O setor de vestuário não engole o tratamento que o Governo Federal está dando à Shein.
Há pelo menos uma semana, este tem sido o único assunto nos conselhos das quatro maiores varejistas do setor — Renner, Guararapes, C&A e Marisa — e de entidades que representam o varejo e a indústria da moda.
A indignação começou quando o Ministério da Fazenda publicou uma portaria isentando do imposto de importação qualquer compra internacional de até US$ 50. Até agora, só estavam isentos desse imposto remessas feitas por pessoas físicas até esse valor.
“O Lula faz uma reunião com a Shein na quinta e no dia seguinte o Governo publica uma portaria contrariando tudo que já havia sido combinado com o varejo?” o conselheiro de uma varejista listada disse ao Brazil Journal.
“A Shein já burlava a lei mandando as remessas como pessoa física. Agora, eles simplesmente legalizaram isso. Nem isso mais eles vão precisar fazer!”
Como contrapartida à isenção do imposto de importação, a portaria publicada pelo Governo exige que as empresas se adequem ao programa Remessa Conforme, e passem a pagar o ICMS de 17% sobre as vendas.
Nesse programa, as varejistas vão ter que recolher o imposto na venda e repassar para o Governo. Ao fazer isso, elas também terão um tratamento mais ágil na Aduana, passando pelo chamado ‘canal verde.’
A contrapartida não colou no setor.
“Isso não existe na legislação. Eles vão ter essa regalia só porque estão em conformidade com a lei?” questionou Fernando Pimentel, o presidente da ABIT, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil.
Segundo ele, a medida gera “uma quebra da isonomia tributária que vai afetar profundamente o aspecto concorrencial de todo o setor.”
O executivo pondera ainda que a medida vai contra os próprios interesses do Governo, que tem uma agenda declarada de gerar renda, emprego e de aumentar a arrecadação.
“Não dá para entender essa mudança radical de postura. Um governo que está buscando recursos para investir na área social está abrindo mão de uma arrecadação importante que seria devida e que traria isonomia concorrencial e tributária,” disse Fernando.
O CEO das Lojas Marisa, João Pinheiro Nogueira Batista, disse à Broadcast que não consegue entender “como um governo, ainda mais do PT, seja capaz do absurdo de legalizar o contrabando contra os interesses da indústria nacional.”
O Mercado Livre também criticou a isenção do imposto. Ontem, numa entrevista ao Brazil Journal, a gigante do ecommerce disse que o País está “na contramão do mundo.”
“A Índia proibiu essas empresas chinesas de venderem lá. Nos Estados Unidos, esse tema está no departamento antitruste e estão processando e vai ter consequência. Na Europa, também estão criando barreiras pelas práticas que muitas dessas empresas têm,” disse Fernando Yunes, o country manager da empresa no Brasil.
O consenso no setor é de que a decisão foi do Presidente Lula — que teria sido influenciado pelo empresário Josué Gomes da Silva — e não do Ministro Fernando Haddad, que seria mais sensível aos argumentos do setor.
Até as bordadeiras do Vale do Jequitinhonha sabem que Josué é muito próximo de Lula. O controlador da Coteminas, presidente da FIESP e filho do vice-presidente de Lula em dois mandatos chegou a ser convidado para ser Ministro do Desenvolvimento, Comércio e Indústria e tem um interesse pessoal no sucesso da Shein no Brasil.
Quando anunciou que passaria a fabricar seus produtos no Brasil, a Shein também assinou um memorando de entendimento para uma parceria com a Coteminas, cuja ação quase triplicou desde então.
Pelos termos do acordo, 2 mil confeccionistas da Coteminas vão passar a produzir para a Shein, que faria uma injeção de capital indeterminada na companhia.
“O presidente da FIESP, que deveria proteger a indústria nacional, está apoiando uma medida que vai quebrar muitos fabricantes nacionais e fazer varejistas buscarem produzir fora do Brasil,” disse o conselheiro da varejista listada.
“A Shein é uma espremedora. Ela joga os preços lá embaixo e quem vai pagar a conta são os varejistas e fabricantes locais.”
Entre os grandes varejistas, uma das saídas debatidas — caso a medida não seja revertida — é levar a produção para outros países, como o Paraguai e Peru (onde o custo é menor) e passar a importar os produtos de lá.
Dessa forma, as empresas não teriam que pagar impostos e conseguiriam concorrer em maior pé de igualdade com os ecommerces chineses.
Os pequenos varejistas e fabricantes é que não teriam para onde correr.
Um executivo do setor de varejo nota que o prejuízo aos fabricantes e varejistas locais não é limitado à moda.
“Vai pegar tudo abaixo de US$ 50: eletrodomésticos, óculos, ferramentas, autopeças, lâmpadas, tudo. Esse é o grande lance que o pessoal não está se dando conta.”
E o único beneficiário não é a Shein. “Tem também a Shopee e AliExpress, que são muito fortes e antes pagavam a taxa de 60%.”
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