“Olha a mensagem do cliente: venceu a LCI que ele tinha, de R$ 2 milhões, e ele não encontra produto para renovar. Vai trazer para cá. Isso vai acontecer cada vez mais. Vamos raspar as contas dos bancos.”
A mensagem foi enviada por um investidor a um AAI há algumas semanas, e lembra a época de euforia desse mercado – que ficou para trás junto com a Selic de 2%. Nos últimos dois anos, foi mais comum ver investidores raspando as contas nas corretoras para comprar títulos isentos de imposto e fundos de renda fixa, muitas vezes nos grandes bancos.
Agora, a ressaca começa a ficar para trás.
Com a queda dos juros e o endurecimento das regras para a emissão de LCIs, LCAs e outros produtos isentos, uma discreta onda de otimismo vai se formando nas assessorias e plataformas de investimento.
Mas o próximo ciclo de mercado vai ser diferente do anterior, uma prova de que o darwinismo se aplica também ao mercado de AAIs.
“Para se manterem vivas num período difícil, as empresas tiveram de se organizar melhor. Aquele assessor free style perdeu espaço”, diz Juliano Custódio, o CEO da EQI, um AAI que se tornou corretora e opera como plataforma de investimento atualmente.
Vendo a receita cair junto com a Bolsa, os escritórios aprenderam que precisam ter uma oferta diversificada de produtos e serviços para sobreviver aos ciclos: além de investimentos, passaram a trabalhar com seguros, produtos para empresas, câmbio, planejamento tributário e sucessório. Alguns também originam e distribuem títulos de renda fixa.
“O mercado se adaptou,” diz Pier Mattei, cofundador e CEO da Monte Bravo, que se tornou corretora recentemente. Hoje, de 25% a 30% das receitas da Monte Bravo vêm de produtos “não investimento”.
“Essa é a nova fase do setor: a oferta de uma assessoria mais completa,” diz Pier.
A mesma onda de diversificação está acontecendo na XP. Em 2023, a receita de cartões, seguros, previdência, crédito, câmbio, conta digital e investimento global aumentou 40%. A XP chama isso de “oferta complementar à pessoa física”.
Uma nova regulamentação da CVM em 2023 facilitou essa tendência permitindo que os escritórios trabalhem com outros produtos além de investimentos. Antes, era preciso ter CNPJs diferentes para cada atividade.
As novas regras também mudaram a cabeça dos AAIs em relação ao futuro dos seus negócios, ao permitir a entrada de sócios capitalistas nos escritórios. Com isso, assessorias que pretendiam se tornar corretoras para receber aportes desistiram do processo, que implica maior regulação e custo tributário.
Quem continua com o plano de se tornar corretora diz que o movimento faz sentido porque permite a distribuição de investimentos que não estão nos bancos e plataformas. É o caso da Nomos.
“Alguns produtos que podem não fazer sentido para as grandes plataformas funcionam para os nossos clientes, como papéis de empresas de médio porte,” diz o CEO Rodrigo Imperatriz. “Além disso, temos uma receita relevante em mini-contratos.”
Mas o investidor será melhor atendido com essas mudanças? O conflito de interesses é o maior problema deste mercado, e isso ficou evidente nos anos de vacas magras.
Foi comum receber ligações insistentes de assessores — desesperados por receita — tentando empurrar produtos que pagam comissões mais gordas.
O Itaú chegou a explorar este conflito de interesses em propagandas e comunicações aos clientes. “O mercado ainda é dominado pelo modelo das corretoras americanas dos anos 80, em que o assessor precisa girar a carteira para ganhar dinheiro,” diz Carlos Constantini, diretor de wealth management no Itaú.
“É preciso evoluir para prestar um serviço de assessoria financeira de fato, em que o mais importante é o desempenho, e não o giro da carteira.”
No banco, a remuneração do assessor (que é CLT) depende de quanto ele capta, da avaliação dos seus clientes e da performance das carteiras de acordo com o perfil de risco de cada cliente e um benchmark.
“A agenda de transparência é fundamental, mas é bom lembrar que o conflito de interesses pode acontecer em diferentes dimensões. Uma instituição pode estimular seus assessores a vender mais produtos próprios, que geram mais receita para ela, por exemplo,” diz Bruno Ballista, o sócio da XP responsável pelo relacionamento com assessorias e clientes.
Um produto próprio pode ter bom desempenho, mas será a melhor opção para o investidor considerando as demais alternativas do mercado? Se não for, será recomendado mesmo assim? São questões em aberto.
De toda forma, AAIs, bancos e plataformas perceberam que teriam de caminhar na direção da transparência.
No último ano, muitos escritórios passaram a trabalhar com dois tipos de remuneração, e o cliente escolhe qual prefere. O mais comum no Brasil é o transacional, em que o assessor recebe rebates de gestoras e outras comissões pela distribuição de produtos. Ou seja, o investidor não paga diretamente o AAI – mas tem custos indiretos, muitas vezes substanciais.
O outro modelo, mais comum nos EUA e que começa a ser oferecido por aqui, é o da taxa fixa, em que o investidor paga um percentual do patrimônio ao assessor, que promete repassar os rebates recebidos ao investidor. É mais transparente, mas o cliente tem que ficar atento se o assessor está mesmo alinhado.
“Já recebi várias carteiras de clientes migradas de AAIs e essas carteiras – apesar da taxa fixa – estavam cheias de produtos que geravam outros tipos de remuneração para os assessores,” disse Patricia Vianna, sócia da Setta Gestão e Governança Patrimonial, um wealth management independente no Rio.
“Nos títulos de renda fixa, tinha negociações com compra e venda fora de mercado e spreads exagerados. Nos produtos estruturados, como os COEs, o custo alto nunca aparece com transparência para o comprador, e pode haver ainda o incentivo errado de motivar os clientes a transacionar mais do que o necessário, ganhando mais na corretagem.”
Essa taxa fixa pode chegar a 1% do patrimônio – e não inclui custos de corretagem.
Para Vianna, o conceito de fee fixo pressupõe “a gestão ativa e qualitativa dos portfólios, mas o mercado ainda está muito focado na originação e distribuição, em vez de focar na estruturação das carteiras dos clientes.”
Na visão de Samy Botsman, chairman da Fami Capital, escritório criado com a fusão entre Messem e Faros, “não existe modelo melhor ou pior, mas o que atende o investidor. Por exemplo, quem tem uma carteira de longo prazo em títulos públicos vai pagar um fee fixo por quê?”
Na EQI, uma iniciativa para tentar reduzir os conflitos de interesse no modelo transacional é dar ao AAI uma remuneração extra pela aderência à carteira recomendada pelos estrategistas do escritório – sistema que a Nomos também pretende adotar.
Se o mercado deslanchar este ano, a demanda por assessores também vai, e o desafio será o de sempre: achar gente boa e treinar quem precisa.
A XP tem cerca de 14 mil dos 25 mil AAIs do mercado e pretende contratar mais. “O Brasil tem 40 milhões de investidores, 2,5 milhões de professores, 2 milhões de médicos, 25 mil assessores e uma carência por educação financeira. É claro que precisa de mais profissionais,” diz Ballista.
Para o BTG, o problema é outro. “Ficou claro que, nesse mercado, não é quanto mais melhor. Quantidade não significa nada. Precisamos de qualidade,” diz Marcelo Flora, diretor do BTG responsável por canais digitais. “Crescemos muito tendo 4 mil assessores. Vale a regra de Pareto: poucos e bons profissionais fazem boa parte das receitas.”
O banco captou R$ 205 bilhões em net new money em 2023, enquanto a XP captou R$ 104 bi.
Além da concorrência entre as plataformas, a competição com os bancos deve ser mais intensa. Os bancões passaram os últimos anos aprimorando a oferta de investimentos e serviços financeiros – com corretoras internacionais e fundos de diferentes gestores, por exemplo – e contratando assessores.
“Estamos nos preparando para o modo risk-on há algum tempo,” diz Constantini. O Itaú tem 2 mil especialistas de investimento, pretende contratar e usar tecnologia e até os gerentes das agências para fazer parte do atendimento. Sim, garante o banco, o gerente também mudou.