Poucas empresas são tão representativas dessa era exuberante da Bolsa americana quanto a Robinhood, a corretora digital que ‘gamificou’ a arte de investir e popularizou o daytrade entre os millennials americanos.

Fundada há sete anos, a Robinhood já tem 13 milhões de clientes — pouco mais que a Charles Schwab (12,7 milhões) e mais que o dobro da E*Trade (5,5 mi).

Só neste ano, ela ganhou mais de 3 milhões de usuários — metade deles investidores de primeira viagem — beneficiando-se do tédio da quarentena, que prendeu os jovens dentro de casa acreditando que ‘cash is trash’ e que ‘there is no alternative’. 

Agora, a Robinhood  acaba de levantar mais US$ 320 milhões a um valuation post-money de US$ 8,6 bi — um movimento visto por alguns como a última rodada antes de um IPO.

A rodada, que teve a participação do fundo de private equity TSG Consumer Partners, é uma continuação da Series F anunciada no início de maio, quando a Robinhood levantou US$ 280 milhões com a Sequoia Capital no mesmo valuation.

Com um modelo de corretagem zero e uma experiência de usuário que torna fácil (e divertido) para qualquer um operar na Bolsa, a Robinhood conseguiu popularizar o daytrade e simplificar operações complexas com opções — até então restritas a grandes investidores.

A Robinhood tem chamado atenção em Wall Street. Seu exército de ‘sardinhas’ tem conseguido movimentar o mercado: foram eles, em grande parte, que geraram os rallies surpreendentes (e irracionais) de empresas em recuperação judicial como a Hertz e a JC Penney.

Nos primeiro trimestre, os clientes da Robinhood negociaram 9 vezes mais ações que os clientes da E-Trade e 40x mais que os da Schwab, segundo a empresa de análise Alphacution. Eles também compraram e venderam 88x mais contratos de opções que os clientes da Schwab.

Essa alta frequência no daytrade e apetite a risco inconsequente são o lado sombrio da Robinhood.

A corretora virou um fenômeno cultural tão viciante para os millennials quanto os jogos de videogame e as séries da Netflix.

Na semana passada, o The New York Times contou o desastre financeiro de Richard Dobatse, um médico da marinha que começou a usar o app em 2017. 

Dobatse disse que se encantou com a possibilidade de negociar ações com apenas um click, ter acesso fácil a produtos de investimento complexos e firulas do app — quando o investidor ganha dinheiro num trade, a Robinhood produz uma chuva de confetes na tela. 

No início, Dobatse pegou US$ 15.000 emprestados no cartão de crédito para começar a operar.  Mas como só perdia dinheiro, dobrou a aposta: tomou dois empréstimos de US$ 30 mil dando sua casa como garantia. Seu saldo na corretora chegou a bater US$ 1 milhão, mas na semana passada já havia perdido quase tudo de novo. 

“Quando ele está operando, ele não come,” a mulher de Dobatse disse ao jornal. “Ele tem pesadelos com isso à noite.”

Mas o caso mais trágico foi o de Alexander Kearns, um jovem de 20 anos que se matou por acreditar que havia perdido US$ 730 mil na plataforma. (Na verdade, o prejuízo era apenas a ‘perda potencial,’ e Alexander estava num lucro de US$ 16 mil.)

“Eles incentivam as pessoas a passar da bicicleta de rodinhas direto para a moto”, um analista de mercado disse ao Times. “A longo prazo, é como tentar ganhar do cassino.”

Apesar de não cobrar corretagem, a Robinhood monetiza cada transação de seus clientes. 

A corretora ganha com uma prática conhecida como “payment for order flow.” Cada vez que seu cliente negocia um papel, market makers como a Citadel (o maior deles) pagam à Robinhood pelo direito de operar este fluxo. 

O algoritmo diz à Citadel se ela deve executar aquela ordem contra sua própria posição ou apenas casar a ordem a mercado.

É este pagamento pelo fluxo de ordens que permite às grandes corretoras de varejo cobrar corretagem zero. Segundo a Fortune, esta receita responde por mais de metade do faturamento da Robinhood, que superou os US$ 600 milhões no ano passado. (A empresa ainda queima caixa adoidado.)

O modelo é usado por todas corretoras nos EUA, mas a Robinhood ganha mais que as outras: segundo o NYT, para cada ação negociada, a Robinhood ganha 15 vezes mais que a Schwab porque os clientes que pagam pelo order flow consideram mais fácil lucrar em cima dos clientes da Robinhood. 

Os fundadores da Robinhood — filhos de imigrantes que se conheceram em Stanford — dizem que se inspiraram no movimento Occupy Wall Street para criar um negócio que “torna os investimentos acessíveis a todos” e, como sugere o nome, “tira dos ricos para dar aos pobres.” 

Inovações à parte, o que a Robinhood conseguiu mesmo foi tirar das ‘sardinhas’ para colocar no próprio bolso.