Enquanto as grandes redes farmacêuticas começam a se canibalizar nas grandes cidades, um empresário conseguiu quebrar o código daquela que é a maior barreira dos gigantes: penetrar e prosperar no Brasil profundo.

Há uma década e meia, Edison Tamascia voa abaixo do radar enquanto constrói a Febrafar, uma federação de farmácias independentes espalhadas pelo Brasil que hoje conta com mais de 9.600 lojas – das quais dois terços estão em cidades com menos de 50 mil habitantes, onde as grandes redes não estão presentes. (Para efeito de comparação, a Raia Drogasil tem cerca de 1.700 lojas.)

Edison também comanda a Farmarcas, uma administradora de farmácias que em apenas seis anos se tornou o quarto maior player do setor em faturamento – com margem líquida de 10%, muito superior à das redes tradicionais. 10607 d22e1d76 e9c2 442b 5348 4470ee4eed3e

Nos últimos quatro anos, a participação de mercado da Febrafar foi de 8,7% para 11,1%, enquanto a das ‘redes corporativas’ – um conceito amplo, definido como quaisquer redes com mais de 6 CNPJs – caiu 0,8 ponto para 56,2%, segundo dados da IQVIA (a antiga IMS Health).

Boa parte desse avanço veio de novas lojas que se juntaram à Febrafar, mas o faturamento médio por loja também cresceu: nos últimos dois anos, avançou 28% para R$ 1,38 milhão/ano.  

Edison não é um grande concorrente das grandes redes, já que domina principalmente praças onde elas não operam. Mas, com a Raia Drogasil, por exemplo,  existe algum grau de sobreposição na periferia de São Paulo e em grandes cidades agrícolas do Centro-Oeste e Norte.

A trajetória de Edison mostra como o empresário criou uma fórmula para operar o interior de um País continental. Nem a Febrafar nem a Farmarcas são donas das lojas, mas turbinam a expertise dos operadores locais com sistemas e gestão que nada devem aos gigantes do setor. “É a raiz do associativismo, que sempre existiu, mas ele conseguiu elevar à décima potência”, diz o executivo de uma concorrente.

 

De jeito simples e bonachão – durante a entrevista diversos funcionários entraram na sua sala para assaltar um armário cheio de chocolates, que ele deixa à disposição –, Edison é ele mesmo o produto de uma cidade pequena (Paranapuã, no interior paulista, com 4 mil habitantes).

Saiu da roça aos 12 anos para trabalhar numa farmácia local – e hoje anda de jatinho. Estudou só até o quarto ano e até hoje tem dificuldade com a letra cursiva, apesar de navegar magistralmente entre slides no computador. “Se o IBGE for fazer aquelas pesquisas em casa, me classifica como analfabeto”, diz.

O conhecimento do varejo farmacêutico veio da experiência de quem já passou por quase todas as etapas da cadeia: foi gerente de uma Drogasil em São José do Rio Preto na década de 1970, vendedor de distribuidoras farmacêuticas, como a Santa Cruz e, em 1990, abriu sua própria farmácia – a FarmaVIP – em Piracicaba.

Em 1995, começou a se associar com outras pequenas drogarias para negociar o preço de insumos e trocar ideias sobre gestão.  Aquela semente de associativismo deu tão certo que, em 2000, Edison foi convidado a tocar uma startup que queria levar as farmácias para a internet – e para isso precisava construir uma rede que abastecesse todo o país.

Era o embrião da Febrafar. O site nunca vingou, mas Edison entendeu o potencial dos empresários que havia reunido. Aos poucos, foi criando sistemas para gestão de negócios, marketing e serviços para atender associações de farmácias, tudo bancado por comissões que vem da indústria.  

A produtividade das ‘farmácias de esquina’ disparou.

Notando o gap que havia no segmento popular, há seis anos Edison empreendeu de novo: criou a rede Super Popular, que hoje tem 35 farmácias em São Paulo e Minas Gerais e é administrada por sua filha e genro. Sempre procurado por empresários em dificuldades, no ano seguinte recebeu a proposta de administrar a Bigfort, uma rede associativista de Sorocaba que andava mal das pernas.

A consequência lógica dessa experiência foi a Farmarcas, uma administradora de redes independentes que atua num modelo parecido com o de franquia e está em todo o Brasil, exceto o Rio Grande do Sul.  

A Farmarcas vem crescendo mais de 200 lojas por ano, já chegou a 889 unidades e faturou R$ 2,3 bilhões ano passado. A meta para este ano é chegar a 1.100 unidades.

Com maior participação de genéricos, onde a margem tradicionalmente é mais alta, e com descontos polpudos da indústria graças à escala, as lojas da Farmarcas conseguem ter margem líquida três vezes superior à de redes como a Raia Drogasil – e essa rentabilidade é suficiente para arcar com os custos fixos, mesmo com o faturamento menor.

A maior marca da Farmarcas é a Ultra Popular, com 600 lojas e presença nacional. Outras redes nacionais incluem a Super Popular, a Maxi Popular e e a Bigfort. A marca é escolhida de acordo com o perfil de público e região. “A Bigfort, por exemplo, não é tão agressiva em preço. Em Feira de Santana, tem dentro do shopping, onde não precisa ser tão agressivo”, explica Edison.

Há ainda marcas locais, como a Entrefarma, de Minas, a AC Farma, de Santa Catarina, que já eram conhecidas em suas regiões e vem se expandindo sob o guarda-chuva da Farmarcas. (Essas marcas regionais pertencem a associações ou cooperativas formadas por diversos empresários).

O modelo funciona assim: um escritório central, com 110 funcionários, faz de tudo, desde o cadastro do empresário que quer abrir uma farmácia no modelo da Farmarcas, até negociações de compra, layout de lojas e campanhas de marketing.

A central negocia contratos anuais com a indústria e monta pedidos semanais a partir da demanda de cada farmácia. As distribuidoras entregam direto em cada loja (não há estoque central). O resultado: escala e preços agressivos.

A administradora dá ainda inteligência de mercado, montando o que seria o sortimento ideal de produtos e a precificação, dada a região e a proximidade com outras farmácias.

O custo é irrisório: cada farmácia paga, no máximo, um salário mínimo. A receita que mantém a Farmarcas vem, novamente, de comissões da indústria farmacêutica – segundo Edison, elas ficam entre 2% e 4% dos pedidos, gerando uma receita de R$ 3 milhões ao mês.

“As redes não conseguiram criar modelos alternativos de baixo custo porque o mesmo custo que ele tem numa loja da Paulista, ele tem numa cidade por exemplo de 70 mil habitantes”, diz Edison.

“A gente está em regiões de grande desenvolvimento, com um modelo de ponto de equilíbrio muito menor, com o empresário cuidando e com ferramentas e estratégias competitivas equivalentes a que elas têm, porque tenho informação, preço, cartão fidelidade, tudo”, completa.

 

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