Depois de nove meses, a Agência Nacional de Saúde Suplementar tem finalmente um novo diretor-presidente nomeado: Wadih Damous, indicado por Lula, foi aprovado pelo Senado hoje à tarde com 38 votos a favor e 20 contra. 

O Senado também aprovou outros 23 indicados para agências reguladoras e órgãos do Judiciário, uma pauta que ficou trancada ao longo de todo o primeiro semestre.

Entre eles, foram aprovados Leandro Safatle para assumir a Anvisa; Thiago Faierstein para a ANAC; e Arthur Watt Neto para a ANP.

O nome de Damous, que chefia a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça, havia sido indicado por Lula em dezembro, após o fim do mandato de Paulo Rebello, que ficou quatro anos à frente da agência.

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Desde então, o próprio indicado e aliados do governo fizeram uma longa peregrinação para convencer os senadores que, apesar de nunca ter atuado no setor de saúde, o advogado estaria apto para presidir a ANS.

Amigo de Lula, Damous começou sua carreira como advogado dos sindicatos dos metalúrgicos, dos ferroviários, dos trabalhadores de borracha do Rio de Janeiro e dos funcionários do BNDES. 

Além de presidente da OAB no Rio de Janeiro, exerceu um mandato como deputado federal de 2015 a 2018 e foi da assessoria técnica do PT na Câmara antes de assumir o cargo no Ministério da Justiça.

Damous chega na ANS para enfrentar uma longa lista de embates entre a agência e as operadoras. 

Em dezembro passado, a ANS colocou em discussão uma série de alterações nas regras de reajuste, coparticipação, pool de risco, sinistralidade, entre outros. 

O combo de propostas representaria a maior mudança regulatória do setor de saúde suplementar nos últimos 20 anos. A complexidade dos assuntos e o alto potencial de impacto motivaram um mandado de segurança, promovido pela Abramge, a associação dos planos de saúde, para suspender a consulta pública alegando “vícios de procedimento”.

Na pauta da agência também estão outros dois temas importantes: o cancelamento unilateral de planos coletivos e a criação de planos de baixa cobertura. 

Damous disse a senadores durante sabatina, realizada no dia 13, que pretende garantir os direitos dos consumidores ao mesmo tempo em que se preocupa com a sustentabilidade do setor. 

“Não estamos lidando com uma mercadoria qualquer. Estamos lidando com a vida e a saúde das pessoas. Ao mesmo tempo, temos que prestar atenção na solvabilidade das empresas, temos que atentar para o equilíbrio para o econômico-financeiro do sistema.”

Uma das principais disputas que Damous irá enfrentar está relacionada aos cancelamentos unilaterais de contratos coletivos. 

Em novembro de 2024, quando seu nome já era cogitado para o cargo, a Secretaria Nacional do Consumidor (que Damous chefiava) instaurou um processo administrativo contra 17 operadoras de planos de saúde e quatro associações de saúde por cancelamento unilateral e práticas consideradas abusivas. O processo segue em análise.

Na sabatina, Damou já indicou o caminho que pretende seguir: o tema tem que ser debatido no Congresso. 

Hoje, há projetos em tramitação no Senado e na Câmara para modificar a legislação dos planos de saúde, a Lei 9656, de 1998, com foco em proteger os consumidores dos cancelamentos unilaterais e garantir a continuidade de tratamentos médicos. 

“Essa é uma questão que está na agenda regulatória desde sempre, antes mesmo da criação da ANS. Se a ANS fizer isso (regular os cancelamentos unilaterais), não tenho a menor dúvida que haverá uma enxurrada de judicialização. Nesse sentido, acho que o Congresso Nacional deve dar a palavra final.”

Outro assunto que ganhou atenção na sabatina é a proposta da ANS de criação de planos populares, que cobrem apenas consultas eletivas e exames. Nessa modalidade não haveria atendimento emergencial, internações, tratamentos ou terapias. 

A ANS propôs testar os planos de baixa cobertura através de um sandbox regulatório, um ambiente em que os órgãos reguladores permitem às empresas testar inovações por um determinado período com regras diferentes das que imperam no setor. 

O sandbox dos planos de baixa cobertura estava previsto para durar dois anos e teria a participação de apenas 10 empresas. As críticas ao projeto foram tão grandes que o assunto passou a ser tratado por uma câmara técnica criada em maio. 

“Talvez tenha havido uma certa precipitação da agência, porque o projeto recebeu críticas de tudo quanto é lado,” disse Damous. “Além disso, há uma questão de legalidade aí. A lei 9656 parece ser taxativa na sub segmentação dos planos e, caso houvesse regulação da agência, haveria discussão no Poder Judiciário.”

O surgimento do debate de planos populares foi uma forma da ANS atender a uma demanda do Superior Tribunal de Justiça que determinou em 2023 que é competência da agência regular e fiscalizar os cartões de desconto e de benefícios, um segmento que surgiu no início dos anos 2000 e já ultrapassou em tamanho a saúde suplementar. 

Estima-se que 65 milhões de brasileiros utilizem os cartões de benefícios, uma modalidade que oferece descontos em consultas e exames de baixa complexidade por uma assinatura mensal em torno de R$ 30. 

O produto não é regulado pela ANS e incomoda as operadoras de saúde, que por lei não podem oferecer um produto semelhante e veem um mercado bilionário crescendo à margem do seu setor.  

Estima-se que o preço do novo plano popular seja de cerca de R$ 100.

Não é a primeira vez que a criação de planos de baixa cobertura é colocada em discussão. Em 2016, o então ministro da Saúde Ricardo Barros propôs a criação de planos populares para desafogar o SUS (na época, Paulo Rebello, ex-presidente da ANS, era o chefe de gabinete de Barros). 

A gritaria foi grande e o projeto não avançou. 

As críticas na época não eram muito diferentes das que os planos populares vêm recebendo agora. Uma delas é o risco de desorganização no atendimento do SUS, já que criaria uma classe de pacientes com diagnóstico mas sem tratamento – dificuldade hoje enfrentada por quem utiliza os cartões de desconto.

Se de um lado os planos de baixa cobertura podem reduzir as filas no atendimento primário no SUS, os gargalos devem se deslocar para tratamentos, terapias e cirurgias. Outro desdobramento possível é o aumento da judicialização no setor público.

Criada em 2000 a reboque da lei do planos de saúde de 1998, a ANS regula um setor que luta para ter lucratividade. Em 2022, as operadoras fecharam o ano com prejuízo operacional de R$ 11,5 bilhões. No ano seguinte, foram outros R$ 5,9 bilhões no vermelho. Em 2024, veio a virada: R$ 11,1 bilhões de lucro líquido.

O setor hoje é um emaranhado de descontentamento de todos os lados (pacientes sem atendimento ou sem serviços de qualidade, e hospitais e operadoras pressionados por custos em alta). 

Esta é a agenda que aguarda Damous.