Um fundo de infraestrutura da XP ganhou na quinta-feira o leilão dos aeroportos Campo de Marte e Jacarepaguá com um ágio de míseros 0,1% — o menor da história das concessões aeroportuárias brasileiras.
Num setor onde os leilões normalmente são muito competitivos (e terminam com ágios gordos), os dois ativos não seduziram muito o mercado.
O XP Infra IV foi o único a bidar, pagando R$ 141,4 milhões, apenas R$ 12 mil a mais que o mínimo exigido.
A falta de interesse pelos dois aeroportos deixou muita gente com a pulga atrás da orelha: o que a XP viu que ninguém mais enxergou?
O pai da criança, Túlio Machado – o head de infraestrutura da XP – disse que a transação foi “oportunística” e que a tese tem um componente importante de real estate porque boa parte da receita dos dois aeroportos vem do aluguel de ativos imobiliários.
“Os operadores [de aeroportos] olharam pra eles e viram um business de aeroporto muito pequeno,” Túlio disse ao Brazil Journal. “Já os players de real estate ficaram com medo por ter que operar a parte do aeroporto, que é um bicho diferente e com vários componentes regulatórios.”
Jacarepaguá fez uma receita de R$ 63 milhões em 2020 (o último dado público), sendo que 70% veio de receitas não-tarifárias — o aluguel dos imóveis.
O aeroporto fica próximo à Barra da Tijuca, e tem uma área logo na entrada, na Avenida Ayrton Senna, com diversos imóveis alugados — de uma loja Petz a uma churrascaria, de uma universidade a três postos de gasolina, além de uma escola de tênis e um hospital da Rede D’Or.
No Campo de Marte, a fotografia é parecida. O aeroporto — na zona norte de São Paulo — fez R$ 19 milhões de receita em 2020, com R$ 15 milhões vindo das receitas imobiliárias, principalmente de um shopping na Avenida Brás Leme.
Mas nesse caso há ainda uma opcionalidade importante: a frente da Avenida Olavo Fontoura hoje é ocupada pelos hangares de aviação executiva, que a XP pretende tirar de lá e colocar mais perto da pista de pouso.
No lugar desses hangares, a XP pretende construir galpões logísticos com foco no last mile. “É uma área muito grande, mais de 100 mil metros quadrados e próxima à Marginal, o que cria uma vocação natural para esse tipo de ativo,” disse Túlio.
Segundo ele, a ideia é construir galpões em contratos ‘built to suit’ — num projeto que deve levar uns três anos para ser desenvolvido.
A XP também vê potencial para aumentar as receitas tarifárias dos aeroportos, que hoje operam num patamar subótimo.
Nos dois aeroportos, parte do aumento da receita deve vir da própria retomada da economia, já que o número de voos despencou na última década.
Em 2012, o Campo de Marte fez 150 mil decolagens e o de Jacarepaguá, 130 mil. Oito anos depois, esses números caíram para 79 mil e 84 mil, respectivamente.
Há ainda questões específicas de cada um dos ativos. O Campo de Marte deve se beneficiar de uma migração da aviação executiva do Aeroporto de Congonhas. A tese é que o novo operador que ganhou a concessão de Congonhas vai querer expandir a aviação comercial (que é mais rentável), e para isso precisará tirar alguns hangares de aviação executiva de lá.
“Parte dessa aviação executiva vai para Guarulhos, para o Catarina e para o Aeroporto de Jundiaí. Mas achamos que uma parte também deve ir para o Campo de Marte,” disse o gestor.
Segundo ele, a ideia é melhorar a infraestrutura do aeroporto para torná-lo mais seguro, e contratar um diretor comercial para conversar ativamente com as empresas de hangaragem e captar novos clientes.
Em Jacarepaguá, a atividade de voos está muito ligada à exploração de petróleo, já que o aeroporto é usado majoritariamente por grandes helicópteros que transportam equipes para plataformas de petróleo offshore.
A expectativa da XP é que a demanda para esse tipo de serviço também cresça conforme novas plataformas entrem em operação.
Outro ponto central da tese é a redução de custos. A concessão dos aeroportos inclui um plano de demissão voluntária (PDV) nos dois aeroportos que vai custar cerca de R$ 120 milhões em rescisões.
Esse enxugamento da estrutura, no entanto, deve reduzir em cerca de 40% os custos da operação, adicionando R$ 20 milhões ao bottom line.
Hoje, o Campo de Marte opera com custos na ordem de R$ 25 milhões, enquanto Jacarepaguá custa R$ 30 milhões/ano. Com o PDV, a XP espera que os dois juntos tenham um custo de R$ 33 milhões/ano.
Os aeroportos são o primeiro investimento do XP Infra IV, que acaba de levantar R$ 305 milhões para investir apenas em ativos de energia, telecom, transportes e saneamento.
Diferente da maioria dos FIP-IEs listados em Bolsa, que têm um perfil de renda semelhante ao dos fundos imobiliários, o XP Infra IV tem um perfil de private equity, buscando ganho de capital. O fundo tem prazo de oito anos, com três para investir e quatro para desinvestir.
Como o perfil dos dois ativos (que mesclam aeroporto com renda imobiliária) não atraiu muita gente para o leilão, a grande dúvida é se na hora da saída a XP não vai enfrentar o mesmo problema.
Túlio admite que esse é um “ponto de atenção.”
“Mas a venda pode ser feita para um consórcio, por exemplo, juntando um operador de aviação com um player de real estate,” disse. “Além disso, com a operação otimizada e todos os nossos projetos implementados, a rentabilidade deles vai ser muito interessante.”