A fusão entre as gigantes de alimentos Heinz e a Kraft, anunciada semana passada,  seguiu à risca a ‘fórmula 3G Capital de geração de valor’: compre uma marca à prova de idiotas, corte os custos como se fossem unhas (e como se cada ano fosse o primeiro) e, por fim, compre outras marcas anti-imbecis para diluir custos administrativos, de matérias-primas e logística.

Fácil falar, difícil fazer. Francisco Ivens Dias Branco 

No Brasil, o empresário que chegou mais perto de construir uma “Kraft Heinz brasileira” não foi um investidor financeiro, e sim um homem que passou a vida entre sacas de trigo: Francisco Ivens de Sá Dias Branco, o controlador da M Dias Branco.

A história da M Dias Branco começou em 1927 quando o pai de Ivens, Manuel Dias Branco, abriu uma padaria na cidade de Cedro, no interior do Ceará. O menino Ivens foi criado ali dentro — a história clássica do ‘filho do português da padaria’, com o diferencial que este se tornou a oitava maior fortuna do Brasil.

Hoje, a M Dias Branco é uma das maiores companhias de alimentos do Brasil, com um valor de mercado de 10 bilhões de reais na Bovespa. Em 2012, dados da consultoria Euromonitor já mostravam a M Dias Branco como a sexta maior empresa de massas do mundo e a sétima em biscoitos — neste segmento, ela já é tão grande quanto a Pepsico (veja a tabela abaixo).

Nos útimos 11 anos, com movimentos calculados e trabalhando sempre com pouca dívida, a M Dias Branco comprou 11 marcas regionais fortes e ganhou musculatura. Na opinião de investidores, se a companhia cometeu algum erro, foi não ter feito ainda mais aquisições.

O trabalho de criar escala começou no Nordeste, o principal mercado da M Dias Branco, com 70% de seu faturamento.

O ‘seu Ivens’ consolidou o Nordeste ao comprar seus principais concorrentes — as marcas Vitarella, Pilar e Estrela. Além de expandir seu portfólio, a empresa também passou a fabricar novos produtos, como misturas para bolo e refeições rápidas para preparo no microondas. (Este mês, ela vai lançar suas primeiras torradas.)

No Sul do país, a expansão foi bem mais tímida. Em 2003, a empresa comprou uma fabricante de massas e biscoitos paulista que era dona das marcas Adria, Isabela, Zabet e Basilar. Desde então, a M Dias Branco usa estas marcas para penetrar no Sudeste.

MDIAS-BRANDS Apesar desta incursão no mercado mais rico do País, a M Dias Branco nunca entrou no segundo Estado mais populoso do Brasil, Minas Gerais. Mas esta semana, a empresa anunciou que vai investir 300 milhões de reais em uma fábrica nova em Juiz de Fora, no sudeste do Estado. Em Minas, a M. Dias Branco vai bater de frente com a Santa Amália, marca que foi comprada pela peruana Alicorp há dois anos, e com a Vilma Alimentos, uma marca mineira ainda independente.

“A ideia da M Dias Branco foi tão simples quanto a da 3G: comprar marcas fortes nas quais você pode implementar sua gestão e ter sinergias em cortes de gastos,” diz um empresário do setor. “Uma empresa como a M Dias Branco compra trigo em termos muito mais favoráveis que um concorrente menor, e além disso você já tem o seu canal de logística, a sua estrutura administrativa, a sua cobrança.. as sinergias são enormes e pagam a conta no final.”

Não foram só as marcas que fizeram diferença para a Dias Branco.  A empresa se beneficiou muito de incentivos fiscais e, com sua escala crescente, conseguiu criar uma logística (capilar mas barata) que é invejada pelas multinacionais do setor.  “Eles têm uma frota que vai de mercearia a mercearia,” diz um investidor que já teve ações da empresa. “Eles sempre evitaram os grandes supermercados, onde o poder de barganha deles seria menor, e focaram no pequeno varejo.”

O mercado paga bem por uma estória de sucesso no setor de alimentos porque os investidores gostam do valor de marcas estabelecidas e da geração de caixa estável , já que comida é algo que se compra todo dia. Os vendedores têm recebido entre 13 e 17 vezes a geração de caixa (EBITDA) da empresa quando negociam a venda para um investidor estratégico, isto é, alguém do ramo. Se o comprador for um fundo de private equity, o preço tem sido mais perto de 10-11 vezes EBITDA.

É possível que o próximo passo da M Dias Branco seja diversificar seu negócio para categorias além de massas e biscoitos, como molho de tomate, chocolates e produtos saudáveis. “Antes, isso era um assunto proibido dentro da empresa, mas hoje eles já se permitem pensar no assunto,” diz uma fonte que conhece bem a empresa.

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É evidente que as diferenças entre a M Dias Branco e a Kraft Heinz talvez sejam até maiores do que suas semelhanças.

Para começar, a 3G fez a aquisição da Heinz tomando um nível de dívida inimaginável para o ‘seu Ivens’.

Segundo, a M Dias Branco jamais faria os cortes de custo radicais que a 3G faz ao assumir uma empresa.  “Não é que eles sejam ruins no lado do custo, é que a 3G é outra estória,” diz um ex-acionista.

Terceiro, enquanto a M Dias Branco chegou até aqui fazendo aquisições apenas dentro de seu círculo de competência — comprando categorias onde já operava e em mercados que já conhecia — a 3G entrou em negócios onde seus executivos eram neófitos.

As diferenças de cultura e trajetória mostram que há mais de um caminho para se construir uma grande empresa.

AMDIASBRANCO