maneira gradual, após a declaração de comercialidade de cada campo. Como o petróleo implodiu ao longo de anos, a métrica faz toda a diferença.
As negociações entre a estatal e o Tesouro são discretas, mas o CEO da Petrobras, Pedro Parente, recentemente declarou à imprensa: “Temos a visão de que, no final do processo, haverá um dívida da União em relação à Petrobras. Não vou antecipar nem falar de valores… e gostaríamos de encerrar o mais rapidamente possível. Achamos que vamos ser credores porque a gente trabalha com um consultor internacional, e temos esperança que venha demonstrar que somos credor.”
Se o Governo quiser, ele pode reverter a decisão do CNPE e transformar os 12 bilhões de barris no que eles eram originalmente: um patrimônio da União. O Governo teria então a prerrogativa de leiloar essas áreas e ajudar no ajuste fiscal. Obviamente, se o Governo ceder, quem ganha é o acionista da Petrobras. Como mal tem recursos para explorar as áreas atuais, a Petrobras, se prevalecer, acabará vendendo a área para terceiros para fazer caixa — ou sentará sobre as reservas até sabe-se lá quando.
Muitas coisas desagradáveis aconteceram no Brasil nos últimos anos, aprofundando nossa confusão histórica entre o que é público e privado.
Essa discussão sobre o pré-sal é uma boa oportunidade para separar uma coisa da outra.