LONDRES – No fim de janeiro, cerca de 30 brasileiros munidos de cartazes vieram aqui para o The Rolls Building, o prédio que abriga o Judiciário britânico, para protestar contra a BHP.
Naquele dia se iniciava a discussão do cronograma do processo em que a companhia anglo-australiana – dona de 50% da Samarco – é ré pelo desastre ocorrido em Mariana, em 2015, que deixou 19 mortos e grandes estragos no meio ambiente.
Entre os presentes estavam pessoas que perderam filhos, o local em que moravam, ou que sofreram prejuízos por causa dos danos ambientais – e também prefeitos das cidades atingidas, como Celso Cota, mandatário de Mariana.
Mas ninguém chegou ali com recursos próprios. O escritório de advocacia Pogust Goodhead patrocinou a manifestação – e é o autor da ação coletiva que juntou 700 mil pessoas e entidades prejudicadas pela queda da barragem e que pede indenizações de R$ 230 bilhões à BHP e à Vale, a dona da outra metade da Samarco.
O escritório gosta de barulho.
O Pogust Goodhead surgiu em 2018, depois que o advogado Tom Goodhead, que já trabalhava na área de direitos humanos, prestou uma consultoria no Dieselgate, o caso em que a Volkswagen foi considerada culpada por adulterar de maneira proposital as emissões de diesel de alguns veículos.
Mais do que ser um consultor, Goodhead viu que poderia participar mais ativamente dessas causas coletivas. Ainda em 2018, um advogado brasileiro apresentou o caso de Mariana para Goodhead, que logo se interessou pela história.
O modus operandi do escritório é o de procurar vítimas lesadas por grandes desastres, reuni-los em um único processo e buscar jurisdição na Europa ou nos Estados Unidos.
“O sistema judicial é lento em qualquer país do mundo, mas enquanto no Reino Unido um processo dura de 5 a 7 anos, no Brasil as apelações podem fazer com que o processo seja atrasado por 20, 30 anos,” Goodhead disse ao Brazil Journal. (Ouviu, CNJ?)
Aproveitando que a BHP tem sede em Londres, o escritório buscou foro na Justiça inglesa. Em 2022, a própria BHP conseguiu incluir a Vale como corresponsável pelo pagamento de metade da multa, caso seja condenada.
Além do caso de Mariana, o Pogust toca hoje 27 ações coletivas, incluindo um processo na Holanda contra a Braskem pelo desastre de Maceió (a Braskem tem uma subsidiária financeira por lá); uma ação na Alemanha contra a TÜV SÜD – que certificou as barragens da Vale em Brumadinho; e um processo no Reino Unido contra a Cutrale, a gigante da citricultura brasileira, por acusação de formação de cartel.
Para cuidar de todos os casos, o escritório tem um exército de mil funcionários, sendo 600 advogados – metade deles brasileiros. Porém, como conta com a ajuda de advogados locais para buscar vítimas, o total de profissionais relacionados aos casos pode chegar a 5 mil.
O caso de Mariana é o maior de todos – tanto em valores quanto em custos para o escritório. Até agora, contando gastos de viagens e custas do processo, o Pogust calcula ter gasto mais de 150 milhões de libras nesse processo.
Apesar de já ter ganho processos contra empresas como Uber, British Airways e Volkswagen, o dinheiro dos honorários e das incumbências não seria suficiente para arcar com todos os custos do caso de Mariana.
Por isso, o Pogust partiu para se financiar via litigation funding. Em 2019, a advogada Ana Carolina Salomão, com experiência de dez anos na Faria Lima e passagens pelo JP Morgan, Itaú BBA e BWI, entrou no Pogust para cuidar da captação.
Desde então, o escritório já levantou 750 milhões de libras com gestoras como Jive, Vinci SPS e Prisma Capital. A maior parte do dinheiro, no entanto, vem na forma de empréstimos que custam cerca de 20% ao ano. Em outra modalidade, o investidor cobra uma taxa menor, mas participa do resultado.
“Quem começou a financiar o escritório no início pode ter retornos similares aos vistos em um Series A de startups,” disse Ana Carolina, que é a CIO do Pogust Goodhead.
O risco dos casos é alto: o processo contra a BHP já chegou a ser recusado pela justiça britânica. Em 2018, juízes de primeira e segunda instâncias negaram que o Reino Unido era a jurisdição certa para se ter esse tipo de processo.
Mais do que isso: a decisão de primeira instância definiu o escritório como um “cassino”. O Pogust Goodhead foi condenado a pagar 16 milhões de libras em custas do processo.
“Tínhamos um seguro, que não era suficiente para arcar com os prejuízos,” disse Ana Carolina. “Tivemos que bater nas portas dos investidores pedindo dinheiro para entrar com uma ação rescisória contra a decisão do primeiro juiz.”
A própria advogada definiu a tentativa como uma “loucura”, mas deu resultado: a suprema corte inglesa aceitou o pedido, anulou as decisões anteriores e deu jurisdição para que o processo corresse na justiça britânica.
O escritório, no entanto, vem sendo alvo de críticas – especialmente das empresas que estão sendo processadas. No mercado, há falas pesadas contra o Pogust Goodhead: o escritório chegou a ser comparado a “abutres procurando carniça”.
Uma das críticas é a cobrança de honorários das vítimas, que podem chegar a 30%. Ana, no entanto, diz que a média é de 22,5%, pois há muitos casos de trabalho pro bono, como os trabalhos para indígenas e quilombolas.
Goodhead não vê problema nessa cobrança.
“Trata-se de uma fatia de um dinheiro que nunca seria recuperado. Então, é um valor mais do que justo. Todo advogado que trabalha é pago, assim como os das empresas,” disse o advogado.
No caso de Mariana, há dúvidas também sobre o valor do processo. Como a Samarco criou a Fundação Renova para gerir todo o dinheiro destinado à reparação dos casos – e já pagou quase R$ 35 bilhões em indenizações –, além de estar respondendo a outros processos na Justiça brasileira, a BHP e a Vale afirmam que o processo londrino possa gerar pagamentos em duplicidade.
O escritório nega que isso vá acontecer, e seus advogados afirmam que o valor pago até agora ainda é insuficiente para compensar os danos causados.
Com a primeira fase do julgamento marcado para outubro deste ano, Goodhead disse que está aberto a um acordo com a BHP. Segundo ele, é do interesse de todos os seus clientes que este processo não seja postergado por anos.
“Um acordo é o melhor a se fazer, mas tem que ser justo para os nossos clientes,” disse.
A BHP disse ao Brazil Journal que continuará a se defender no processo e refuta os pedidos formulados na ação na Inglaterra.
Segundo a empresa, a ação “é desnecessária por duplicar questões já cobertas pelo trabalho de reparação em andamento, sob a supervisão dos tribunais brasileiros, e objeto de processos judiciais em curso.”