A prostração dos mercados financeiros diante da incerteza política e do ciclo de aperto monetário no último ano desinflou o negócio da XP e fez a ação da corretora negociar nos múltiplos mais baixos desde que abriu o capital.

A nova realidade – e o crescimento desordenado da empresa no auge do bull market – obrigaram a XP a se ajustar.

Desde o fim do ano, a empresa reduziu seu headcount em cerca de mil profissionais, 15% do total do que chegou a ter.

10861 73574dd6 c244 e7b2 5c8e 8d20d1077cadAgora, com os “excessos corrigidos”, o supermercado financeiro de Guilherme Benchimol vai voltar a crescer fazendo o “feijão com arroz” – nas suas palavras, tentar mostrar ao investidor que tem a melhor proposta de valor e serviço. “O sucesso do business é mais resiliência e menos inovação.”

Nesta conversa com o Brazil Journal, Benchimol reconhece erros cometidos mas rejeita a crítica de que a empresa perdeu o gás. Para ele, são analistas e investidores “curtoprazistas” que estão frustrados – e “por não entender o tamanho da oportunidade que estamos buscando.”

Abaixo, os principais trechos da entrevista.

A XP precisou cortar para corrigir excessos e se adaptar a um ambiente macro difícil. Esse ajuste já terminou? Ou há mudanças a caminho?

Acabou, não tem mais ajuste. Todo empresário quer crescer, mas isso traz dores. Em 2010, nosso lucro líquido foi de R$ 15 milhões. Em 2022, passou para R$ 3,6 bilhões. Modéstia à parte, não conheço uma história de empreendedorismo no Brasil semelhante à nossa. Mas nesse crescimento acelerado – mais do que dobramos de tamanho a cada ano –, cometemos excessos e precisamos corrigir a rota. É mais fácil enxergar isso quando vem uma crise e somos obrigados a olhar mais para dentro, para eficiência – e menos para crescimento.

Nesse processo, vocês desistiram de alguma área? Ou os ajustes foram basicamente demissões?

Não fechamos áreas. A XP teve o privilégio de quadruplicar de tamanho durante a pandemia. Contratamos 4 mil pessoas. Quando a vida voltou ao normal, vimos que cometemos excessos e ajustamos para sermos mais eficientes. Estamos arrumados agora. Foram demitidas cerca de mil pessoas, temos em torno de 6 mil funcionários atualmente.

No ano passado, a receita cresceu e o lucro ficou estável. No 4º trimestre, receita e lucro ficaram abaixo do previsto. O CFO Bruno Constantino disse que quem anualizar o 4º tri vai errar “big time”. O que vai ser diferente em 2023? Por que dá para esperar um resultado melhor? 

A dor de uma empresa listada é ser analisada no curto prazo. Não gosto de falar de trimestre porque uma empresa não é isso. Os trimestres são diferentes, existem ajustes sazonais de dias úteis, eventos. O 4º trimestre de 2022 foi o período de três meses com menos dias úteis acho que dos últimos sete ou oito anos. Tivemos dois turnos de eleição e Copa, além das emendas antes e depois dos jogos e dos feriados de fim de ano. O que aconteceu no quarto trimestre foi atípico, fruto desse ajuste sazonal. Quem não entende nosso negócio e não vai nesse detalhe acaba se atrapalhando.

Então a melhoria virá de um novo ajuste sazonal, e não de novidades positivas?

Nossa empresa nunca parou de crescer. No Q4, continuamos crescendo, mas esse trimestre teve 30% menos dias úteis reais, então tivemos um número aquém do que o mercado esperava porque o mercado não faz essa conta. Não vai no detalhe da Copa do Mundo. A vida empresarial tem altos e baixos e é importante que os investidores enxerguem a gente num cenário de dois a três anos e comprem a gente no longo prazo.

Esse investidor está aí atualmente?

No Brasil é mais difícil encontrar, mas ele está presente no exterior. Nossa conversa com investidores-âncora lá fora é mais de longo prazo.

Por que esse investidor de longo prazo não voltou a comprar?

O lucro líquido das empresas abertas não-financeiras caiu cerca de 20% em 2022. Quando o juro vai para 14%, gera incerteza na economia e isso afeta todo mundo. Mesmo num cenário assim, aumentamos a receita e mantivemos o lucro líquido estável. É uma prova de que nosso negócio é resiliente e está cada vez mais anticíclico. Sem contar que fizemos vários investimentos nos últimos dois anos, no banco, em seguros, na área internacional, no atacado. Isso custou. Atrapalhou o resultado de curto prazo. Mas contribui para tornar a empresa mais anticíclica e capaz de sobreviver e crescer independentemente do cenário.

Por que o investidor ainda não viu isso?

Todas as empresas de alto crescimento sofreram muito nos últimos tempos. Quando os juros sobem tanto, no mundo, os investidores que buscam esse tipo de companhia ficam mais retraídos, sofrem resgates. A despeito disso, concordo que nossa ação está barata –  por isso fizemos recompra de R$ 2,5 bilhões nos últimos seis meses. Nas últimas janelas de compras, todos compramos ações da empresa na física. Eu nunca vendi ações da XP.

Quando olhamos para fatos, e não narrativas, vemos que os indicadores relevantes não param de melhorar. Precisamos garantir que isso continue assim no longo prazo, então nossa ação ficará no preço correto. Mas curto prazo é confusão mesmo, muita boataria, informação desconexa.

Você disse que a XP está mais anticíclica. Mas analistas veem a empresa ainda muito dependente dos ciclos econômicos. 

A crise de 2014 foi parecida com essa em termos da alta dos juros. No ano seguinte, nosso lucro líquido caiu 40% e indicadores operacionais relevantes despencaram. Olha como a empresa evoluiu. Talvez o que frustre o investidor curtoprazista – que não é quem eu quero agradar – é não entender o tamanho da oportunidade que estamos buscando.

Nosso negócio não é vender areia no deserto. Temos um market share de 11% e precisamos convencer quem tem investimentos nos bancos a ter uma experiência melhor, mais barata e mais inteligente com a nossa empresa, que é especialista no assunto. Várias consultorias colocam a XP como a melhor empresa de investimentos no Brasil. Nosso desafio é manter a fome e a competitividade de continuar vencendo.

E como continuar fazendo isso? Outra crítica é que a XP virou uma empresa pouco inovadora, incapaz de transformar o mercado como já fez no passado. 

Discordo disso com muita força. Nosso lema é mais do mesmo e melhor. Temos 15 mil empreendedores, não apenas agentes autônomos: são consultores, analistas, gestores e funcionários-empreendedores. A XP não é a casa do agente autônomo, é a casa do empreendedor, que usa o nosso ecossistema de forma que a gente consiga atender melhor as 40 milhões de pessoas que investem por meio dos bancos. É preciso ter resiliência para bater o bumbo na intensidade certa.

Muita gente quer tirar o nosso foco. Evidente que precisamos inovar, mas também precisamos fazer esse feijão com arroz de falar com cliente, marcar visita, explicar, ajudar o investidor a fazer conta e a perceber que pode ter uma experiência melhor. O sucesso do business é mais resiliência e menos inovação.

Mas é claro que inovamos também. O investidor que abre conta na XP hoje é global. Lançamos vários fundos novos nos últimos meses em diferentes categorias: private equity, investimentos internacionais e outros. Uma vez que o cliente está aqui, ele tem acesso a cartão de crédito com investback, conta corrente sem tarifa, o menor juro do Brasil (com investimento como colateral).

Resiliência também para atravessar esse período de juros altos?

Que empresário investe com juro de 14% ao ano? Ninguém faz nada. Não é apenas o nosso cliente que fica paralisado. O Brasil para porque ninguém toma risco. Os bancos enxugaram do sistema mais de R$ 500 bilhões ao emitir títulos que oferecem liquidez diária, às vezes sem imposto de renda e que corrigem na curva. É muito cômodo. Mas esse é um ambiente passageiro, basta ver o Brasil dos últimos anos.

O estresse no mercado de crédito privado preocupa?

Esse mercado está normal. O que me preocupa é o Brasil com juro de 14% ao ano. Isso não pode ser duradouro. Ao mesmo tempo, é importante que a taxa caia de forma consistente. A pesquisa Focus semanalmente mostra uma expectativa de inflação cada vez maior, mesmo com o juro nesse patamar. Não conseguimos manter o país saudável e as empresas sólidas com juro nesse nível por muito mais tempo.