Quando assumiu a Totvs em 2018, Dennis Herszkowicz tinha o desafio de injetar dinamismo no negócio core da empresa: a assinatura de softwares de gestão, que vinha crescendo pouco nos anos anteriores.
De lá para cá, o negócio — que responde por 85% da receita da companhia e onde ela tem um share estimado em mais de 50% — voltou a crescer acima de dois dígitos, e cresceu impressionantes 27% no ano passado.
Para Dennis, no entanto, o jogo ainda está só no primeiro minuto do segundo tempo.
“As empresas brasileiras gastam um terço do que as americanas gastam com softwares de gestão,” o CEO disse ao Brazil Journal. “Ainda tem muito espaço para crescer de maneira saudável nesse mercado.”
Ao mesmo tempo, a Totvs tem expandindo em outras duas verticais: a que ela chama de techfin, que basicamente é a concessão de crédito para empresas numa JV com o Itaú; e a business performance, cujo principal negócio é a RD Station e que reúne soluções para ajudar as empresas nas vendas digitais.
Segundo Dennis, essas duas verticais podem ser “potencialmente transformacionais para a Totvs.”
“O mercado de business performance é brutalmente maior que o de software de gestão, e ele está só no começo. O de serviços financeiros, a mesma coisa. E a gente tem um share muito pequeno ainda.”
Parte desse crescimento está vindo de M&As. A companhia fez cinco aquisições no último ano, além de ter fechado outras cinco parcerias estratégicas — incluindo uma com a Shopify.
Os M&As, no entanto, vão continuar centrais na estratégia, e a Totvs tem inúmeras negociações em andamento. “A gente tem balanço para fazer, e a gente tem experiência para fazer,” disse o CEO.
Nesta conversa com o Brazil Journal, Dennis detalha a estratégia da Totvs para suas três verticais.
O negócio de ERP de vocês já é um negócio mais maduro e que quando você entrou na TOTVS estava crescendo muito pouco, e agora voltou a crescer acima de dois dígitos. Qual o teto que você vê para o crescimento desse negócio? Você ainda vê bastante oportunidade ou a tendência é que o crescimento comece a desacelerar?
Você usou o termo ‘maduro’. E vou começar dizendo que discordo desse termo. Entendemos há muitos anos que o mercado de software de gestão no Brasil é um mercado com um grau de penetração ainda baixo. E por que isso? Existem duas formas de medir a penetração de um mercado.
Uma é olharmos a quantidade de empresas que usam o sistema de gestão. Nessa métrica, sim, você tem um grau de penetração um pouco mais alto. Você mesmo pode olhar, visitando as empresas, e vai ver que a grande maioria vai ter um sistema de gestão implantado.
Agora, o outro método de você avaliar penetração é o equivalente, digamos, de um consumo per capita. E no caso do software de gestão a gente faz como sendo o percentual da receita das empresas que é gasto com software de gestão.
E nessa métrica, quando comparamos empresas brasileiras de porte similar com empresas americanas ou de outros países desenvolvidos, as empresas brasileiras gastam um terço do que gastam as empresas desses países desenvolvidos.
E essa, na nossa visão, é a explicação do por que uma empresa com o market share que a Totvs tem consegue crescer dois dígitos alto por tanto tempo. Exatamente porque o mercado não é maduro.
A comparação que eu faço, meio jocosa, é com o mercado de queijo. É de se imaginar que boa parte da população brasileira coloque um pedaço de queijo na boca por ano. Ou seja, a penetração de consumo de queijo no Brasil é alta. Agora, se você comparar o consumo per capita de queijo brasileiro com o consumo per capita francês você vai ver que tem um espaço infinito de crescimento. Ainda tem muito espaço para crescer de maneira saudável nesse mercado.
Esse crescimento então vai vir mais do ‘cross sell’ e ‘upsell’ e do repasse de inflação, e não tanto de crescer a sua base. É isso?
Esse é um elemento bem importante e possivelmente vai continuar sendo o maior elemento. A gente diz isso já há muito tempo que sim, o ‘cross sell’ e o ‘upsell’ são os principais elementos de crescimento.
Mas o elemento ‘novos clientes’ ainda é um elemento muito importante, muito importante mesmo. Existem dois fatores aqui muito relevantes. O primeiro deles é que a Totvs vem há muitos anos num processo de redução do que chamamos de TCO, que é o Total Cost of Ownership das nossas soluções.
O que significa isso? A gente tem — através de nuvem, de SaaS, de padronização de produto, de tudo mais — conseguido baratear o custo de implantação e de sustentação do nosso software.
Quando fazemos isso, abrimos novos mercados que antes não conseguíamos atingir. Então, mesmo que o mercado como um todo não cresça, eu estou abrindo mais mercado endereçável para mim. Esse é um primeiro elemento.
Tem um segundo elemento que faz com que novas contas sigam sendo muito importantes que é o seguinte: na maioria das vezes quando se pensa em crescimento de mercado, novas contas, a gente pensa no PIB. Ah, o PIB vai crescer 2%, 3%. Sim, ele vai crescer 2%, 3%. Mas isso é o resultado líquido.
O que eu quero dizer com isso: imagina que a Totvs começa o ano com 10.000 colaboradores e termina o ano com 10.200. Cresceu 2% o número de colaboradores. Só que o meu turnover para chegar em 2%, talvez tenha sido de 20%. Ou seja, saíram 2.000 pessoas no ano e entraram 2.200 pessoas.
O que acontece no PIB e com empresas da economia? O saldo líquido é 2%, mas você tem um turnover de empresas entrando e saindo muito maior do que esses 2%. E a gente tem conseguido um sucesso grande na conquista de novos entrantes do mercado muito maior do que outras empresas e muito maior do que a perda de clientes que a gente tem, o que resulta numa relevância de novas contas ainda grande.
Como tem evoluído a JV de vocês com o Itaú? A aprovação do Banco Central saiu sexta, mas nos últimos meses vocês já conseguiram trabalhar em novos produtos, mapear sinergias na parte de funding?
Já deu para fazer muita coisa. Esse é um detalhe super importante. Como o CADE aprovou sem ressalvas, já tem um time que saiu do Itaú e veio para a Totvs num primeiro momento, e agora que ela foi formalizada, vai ser parte da JV. Pessoas super experientes.
A gente já tem também um trabalho super forte de construção de um portfólio novo de soluções. Já existe esse trabalho de ganho de sinergia e melhoria do funding, tanto em termos de custo quanto de eficiência. Basta você ver que a Supplier, mesmo nesse momento muito mais nervoso de mercado, está com um custo de funding no FIDC dela menor do que tinha antes da JV. Isso obviamente é reflexo direto do fato de que a JV vai começar muito em breve.
A gente já teve o lançamento também de um produto novo que é o capital de giro. Fizemos isso no finalzinho do primeiro tri. Então está tudo caminhando muito bem. Já estamos preparados para começar a ter as vantagens de custo no funding, de sinergias entre a Techfin e a Supplier, e de construção desse portfólio de novas soluções muito mais amplo e profundo do que temos hoje.
Você pode detalhar um pouco mais as sinergias?
As sinergias de custo giram principalmente em cima de funding. Porque o foco da JV não é sinergia de custo com exceção de funding. E a sinergia de funding não está relacionada só a uma taxa menor. Está relacionado a uma eficiência de funding melhor.
O modelo de FIDC é muito legal e muito bom, mas quando você está crescendo rápido a sua produção de crédito, você acaba tendo uma ineficiência nata, que é a ineficiência de você precisar captar os recursos antes e levar um tempo razoável para transformar esse funding em carteira. Esse descasamento faz com que você perca um valor relevante, porque você está remunerando esse funding sem que ele esteja gerando receita para você.
Com o Itaú, com a JV, vamos passar a ter uma frequência de levantamento de funding muito maior, o que vai fazer com que esse descasamento se aproxime de zero.
Qual é o custo desse descasamento hoje?
Teve trimestre que chegou a bater coisa de R$ 6 milhões.
Isso acontece porque o FIDC precisa ter os recursos para emprestar. Imagina que no final deste mês eu olho quanto acho que vai ser minha produção de crédito do segundo trimestre e estimo que vai ser uma produção de R$ 1,5 bilhão e eu tenho hoje no meu FIDC R$ 1 bilhão. Ou seja, eu preciso levantar mais R$ 500 milhões. O que vai acontecer?
Eu vou bater no mercado e levantar os R$ 500 milhões agora. Assim que o dinheiro cair na conta do FIDC eu vou ter que começar a pagar por esse dinheiro. Só que eu vou levar um tempo para transformar isso em carteira, e vou ter que ficar pagando o funding que está parado comigo.
Na hora que eu consigo com a JV não precisar levantar os R$ 500 milhões de uma vez, que consigo ter janelas mais curtas de tempo, esse descasamento reduz.
Todo o funding virá direto do balanço do Itaú, vocês não vão operar mais com a estrutura de FIDC?
A gente vai continuar tendo outras fontes de funding. O próprio FIDC que existe hoje na Supplier vai continuar. O que existe hoje na JV é uma obrigação do Itaú de prover um percentual mínimo, bastante relevante, do funding total da JV.
Se ele não fizer isso ele não estará cumprindo uma das obrigações importantes dele com a JV. Mas a JV vai continuar acessando o mercado o tempo todo. Pode ser que ela acesse o mercado e chegue à conclusão de que o funding do Itaú está melhor e que 100% do funding em algum momento seja do Itaú. Mas isso não é uma obrigação.
E qual o apetite de vocês para esse negócio de crédito? Vocês pretendem ampliar muito os produtos, entrar com força, ou a ideia é ter uma abordagem mais conservadora no início?
Temos bastante apetite. Já estamos há quatro anos nesse mundo de crédito em função da aquisição da própria Supplier. Acho que já ganhamos conhecimento e estômago que certamente a companhia não tinha antes. Estamos com o Itaú como sócio, que é quem mais entende do tema na América Latina.
Então eu diria que o apetite é grande. Mas entre apetite e você ser afobado tem uma distância muito grande. A gente também aprendeu que crédito é uma coisa que você cresce com calma, porque o lado fácil é você emprestar, o difícil é você receber de volta.
A Supplier hoje tem um risco muito baixo de inadimplência porque você opera no supply chain finance, onde se o cara não paga ele não consegue mais comprar o produto core dele. Como vocês pretendem crescer em outros produtos mantendo o risco controlado?
Existem evoluções dentro dessa cadeia de supply chain finance que podemos fazer, e existem outros formatos dentro de supply chain finance que podem ser trabalhados, assim como também há prazos diferentes a serem trabalhados. Esse vai ser o foco principal nos novos produtos.
Qual a sua visão sobre o ciclo de inadimplência? Você acha que está melhorando na ponta? Ou o cenário ainda está desafiador?
Acho que estamos num cenário mais complexo. Óbvio que já existem alguns sinais em alguns mercados de algum nível de melhora. Mas é cedo para dizer que o pior ficou para trás. Ainda vai levar algum tempo, o juros vai ter que começar a baixar, para dar um alívio maior para as empresas antes de podermos dizer que o pior já ficou para trás.
Na RD Station vocês fizeram uma mudança recente, com o Eric Santos, um dos fundadores, indo para o conselho e um executivo da Totvs assumindo o comando. O que isso muda em relação à estratégia, ou não muda nada?
Ela é uma mudança muito relevante, mas ela não é uma mudança em relação ao que já era planejado. A RD tem um período de earnout que vai até o final deste ano, então já existia desde o início uma programação normal de fazer a sucessão do Eric Santos, que é o fundador principal da RD.
O que fizemos foi antecipar um pouco o que já estava planejado. Pura e simplesmente porque tanto nós quanto o Eric entendemos que o cenário estava positivo o suficiente para fazer isso de forma antecipada.
Mas dito isso, a mudança é muito importante, porque trocar o fundador por outra pessoa sempre é uma mudança muito profunda numa empresa. E a gente colocar um executivo da Totvs lá dentro também é um sinal importante de que a fase de integração com os demais negócios da Totvs entra numa marcha nova.
Em que sentido?
Da convergência da RD com outras operações da vertical de business performance que já temos, e da convergência de business performance como um todo com o restante da Totvs. Vimos que as duas coisas poderiam começar a ser aceleradas. E para isso vimos que seria importante já ter feito a troca do fundador por um executivo da própria Totvs.
E qual a visão de vocês para essa vertical de business performance? Vocês tem feito várias aquisições, estão montando um ecossistema, mas qual a lógica por trás?
Temos uma expectativa muito positiva com essa vertical. Vemos ela crescendo de maneira muito saudável e ela já tem uma rentabilidade muito boa. A margem de contribuição de business performance já é muito parecida com a margem de contribuição de gestão, por exemplo. Então todos os units economics estão indo muito bem.
Agora, onde a gente quer chegar? O que efetivamente queremos construir? A gente olha para o mercado de soluções que ajudam o cliente a vender mais e vemos um mercado ainda muito fragmentado. Para você fazer a parte do engajamento digital do cliente é um cara, para você fazer o email marketing é outro, para fazer o CRM é outro. Cada micro etapa dessa jornada, do funil de vendas digital, ainda é composta por dezenas de elos separados.
Para empresas maiores isso é um problema, mas é um problema administrável. Para empresas menores, isso é muitas vezes uma impossibilidade. O cara não consegue operar direito porque não consegue ter 10-15 caras para administrar.
O que a gente quer no business performance é se transformar numa solução de A a Z que consegue dar ao cliente da Totvs uma capacidade de cobrir o funil de vendas digitais completamente em um único fornecedor. Quando você olha todos os movimentos que temos feito é exatamente para completar o elo necessário para uma PME vender digitalmente.
E hoje olhando o que vocês já tem dentro da vertical, você diria que o ecossistema já está completo, ou vocês ainda tem várias pecinhas para preencher?
Ainda tem bastante coisa. A gente já se movimentou muito. No último ano, a gente deve ter feito umas 4 ou 5 aquisições, umas 4 ou 5 parcerias estratégicas e desenvolvemos várias soluções organicamente também. Mas ainda falta… para você ver o quão fragmentado é esse mercado.
Como está o pipeline de M&As hoje?
Temos bastante coisa. M&A é um tema permanente para a Totvs. A gente tem balanço para fazer, e a gente tem experiência para fazer. Dito isso, a gente tem olhado sempre M&As dentro de business performance e de gestão. Por que techfin, qualquer M&A vai ser feito direto pela JV e não pela Totvs.
E o perfil são M&As menores?
Não necessariamente. A gente sempre olha coisas grandes também. Não quer dizer que vamos fazer alguma coisa. Mas não tem nenhuma limitação nossa em relação a tamanho.
Falando um pouco da Dimensa, a JV de vocês com a B3, qual a visão de vocês para esse negócio? Como é um negócio que já está separado, vocês pensam fazer um IPO?
Isso era uma operação que era só Totvs, que se chamava Totvs Financial Services, e que tinha sido construída com alguns M&As feitos num passado bem distante. A gente fez o carveout dela e trouxe a B3 como acionista relevante porque entendemos que essa operação era muito boa, saudável, mas tinha pouca sinergia conosco. Então era melhor ter um grau de autonomia grande, e recursos próprios para M&As.
Isso significa que olhando para um futuro mais distante, a Dimensa deveria sim buscar o IPO dela, buscar outras operações que façam com que ela cresça. O futuro da Dimensa não é necessariamente conectado com a Totvs.
Uma fusão com Sinqia poderia fazer sentido dado que são os dois maiores players desse mercado, e que a Sinqia já é listada?
Por motivos óbvios, a gente não comenta nenhum caso específico desses. Mas o que posso te falar é que as duas empresas operam no mesmo mercado. Então, sim, a Sinqia é uma empresa que concorre diretamente com a Dimensa e normalmente disputam em muitos casos os mesmos clientes com portfólios às vezes complementares e às vezes sobrepostos.
Vocês estão com uma posição muito confortável de caixa hoje e com a transação do Itaú devem receber ainda mais dinheiro. Qual sua visão do ponto de vista de alocação de capital? Você já disse que a parte de M&As vai continuar ativa, mas vocês podem pagar mais dividendos, recomprar ações ou a ideia é manter o dinheiro em caixa?
Estando no mercado de tecnologia, que é um mercado mais fluido, com mudanças mais fortes de cenário, a gente precisa ter sempre uma condição de balanço favorável, porque não queremos estar numa situação em que alguma oportunidade muito grande esteja disponível e a gente por algum motivo não tenha caixa.
E tenha que fazer um follow-on…
É. E eventualmente pode acontecer do mercado estar fechado para um follow-on. Então normalmente uma empresa de tecnologia vai estar sempre trabalhando com um balanço mais forte para não perder eventuais oportunidades. Dito isso, não temos nenhum plano de mudar de maneira relevante nossa prática de retorno de capital para investidores, seja através de dividendos ou de recompra.
Olhando para frente, onde você vê mais oportunidade de crescimento, em techfin ou business performance? Qual dos dois negócios pode ser mais transformacional para a Totvs?
Nos dois. O mercado de business performance é um mercado gigantesco. Você olha nos EUA e você vê empresas do tamanho de uma Salesforce que atuam num pedaço do que a gente atua. Então é um mercado brutalmente maior inclusive que o de gestão, e ele está só no começo. Olhamos para techfin e, meu deus do céu. Serviços financeiros, mesmo que seja só com foco B2B, é um mercado várias vezes maior que o de software de gestão. E a gente tem um share muito pequeno. E estamos começando uma JV com o maior conglomerado financeiro da América Latina.
Então todos esses movimentos são potencialmente transformacionais. Mas está muito no começo. Pode ser que tudo isso faça a Totvs ser várias vezes maior do que ela é hoje.