Quando Nelson Kaufman decidiu trocar seu iate em Miami pela dureza de voltar a tocar o dia-a-dia da empresa que fundou, o mercado já achou aquilo uma ideia duvidosa.

Mas depois que Nelson explicou ao mercado por que está voltando – com suas próprias palavras – a dúvida acabou: aquilo era uma péssima ideia.

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A ação da Vivara, que começara o dia caindo 6-7%, aprofundou a queda depois que o fundador começou a se explicar, e a companhia terminou o dia valendo 14% menos, com um volume negociado superando 20x a média diária.

Noves fora o prejuízo causado aos comprados – incluindo o próprio Nelson, dono de 25% da empresa – sua volta conturbada ao comando da Vivara é uma oportunidade para o mercado discutir temas delicados para as grandes empresas brasileiras, que chegam a ser tabu.

A começar pelo básico: um fundador de 71 anos, fora do jogo há 13, deveria voltar ao manche?  Quando é que um fundador deveria dar lugar a um gestor?  E como a governança de uma empresa deve responder aos anseios de um acionista de referência?

Não é que a Vivara estivesse precisando de, digamos, sangue novo: Paulo Kruglensky estava há três anos no comando, mas já era o CEO de fato há muito mais tempo. Foi Paulo quem transformou a empresa num ‘top pick’ do varejo, lançou a Life (a marca de prata que cresce quase 40% ao ano), cresceu as margens e o faturamento.

Mas esta nova Vivara – maior, mais complexa, listada – exigia uma governança mais robusta. Investidores que não possuem o sobrenome Kaufman hoje detêm 59% da companhia, e os processos aos quais as companhias listadas se submetem visam garantir a preservação do interesse deste float pulverizado.  Nos últimos anos, Nelson andava incomodado com isso, frequentemente dizendo a interlocutores que a companhia estava lenta, morosa, e não realizando seu pleno potencial.

Mas determinar a diferença entre o bom e o ótimo é um exercício subjetivo, e o mercado estava feliz com a performance da companhia, com a ação negociando na máxima histórica até sexta-feira, quando anunciaram a volta do fundador.

Em sua primeira entrevista, na sexta-feira, Nelson fez um discurso de grandes conquistas à frente: a Vivara, dizia ele, precisa ser global, e ele será o arquiteto e executor de sua internacionalização.

Aqui entra a diferença entre o que o velho Nelson deseja, e o que o mercado quer.  Com uma gestão competente, que o próprio Nelson já apoiou, a Vivara está entregando um ROIC de mais de 20% – uma maravilha em meio a um varejo alquebrado.  

Mas quem pode dizer o que será a alocação de capital nesta internacionalização?  Uma tacada genial, ou um sorvedouro de caixa?  Uma nova fronteira, ou uma perda de foco na execução local?  E o que realmente credencia a Vivara para competir lá fora, um mercado que Nelson conhece em tese (mas não na prática) e onde a concorrência, nos maiores mercados, tende a ser muito mais brutal?

Mas na videoconferência de hoje, Nelson conseguiu semear ainda mais dúvidas. Disse pérolas que vão virar memes – a primeira vez que ouviu a expressão RH, achou que significava “ratos humanos” – e soou mais como um tiozão fora do lugar do que um executivo in charge.

“Tem muito mais gente pobre no mundo do que gente rica. E a Vivara quer atender esse povo,” disse o novo CEO. 

Em outra parte ensinou que “a função do cachorro é latir. A do cavalo, relinchar. A nossa função é colaborativa. Eu voltei pra Vivara porque tenho que colaborar com a sociedade, os funcionários, os acionistas, e eu sou de longe – melhor que qualquer um hoje – o melhor para fazer isso hoje.”

Humildade é tudo.

Pior ainda: Nelson disse que tudo na companhia tem que melhorar, da experiência de loja (onde, segundo ele, faltam bancos para as vendedoras sentarem) ao produto em si.

Tem “coisas erradíssimas” nas lojas, disse Nelson. “Nossas lojas Life não tinham um banco pra sentar. Se você fica parado na loja, as pernas tremem. Esses erros serão corrigidos na hora.” Para ele, “precisa ter mais produtos na loja” e, “na parte de preços, não pode haver liquidação.”

“O mais trágico é que ele botou um monte de defeito num negócio que o mercado achava que era perfeito,” disse um gestor que não tem o papel e assistiu a tudo consternado. (Um amigo de Nelson disse ao Brazil Journal que atribui isso mais à personalidade ciclotímica do empresário do que a problemas reais com a companhia.)

O sentimento geral foi de vergonha alheia, e o preço de tela mostra que muita gente aproveitou para zerar a posição e assistir ao ‘turnaround’ da arquibancada.

A troca abrupta na Vivara era um caldo esperando o dia para entornar. “O mercado minimizou o conflito societário que havia ali, e fez isso porque o negócio tá voando,” diz um gestor. “Aí chega o dia de hoje e você vê que no final é ele que está mandando na empresa. E o sellside vendeu para o gringo que a Vivara era a melhor coisa do mundo, mesmo com a liquidez baixa. Imagina o gringo hoje, vendo esse shit show.” 

Dado que houve oposição de independentes à sua chegada, Nelson já pensa em fazer mudanças no board. Do outro lado, alguns fundos comprados no papel já se movimentam para avaliar como lidar com os novos tempos.

 Nelson Kaufman é um empreendedor genial – um lutador que superou inúmeras adversidades para construir um império que deveria lhe dar orgulho. É também um dos poucos reis do varejo brasileiro que sustentaram, por décadas, um negócio com crescimento e lucratividade que continua de pé, enquanto muitos sucumbiram ao longo da estrada.

Mas “fora a religião e jogos de azar, nada deu mais prejuízo às pessoas do que a busca por um legado,” diz um amigo desta coluna. 

Talvez este seja o caso aqui. Existe um lugar importante nas empresas e na sociedade para as pessoas com experiência e cabeça branca – mas cada dia menos este lugar é a operação do dia-a-dia, e sim os conselhos, a estratégia, a mentoria das novas gerações.  

E certamente, a forma de mudar as coisas não é a que Nelson adotou na Vivara.