Na última sexta-feira publicamos aqui no Brazil Journal uma avaliação da regra fiscal que acabara de ser anunciada pelo Ministério da Fazenda.

Nossas principais conclusões foram:

  1. a regra autoriza, de imediato, o crescimento real da despesa, mas não provê o aumento de receitas necessário para financiá-las;
  2. uma vez aprovada a regra, para cumprir as metas de resultado primário ali fixadas, o governo precisará convencer o Congresso a aprovar aumentos de tributos e enfrentar contestações judiciais a esses aumentos para conseguir levantar os R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões que o Ministro da Fazenda disse ser possível obter;
  3. somente essa elevação no nível da arrecadação não será suficiente para cumprir as metas de resultado primário fixadas na proposta. Será preciso que, adicionalmente a esse aumento de receita, continue a haver, ao longo dos próximos anos, seguidos aumentos reais da receita líquida do Governo Federal;
  4. eventual insucesso nesta difícil empreitada nos deixará com gastos e déficit crescentes, sinalizando que um possível caminho para financiá-los seria o aumento da inflação;
  5. a regra é procíclica e, em caso de oscilação da receita real entre um ano e outro, determinará cortes reais de despesas, que serão difíceis de realizar, frente à rigidez dos gastos obrigatórios, ou elevações reais que poderão induzir novas rodadas de aumento de gastos obrigatórios.

A regra é complexa e ainda não foi apresentado o projeto de lei com relevantes detalhes. Tudo o que se sabe está no power point veiculado pelo governo. Inevitavelmente surgiram dúvidas. Recebemos diversas perguntas sobre as hipóteses que embasaram nossas projeções, o que nos levou a revê-las e fazer algumas correções marginais.

Este texto tem por objetivo: (i) explicitar as hipóteses que adotamos, enfatizando que optamos pelas mais favoráveis possíveis ao cumprimento da regra (portanto reforçando o nosso argumento quanto à dificuldade em cumpri-la); (ii) rever a nossa estimativa de crescimento de despesa, que em um dos cenários estava um pouco superestimada, mostrando que, mesmo no caso mais favorável ao cumprimento das metas, ela pouco muda nossas projeções e não afeta as conclusões acima descritas.

Nossas hipóteses

Para simplificar, supusemos que a regra só entraria em vigor em 2024, e  que o resultado fiscal de 2023 seria um déficit primário de 1% do PIB, conforme previsto pelo Governo no 1º Relatório Bimestral de Receitas e Despesas Primárias, divulgado uma semana antes de apresentar a nova regra fiscal.

A princípio, isso poderia nos levar a subestimar o ajuste no primeiro ano, caso o governo conseguisse aprovar medidas que levassem o resultado primário para menos de 1% do PIB em 2023. Contudo, consideramos que um déficit de 1% do PIB em 2023 já é um resultado otimista, visto que o 1º Relatório Bimestral omitiu aumentos de despesas e reduções de receitas já contratadas (como o reajuste do salário mínimo para R$ 1.320 ou a correção da tabela do Imposto de Renda). Fazendo ajustes nos números daquele relatório, chegamos a um déficit para 2023 de até 1,65% do PIB. Portanto, um déficit de 1% do PIB em 2023 já é bastante otimista. Podemos disponibilizar aos interessados nossa avaliação dos números do 1º Relatório Bimestral.

Fizemos as hipóteses mais favoráveis ao governo. Não consideramos diversas propostas que aumentam o gasto público, ou que dificultam o ajuste ampliando os pisos de despesa mínima para diversos itens. Também fixamos o crescimento da despesa no menor padrão previsto pela nova regra. Sendo mais específicos não levamos em conta: (i) o piso obrigatório de gastos com investimentos; (ii) a vinculação do gasto mínimo de saúde e educação com a receita; (iii) o fato de que há despesas fora do teto (Fundeb e Piso da Enfermagem).

Ademais, consideramos o percentual mais restritivo de correção da despesa (50% da variação da receita), por avaliar que desde o primeiro ano a banda inferior da meta de resultado primário não será atendida.

Nossas simulações

No artigo original fizemos três simulações de comportamento da receita ao longo do tempo, para verificar qual o limite de despesa seria determinado pela regra, apurando, em seguida, o resultado primário e comparando-o com as metas de resultado primário fixado pelo governo. Mostramos que as metas são muito ambiciosas frente aos resultados primários gerados pela própria regra.

Como recalculamos nossas simulações, mostramos aqui o que se alterou em relação ao que foi mostrado no artigo original. Colocamos o arquivo com nossos cálculos a disposição dos interessados.

No texto original, trabalhamos com três hipóteses para o comportamento futuro da receita, que aqui voltamos a descrever:

  • Hipótese A: receita cresce em termos reais às mesmas taxas do PIB do ano anterior;
  • Hipótese B: taxa de crescimento real da receita oscila, ora acima e ora abaixo do PIB, como tem sido o comportamento nos últimos anos;
  • Hipótese C: um cenário extremo de aumento de receitas – o Governo faz um aumento de carga tributária de R$ 150 bilhões (conforme proposto pelo Ministro da Fazenda na entrevista que apresentou a regra), que supomos que teria impacto a partir de 2024 e, além disso, a partir deste nível mais alto, a receita continua crescendo, nos anos seguintes, sistematicamente 3% a.a., bem acima do crescimento do PIB, seja por ganhos de termos de troca (preços de commodities em alta, por exemplo), seja por aumentos adicionais da carga, aumento de eficiência ou redução de benefícios tributários.

O Gráfico 1 mostra a diferença entre a trajetória de despesa calculada no texto original e o valor recalculado para a hipótese A. Praticamente não há mudança. O novo cálculo faz com que a relação despesa PIB chegue a 2030 em 18,3% do PIB, contra 18,4% na simulação anterior.

Gráfico 1

grafico1

O Gráfico 2 mostra o que mudou com a reestimativa da hipótese B. Mantém-se o caráter procíclico que queríamos demonstrar nos casos em que a receita real oscila ao longo dos anos. O valor da receita como proporção do PIB fica ainda maior, sendo reestimado de 18,2% para 18,8% do PIB.

Gráfico 2

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O Gráfico 3 apresenta a mudança gerada pela reestimativa da hipótese C. Neste caso, a despesa reestimada chega a 2030 em valor 0,6 p.p. do PIB abaixo da estimativa original.

Gráfico 3

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Não houve qualquer alteração nas nossas hipóteses de trajetória da receita, de modo que o Gráfico 4 do texto original se mantém, com os valores retratados abaixo.

Gráfico 4

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Usando despesas reestimadas e a trajetória de receitas que decorre de nossas três hipóteses, podemos recalcular o resultado primário obtido em cada uma delas. Estes valores estão no Gráfico 5.

A conclusão que tiramos deste gráfico é a mesma obtida no texto original: os resultados primários nas três hipóteses ficam muito abaixo do intervalo de resultado primário fixado como meta pelo governo. Somente com a hipótese de aumento agressivo da receita (hipótese C) é possível cumprir a meta de primário em um único ano (2024). Mas já no ano seguinte o resultado primário da hipótese C fica abaixo da banda inferior do resultado primário e se distancia ainda mais em 2026. Sustentabilidade fiscal se obtém com a garantia de cumprimento de metas de resultado primário ao longo de vários anos, e não apenas pontualmente, em um único ano.

Gráfico 5

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Com as estimativas revistas, conclui-se que apenas aumentos reais anuais da receita acima de 4,25%, além do choque tributário de R$ 150 bilhões feito em 2024, permitiriam que os resultados da Hipótese C alcançassem o valor mínimo de meta de resultado primário fixado pelo Governo. O valor estimado originalmente era de 5%. Essa redução de 5% para 4,25% não chega a ser um consolo, pois continua a ser uma taxa muito alta de crescimento da receita.

Marcos Lisboa é economista e sócio da Gibraltar Consultoria.

Marcos Mendes é pesquisador associado do Insper.

Solicitações dos cálculos que levaram aos dados aqui apresentados e da avaliação do 1º Relatório Bimestral podem ser enviadas para marcosjm1@insper.edu.br