O quarto trimestre do Bradesco mostra que o banco enfrenta problemas bem maiores que os relacionados à Americanas.
O banco continua sofrendo na concessão de crédito, que tem elevado a inadimplência e comido as margens – e o guidance para 2023 indica mais um ano dificílimo.
“A capacidade de gerar lucro se deteriorou bastante. Uma recuperação provavelmente vai levar tempo”, disseram os analistas do BTG depois de ver os números.
O ADR do banco mergulha 9% no pre-market em Nova York, antes da teleconferência agendada para as 9 horas.
O banco da Cidade de Deus lucrou R$ 20,7 bilhões no ano passado, 21% menos que em 2021, e o ROE ficou em 13,1% (frente aos 18,1% do ano anterior).
O lucro do quarto tri desabou 76% para R$ 1,6 bilhão, com o ROE de 3,9% chocando o mercado. No mesmo período do ano anterior, o retorno sobre o patrimônio do banco estava em 17,5%.
Excluindo a provisão feita para Americanas – o banco provisionou 100% da exposição de R$ 4,9 bilhões, gerando um impacto de R$ 2,7 bilhões nos resultados – o lucro teria sido de R$ 4,3 bilhões, em linha com o consenso da Refinitiv.
Excluindo Americanas, o ROE seria de cerca de 13%.
“Foi um dos piores, se não o pior, trimestre da história do Bradesco”, proclamou o time do JP Morgan.
O CEO Octavio de Lazari disse que o banco trabalha “intensamente” para voltar a um retorno recorrente “de pelo menos 18%”.
Mais preocupante ainda, segundo o JP, foi o guidance para o resto do ano.
A média do guidance indica um lucro de cerca de R$ 20 bilhões este ano, 20% abaixo do consenso captado pela Refinitiv. O ROE ficaria em 12,5%. São números piores que os de 2022, que já foram ruins.
Para o BTG, o lucro antes de impostos (EBT) de 2023 deve ficar 40% abaixo do nível de 2021 – “um ano mais normal” – e cerca de 50% abaixo dos principais concorrentes (lê-se Itaú).
As despesas com provisões, que aumentaram 89% em 2022, para R$ 34,3 bilhões, devem ficar entre R$ 36,5 bilhões e R$ 39,5 bilhões neste ano.
Dentre os múltiplos desafios do Bradesco daqui pra frente, o principal será continuar expandindo o crédito nos segmentos em que é forte, como PMEs e pessoas físicas de baixa renda, mas reduzindo a inadimplência – complicado, ainda mais no atual cenário macro.
“O banco está fazendo ajustes, está sendo mais seletivo no crédito, mas leva um tempo para isso aparecer”, disse Renan Manda, analista-chefe do setor financeiro na XP. “O primeiro semestre de 2023 ainda vai ser pesado.”
Lazari reconheceu que o resultado deste ano ainda será impactado por grandes provisões. No segmento que o banco chama de “massificado” – que inclui PMEs e pessoas físicas – “o crescimento de provisões acompanhará a expansão da carteira, e, no atacado, teremos provisões normalizadas.”
Carlos Macedo, da Ohm Research, lembra que a inadimplência no atacado, assim como acontece no Itaú, também está bastante baixa no Bradesco (0,1%), e que isso tende a mudar ao longo do ano.
O que pode ajudar a melhorar a rentabilidade é a margem com o mercado, que continuou negativa, em R$ 803 milhões no quarto tri, mas melhorou em relação ao trimestre anterior (R$ -1,2 bi).
A seguradora – parte relevante do resultado do banco – brilhou neste cenário de céu escuro. No quarto tri, o lucro foi de R$ 1,9 bilhão, 25% maior que o do mesmo período do ano anterior.
No ano fechado, a Bradesco Seguros lucrou R$ 6,8 bilhões, uma alta de 27% – com o ROE expandindo de 15,6% para 18,9% ano contra ano.
BTG e JP Morgan esperam revisões para baixo nas estimativas de lucro do banco para o ano – o que deve fazer a ação, que cai 25% em seis meses, sofrer ainda mais.
O Bradesco agora negocia próximo do book value na Bolsa. Historicamente, esse foi um bom patamar para comprar a ação – mas dessa vez é diferente, diz o BTG.
“A ação pode negociar abaixo do book value por um tempo.”