Depois do boom dos SPACs em 2021, esses veículos que fornecem um ‘cheque em branco’ para a compra de empresas estão sofrendo de obsolescência, com cerca de 30% dos SPACs listados nos Estados Unidos encerrando as atividades no último ano.
Na América Latina, a nova realidade também já bateu.
Nos últimos meses, pelo menos três SPACs encerraram as atividades na região e devolveram o capital aos investidores.
“O SPAC é um produto de ‘bolha’, que só funciona quando o custo de capital é próximo de zero, e os valuations estão no high. Como a bolha estourou, o SPAC murchou,” disse um banqueiro que trabalhou em alguns deals.
Em janeiro, o SPAC do Sotfbank, o SVF Investment Corp., se delistou da Nasdaq depois de não conseguir encontrar uma empresa para se fundir no prazo de dois anos.
Em fevereiro, o Itiquira — que levantou US$ 200 milhões em fevereiro de 2021 para buscar uma empresa de ‘growth’ no Brasil — também devolveu o capital aos investidores e liquidou a operação.
Agora em maio, foi a vez do SPAC da Valor Capital, o Valor Latitude, seguir o mesmo caminho, encerrando sua listagem na Nasdaq e devolvendo o capital aos investidores.
O SPAC havia levantado US$ 230 milhões em maio de 2021 numa oferta ancorada pelo Softbank. O objetivo era buscar uma empresa de tecnologia na América Latina, com foco no Brasil.
As devoluções estão acontecendo agora porque tipicamente um SPAC tem dois anos para investir o capital, podendo pedir uma extensão de alguns meses.
Outros SPACs estão com o prazo próximo de encerrar — e podem acabar indo pelo mesmo caminho. O SPAC patrocinado conjuntamente pelo Mercado Livre e pela Kaszek, o MEKA, precisa encontrar uma companhia para se fundir até outubro. Já o SPAC da Crescera tem até novembro para encontrar um alvo, o chamado ‘deSPACing’.
Outro SPAC da região que precisa achar uma empresa para se fundir é o do Pátria, mas o prazo é um pouco mais confortável: março do ano que vem.
Em tese, este deveria ser o momento perfeito para os SPACs que levantaram dinheiro lá atrás conseguirem alocar seu capital, comprando empresas a valuations descontados. Mas na prática, a realidade é outra.
“Agora que o custo de capital aumentou e os valuations caíram, a chance do empresário querer vender sua empresa é muito menor. Está bem difícil fechar algum deal,” disse um banqueiro de investimentos.
“Quando o mercado está muito bom, o SPAC concorre com o IPO, como uma forma de dar saída ao empresário ou de capitalizar sua empresa. E quando o mercado vai mal, como agora, o SPAC concorre com — e perde para — os fundos de private equity, que podem fechar uma transação muito mais rápido, enquanto o processo de aprovação pelos acionistas de um SPAC pode durar meses.”
Para esse banqueiro, o produto SPAC não deve desaparecer, “mas ele vai ser muito mais cirúrgico do que se acreditava que ele seria.”
Um investidor de tecnologia nota que o SPAC é um veículo que só faz sentido para empresas muito específicas.
“O grande lance do SPAC é que quando você divulga o ‘de-SPAC’ você pode dar projeções futuras da empresa, o que é proibido num IPO. Então ele é interessante para companhias como a Eve, da Embraer, que vai demorar muitos anos para dar receita e consegue mostrar uma projeção longa. É um veículo mais para esses casos do que para substituir um IPO,” disse ele.
Os SPACs que conseguiram comprar empresas têm tido uma performance longe de estelar.
Nos EUA, menos de 10% das empresas que se fundiram com SPACs nos últimos anos estão performando melhor que o S&P 500.
Para os sponsors, devolver o capital custa caro duas vezes. Além de não receberem nada pelo trabalho de montar o SPAC e negociar inúmeros deals — já que a remuneração dos sponsors só vem na forma de equity na empresa adquirida — eles têm que arcar com todos os custos do processo. Os fees de advogados e bancos de investimento giram em torno de US$ 7 milhões num SPAC de US$ 200 milhões.
Apesar dos fechamentos de SPACs na América Latina, alguns deles conseguiram fazer fusões bem sucedidas. O SPAC da Dynamo, o Waldencast, se fundiu com duas empresas de cosméticos americanas em novembro de 2021. Há alguns meses, o HPX se fundiu com a Response, a unidade de respostas a emergências da Ambipar, enquanto o SPAC da XP, o XPAC, se fundiu com a empresa de tecnologia SuperBac.
O Alpha Capital, que tinha os argentinos Alec Oxenford e Rafael Steinhauser como sponsors, também fez uma fusão com a Semantix.
Mas mais do que encontrar um bom target, o grande problema dos SPACs é o grande nível de resgates, que hoje estão acima de 90%. O da HPX por exemplo, teve 96,6% de resgate, e só foi salvo porque os sponsors encontraram outros investidores. (O downside deste cenário: ao trazer alguns poucos grandes investidores para suprir o capital perdido, o SPAC acaba ficando com liquidez reduzida na Bolsa, e pode acabar não atingindo seu valuation justo.)
Os regates estão altos por um motivo simples. Como os recursos investidos num SPAC ficam aplicados num investimento conservador — tipicamente um money market fund — este foi um dos raros investimentos que não perdeu dinheiro nos últimos dois anos. Assim, os investidores preferem sacar para compensar perdas do portfólio ou por ter encontrado outras oportunidades.
Na prática, o investidor não tem nada a perder ao sacar.
Por uma excentricidade do processo de SPACs, o investidor pode aprovar a transação (quando o SPAC encontra um alvo) e ainda assim pedir seu dinheiro de volta.
Como o investidor recebeu warrants como parte do investimento original, apesar de resgatar o principal, ele ainda mantém um pé no investimento por meio desses warrants.