Quando assumiu o comando da Azevedo & Travassos, em dezembro de 2019, Gabriel Freire encontrou um cenário de terra arrasada.
A centenária empreiteira — que fez obras icônicas como a pavimentação da ponte Rio-Niterói e a Avenida 23 de Maio em São Paulo — tinha uma receita líquida de meros R$ 1,7 milhão (que vinha basicamente da venda de sucata), uma dívida líquida de R$ 200 milhões e um PL negativo em R$ 240 milhões.
Listada na Bolsa desde 1985, a Azevedo valia naquele momento menos de R$ 7 milhões.
Mas com todas as grandes empreiteiras brasileiras impossibilitadas de concorrer em grandes obras por estarem envolvidas na Lava Jato, o advogado especializado em reestruturação viu uma oportunidade na empresa esquecida pelo mercado e que parecia fadada a uma recuperação judicial.
“O mercado de infraestrutura era uma oportunidade aberta para quem conseguisse explorar,” Gabriel disse ao Brazil Journal. “O Governo da época estava permitindo que o setor privado ganhasse relevância nesse mercado, criando as condições ideais para isso.”
A aprovação do Marco do Saneamento, da Lei do Gás e do Marco das Ferrovias estavam criando um círculo virtuoso para o setor, “mas percebi que quando a demanda começasse a aparecer íamos ter um gargalo grande de quem conseguiria executar as obras.”
Para Gabriel, a Azevedo era a empresa certa, no lugar certo e na hora certa. “Por conta de sua história centenária, a Azevedo tinha capacidade e acervo técnico para fazer qualquer obra, e era a única empresa do setor de capital aberto, o que me permitiria capitalizá-la facilmente,” disse o advogado, hoje chairman de companhia .
Quatro anos depois — e com muita volatilidade no meio do caminho — a aposta de Freire está começando a se pagar. A companhia fechou o ano passado com um faturamento de R$ 480 milhões, tem praticamente zero de dívida e já vale mais de R$ 300 milhões na Bolsa.
A Azevedo hoje tem um backlog de contratos de mais de R$ 1 bilhão para os próximos 18 meses. Metade disso vem do seu negócio tradicional de engenharia e construção; a outra metade vem da Heftos, que a Azevedo comprou da UTC Engenharia em 2021 e faz o retrofit de refinarias e poços de petróleo.
Com a casa arrumada, Freire está preparando o negócio para dar um salto de crescimento que, segundo ele, virá de três frentes.
A primeira aposta é o crescimento do negócio core da empresa, já que há um pipeline robusto de projetos de infraestrutura. Só nos próximos cinco anos, concessionários de diversos serviços públicos terão que investir mais de R$ 800 bilhões em rodovias, saneamento, portos e ferrovias — e a Azevedo quer capturar uma fatia disso.
A segunda frente é a Heftos, que na época da UTC detinha quase o monopólio da prestação de serviços de manutenção das plataformas offshore da Bacia de Campos e da Bacia de Vitória, com contratos longos e margens altas.
A Heftos também será a plataforma da Azevedo para entrar em outro nicho: o descomissionamento das plataformas offshore, cujos sistemas (altamente complexos e interligados) a Heftos conhece tecnicamente como poucas companhias.
Segundo dados da ANP, empresas como Prio, PetroRecôncavo e 3R terão que gastar em torno de R$ 50 bilhões nos próximos dez anos para desmontar as plataformas depois que os poços esgotarem sua vida útil, o que tipicamente ocorre depois de 40 a 50 anos.
No Brasil, há 122 plataformas offshore em operação, das quais 40 têm mais de 25 anos.
“Estamos fazendo parcerias comerciais com empresas internacionais especializadas nesse mercado para ter um dream team do descomissionamento,” disse ele. “Para desmontar os sistemas você precisa conhecer os sistemas, e a gente já tem essa vantagem. Com esses players internacionais junto, vamos ter uma oferta muito atraente.”
Mas, se o plano de Gabriel der certo, o grande salto da Azevedo nos próximos anos virá de outro segmento do setor de petróleo.
Em vez de apenas prestar serviços a clientes do setor, a Azevedo quer começar a operar poços de petróleo diretamente, por meio da compra de ativos onshore de micro e pequenos produtores. A ideia é fazer um retrofit destes poços maduros, multiplicando por diversas vezes a produção.
“Muitos poços foram perfurados na década de 90, com tecnologia de sonda bidimensional e uma bomba fraca,” disse o chairman. “Se compramos um poço deste tipo e fazemos o retrofit, podemos elevar a produção de 90 barris/dia para mais de 800.”
Há ainda um upside potencial, segundo o empresário. Como esses poços certificaram suas reservas numa época em que só existia a sondagem bidimensional, ao fazer a sondagem tridimensional existe a chance de a empresa descobrir que a profundidade do poço e suas reservas são maiores do que as certificadas e registradas na ANP.
A Azevedo vai se aproveitar de sinergias relevantes com a Heftos, já que ela é quem fará o retrofit dos poços comprados, reduzindo drasticamente o custo da operação.
Freire assumiu o controle da Azevedo por meio de uma doação de ações da família que controlava o negócio desde 1964. Hoje, o advogado tem 45% das ações ON e 25% do capital total; a família Mendes tem outros 6% e o restante está nas mãos de 16 mil pessoas físicas.
Fundada há 101 anos, a Azevedo & Travassos nasceu quando os engenheiros Francisco Azevedo e Francisco Travassos decidiram fazer ferrovias Brasil afora. (Fizeram muitas, incluindo a Sorocabana.)
A dupla controlou a empresa até 1964, quando vendeu o negócio para um subcontratado da Azevedo chamado Bernardino Mendes, um empreiteiro-raiz que foi presidente do Instituto de Engenharia duas vezes e, como a maioria dos empreiteiros, tinha muito trânsito no meio político.
Com Bernardino à frente, a Azevedo passou por seu momento de maior crescimento: fez obras icônicas, como a pavimentação da ponte Rio-Niterói, a ponte de serviços da usina hidrelétrica de Itaipu, a Avenida 23 de Maio e a Avenida Sumaré. Nos anos 80, fechou um contrato de risco com a Petrobras e achou petróleo na Bacia de Mossoró, no Rio Grande do Norte. O IPO veio para financiar tudo isso.
Em 2000, com a queda no preço do Brent, a Azevedo acabou vendendo sua operação de petróleo, que estava sangrando caixa.
Os problemas da companhia começaram em 2015, depois que a Lava Jato estourou, impedindo gigantes como a Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez de assumir novas obras.
A Azevedo decidiu ocupar esse vácuo de mercado e, no início, a aposta deu certo. A companhia assumiu inúmeras obras e multiplicou seu faturamento por quase 6x para perto de R$ 600 milhões.
A empresa, no entanto, errou a mão. Com a expectativa de que o mercado de infraestrutura continuasse aquecido, ela tomou dívidas, comprou maquinário e contratou mais gente, projetando que aquele cenário se perpetuaria no tempo.
Com o pavoroso Governo Dilma, que arrastou o PIB e o País, o cenário projetado pela Azevedo não se concretizou, e ela mergulhou numa espiral negativa. O faturamento definhou para R$ 240 milhões em 2016; R$ 80 milhões em 2017; R$ 60 milhões em 2018; e pífios R$ 1,7 milhão em 2019.
Assim que assumiu o controle, Freire fez um adiantamento para um futuro aumento de capital de R$ 10 milhões, permitindo à companhia recontratar o time de engenharia. Na sequência, focou na reestruturação do passivo.
De 2020 para cá, o advogado reduziu brutalmente a dívida tributária, renegociou a dívida trabalhista e converteu parte da dívida em equity.
Desde que assumiu a companhia, Gabriel já chamou três aumentos de capital, que injetaram R$ 300 milhões no caixa da Azevedo.
No início deste mês, a companhia anunciou que quer levantar mais R$ 200 milhões para começar a desenvolver a atividade de exploração e produção de petróleo. “Gostaríamos de fazer este aumento de capital com a ação mais alta, mas não podemos perder as oportunidades que já estão aparecendo.”
O aumento de capital será feito a R$ 2,90 por ação PN e a R$ 2,84 por ON, e o acionista que subscrever receberá um incentivo: um bônus de subscrição para cada seis ações integralizadas. Este bônus dará direito a subscrever três novas ações (duas ON e uma PN) num prazo de dois anos e no mesmo valor do aumento de capital de hoje.
O valor presente líquido desse bônus é de cerca de R$ 0,90. Em outras palavras: com o papel negociando a R$ 2 ou acima, o acionista tem um incentivo para exercer o direito de subscrição.
A ação PN fechou na sexta a R$ 1,91; a ON, a R$ 1,81.