A Netflix anunciou ontem a compra da Millarworld, a editora de histórias em quadrinhos fundada por Mark Millar, ganhando acesso a personagens que agora vão virar séries, filmes e programas infantis na maior empresa de streaming do mundo.
Foi a primeira aquisição na história da Netflix, e num momento em que a concorrência por conteúdo original cresce exponencialmente depois que a Amazon resolveu participar do jogo com seu capital quase infinito.
Millar, um quadrinista que passou oito anos na Marvel, é o criador de histórias como ‘Kick-Ass’ e o ‘Velho Logan’ (‘Old Man Logan’, no original), um arco de histórias sobre o Wolverine, publicado pela Marvel. Ele também escreveu a série em quadrinhos ‘Kingsman: Serviço Secreto’, que deu origem ao filme de mesmo nome, estrelado por Colin Firth. A obra de Millar tem uma legião de fãs no mundo nerd.
O chefe de conteúdo da Netflix, Ted Sarandos, comparou Millar a um ‘Stan Lee dos dias modernos’ — em referência ao criador do Homem-Aranha, Incrível Hulk, Homem de Ferro, X-Men, Thor, Quarteto Fantástico etc. — e disse “mal poder esperar para alavancarmos o poder criativo da Millarworld para a Netflix e começarmos uma nova era global de boas estórias.”
Por trás das belas estórias, no entanto, há poderosas forças de mercado.
A Marvel, controlada pela Disney, hoje produz pelo menos duas séries de super-herois para a Netflix — Daredevil e Jessica Jones — e a Netflix também exibe os filmes da Marvel por conta de um contrato com a Disney. Todos os analistas interpretaram a compra da Millarworld como um hedge da Netflix contra a possibilidade de que a Disney pare de lhe fornecer conteúdo algum dia.
Alem disso, a Amazon — a maior concorrente da Netflix em streaming — está aumentando dramaticamente os incentivos para uma aquisição como esta. Para começar, a Netflix deve gastar este ano US$ 6 bilhões em conteúdo original, comparado a um orçamento de US$4,5 bilhões da Amazon para o mesmo fim. (O orçamento original da Netflix era US$4 bilhões, mas ela aumentou a meta quando soube dos planos da Amazon.)
Pior: a Amazon está oferecendo condições imbatíveis para os criadores de conteúdo. Enquanto a norma na indústria de broadcasting tem sido remunerar o produtor do conteúdo com 10% das receitas, a Amazon está oferecendo 50% das receitas com venda ou aluguel do filme ao produtor do conteúdo.
A Netflix tentou quantificar (em dólares) o valor do histórico criativo de Millar.
“Em seus oito anos na Marvel, ele desenvolveu os quadrinhos e arcos narrativos que inspiraram o primeiro filme dos ‘Vingadores’, o ‘Capitão América: Guerra Civil’ e ‘Logan (Wolverine)’, que tiveram mais de US$ 3 bilhões em bilheteria conjunta a nível mundial. Desde que a Millarworld foi fundada, a empresa e seus co-criadores deram à luz 18 mundos de personagens, dos quais três — Wanted, Kick-Ass e Kingsman — viraram filmes que juntos arrecadaram quase US$ 1 bilhão em bilheteria global.”
O talento de Millar é indiscutível, mas o que a Netflix precisa mesmo é de um super-herói que a salve da Amazon.