O Ministro Paulo Guedes e sua equipe apresentaram ontem a estratégia da reforma tributária pretendida pelo governo: um Projeto de Lei Ordinária que cria um IVA (imposto de valor adicionado) federal unindo apenas PIS e Cofins — e batizado de CBS (Contribuição sobre Operações com Bens e Serviços).

10245 37b3420e 04e1 0344 2363e7f00 4d8cc66386a9Como já tramitam no Congresso duas PECs mais abrangentes — com um IVA de base muito mais ampla e eficiente — por que Guedes foi tão tímido?

Para muita gente em Brasília, a timidez na verdade é estratégia.  Guedes estaria apenas mexendo a primeira peça num jogo de xadrez com o Congresso. Para usar uma expressão empregada pelo próprio, a ideia é aprovar essa primeira parte e depois “acoplar” as demais etapas, deixando o protagonismo (ou seria o desgaste?) para o Congresso.

Criar um IVA federal (PIS e Cofins) já é uma tarefa árdua no Brasil. No sistema atual, há duas formas de recolher os dois tributos e uma penca de exceções. No modo cumulativo, as alíquotas somam 3,65%. No não cumulativo, 9,25%.
  
No primeiro, os tributos incidem a cada etapa da cadeia de produção ou serviços sem gerar crédito — por isso, acumulam — daí o motivo de a alíquota ser mais baixa. No segundo, geram créditos, que podem ser abatidos nas etapas seguintes. Portanto não acumulam.
 
Pela proposta do governo, haverá uma única alíquota linear do CBS, de 12%, e somente não cumulativa, gerando créditos a cada etapa da produção ou da prestação de serviços. O tributo deixa de incidir “por dentro”, ou seja, sai da própria base de cálculo, e passa incidir “por fora”, sobre a receita bruta obtida na venda de produtos ou serviços.

Segundo o secretário da Receita, José Tostes, o formato de IVA acaba com os tributos diferenciados para vários setores e elimina mais de uma centena de regimes especiais.

A maior mudança será para as empresas do setor de serviços, com a exceção das enquadradas no Simples, que não serão alcançadas pelo CBS.

Para setores que têm o que alguns chamam de ‘cadeia longa’, ou seja, que exigem muitos insumos no processo produtivo, como a indústria automotiva, o novo tributo tende a ser vantajoso, pois os créditos acumulados serão maiores.

Já nos serviços, a tendência é haver expressivo aumento da carga tributária, ao menos num primeiro momento. Numa rede de salão de belezas, por exemplo (não enquadrada no Simples), há dois custos básicos: xampus, cremes e demais produtos (menor parcela) e mão de obra (parcela muito maior). Assim, no modelo não cumulativo, o crédito gerado (no exemplo acima, somente nos produtos) é muito baixo perto do custo que não gera crédito, que é a folha de pagamento dos funcionários. Tanto que a grande maioria das empresas de serviços está enquadrada no modelo cumulativo, pois é melhor pagar integralmente uma alíquota baixa (3,65%) do que se creditar pouco numa alíquota alta (não cumulativo, 9,25%).

Grosso modo, o setor de serviços sairá de 3,65% de PIS/Cofins para 12% no CBS.

Como PG pretende que o setor aceite essa elevação de alíquota?

Primeiro, “acoplando” uma espécie de CPMF sobre as transações digitais, como o próprio PG e o vice Hamilton Mourão têm defendido. Com o aumento de receita desta nova CPMF, viria o segundo movimento:  a desoneração da folha, de longe o maior custo do setor de serviços. Não por coincidência, várias entidades patronais do ramo já começaram a se manifestar publicamente a favor da nova CPMF.

No terceiro movimento, o governo pode zerar o IPI de vários produtos por decreto, sem sequer precisar da aprovação do Congresso. Manteria o tributo somente como imposto seletivo sobre bens de externalidades negativas, como cigarro e bebida. O IPI persistiria também na Zona Franca de Manaus, mas com prazo determinado e sendo reduzido paulatinamente.

O quarto movimento seria feito pelo Congresso. O CBS seria unificado com o ICMS e o ISS dentro da PEC 45, por exemplo. O desgaste da negociação com prefeitos e governadores ficaria para deputados e senadores.

Ontem, ao lado de Maia e Alcolumbre, Guedes disse que não poderia “invadir a competência de prefeitos e de governadores. Apoiamos o acoplamento do ISS e do ICMS aos impostos federais.”

Sem dúvida, o clima no Congresso hoje é muito mais favorável a uma reforma tributária do que já foi em legislaturas passadas. E certamente é muito melhor um IVA federal somente com PIS e Cofins do que o atual sistema.

Mas para que Guedes ganhe a Rainha, Câmara e Senado têm que topar uma nova CPMF (Maia já disse que não), os prefeitos e governadores têm que aceitar unificar ISS e ICMS e o setor de serviços tem que acreditar que a desoneração da folha virá. 

Deve ser isso que chamam de xadrez quadridimensional.