Em 2014, convidado por um amigo médico, Caio Abreu foi assistir a um congresso cujo principal tema era a dificuldade dos pacientes de doenças graves de ter acesso à cannabis medicinal, capaz de controlar a náusea, estimular o apetite e aliviar a dor.
Ao ter contato com o drama humano, Caio chorou por três dias.
“Eu não tinha ideia da situação e da necessidade de alívio que acomete os pacientes com epilepsia, câncer e dores crônicas,” ele disse ao Brazil Journal.
Pouco tempo depois, Caio — um advogado de mercado de capitais com passagens pelo antigo Souza Cescon e o Tozzini Freire — fundou a Entourage Phytolab, uma companhia que desenvolve e comercializa medicamentos à base de maconha.
Caio colocou R$ 500 mil — toda sua liquidez imediata — e tomou emprestado mais R$ 2 milhões com um cliente do escritório num momento em que a cannabis medicinal ainda era um tabu no Brasil.
A Entourage passou os últimos seis anos pesquisando o potencial do mercado (que ainda engatinha no Brasil), contratando PhDs e desenvolvendo seu próprio método de extração dos componentes da cannabis.
Agora, a companhia está prestes a fazer sua primeira venda. Nas próximas semanas, vai começar a importar medicamentos para pacientes autorizados pela Anvisa; e, no segundo semestre, começará a vender produtos nas grandes redes de farmácias.
Tem sido uma jornada longa para o empreendedor, cujo primeiro contato com os benefícios da cannabis aconteceu quando sua mãe teve câncer.
“Ela não conseguia comer e tinha emagrecido muito. Começamos a dar maconha para ela fumar e ela ganhou 6 kg em um mês,” disse Caio. “A maconha é um ótimo paliativo para os efeitos da quimioterapia, porque além de cortar o enjoo, atiça o apetite.”
A Entourage está preparando uma rodada para levantar entre US$ 20 milhões a US$ 30 milhões. Os recursos vão financiar os estudos clínicos de cinco medicamentos desenvolvidos pela empresa — começando por um remédio para tratar a epilepsia.
Desde que foi fundada, a Entourage já levantou US$ 7 milhões com dezoito investidores, entre pessoas físicas e family offices, incluindo o publicitário Nizan Guanaes.
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A Entourage é uma de 20 empresas tentando destravar o mercado de cannabis medicinal no Brasil, que deve ganhar tração nos próximos anos com avanços importantes na regulação.
Até pouco tempo, a Anvisa permitia apenas a importação: o paciente pegava a receita com um médico e pedia à agência uma autorização para importar o medicamento. Depois, comprava o produto de algum distribuidor no exterior, colocava um rastreador no site da Anvisa e recebia seu remédio em casa livre de impostos.
Em dezembro de 2019, as coisas começaram a mudar. A Anvisa aprovou um novo marco regulatório, em caráter transitório, que permite que produtos à base de maconha sejam vendidos diretamente nas farmácias mesmo sem o registro de medicamento (que exige passar por estudos clínicos extensos).
Para isso, esses produtos precisam ser feitos seguindo os mesmos protocolos da indústria farmacêutica, ou seja, produzidos numa fábrica certificada e com os insumos passando por controles de qualidade rigorosos.
O marco vale até 2024, quando a agência definirá as regras definitivas.
A liberação já deu início a um salto exponencial do mercado. No fim do ano passado, o Brasil tinha pouco mais de 11.000 pacientes usando maconha medicinal, o dobro do ano anterior. O número deve subir para 30.000 este ano e chegar a 100.000 no final de 2022, nas estimativas da Entourage.
“Em todos os países que liberaram o consumo foi a mesma história: dois anos depois da regulamentação, o mercado triplicou de tamanho”, diz o fundador.
O próximo passo da regulação: liberar o cultivo da maconha para fins medicinais, o que reduziria sensivelmente os preços dos produtos vendidos no Brasil, que hoje saem por até R$ 2,5 mil.
Apesar da liberação das vendas nas farmácias, a Entourage vai começar em breve estudos clínicos de um de seus produtos, um remédio para epilepsia feito usando o extrato de maconha.
Segundo Caio, a opção por fazer os ‘clinical trials’ se deu porque muitos neurologistas e psiquiatras ainda não confiam nos produtos à base de cannabis — justamente pela falta de estudos clínicos regulatórios que comprovem seus resultados.
“Hoje, cerca de dois mil médicos no Brasil fazem prescrições de produtos à base de cannabis. Se tivermos o registro de medicamento, esse número pode aumentar drasticamente.”
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De sua fábrica em Valinhos, no interior de São Paulo, Caio e os cientistas da Entourage passaram os últimos seis anos estudando os diferentes tipos de maconha (são mais de mil genéticas diferentes) e os efeitos da mistura de seus componentes.
O resultado foi um processo extrativo proprietário que consegue aumentar a eficiência da produção e formulações (com patente internacional solicitada) que aumentam a eficiência dos medicamentos, na comparação com métodos usados por concorrentes.
Enquanto empresas como a Prati-Donaduzzi fazem seus produtos isolando o canabidiol (CBD) — ou seja, jogando fora todos as outras moléculas presentes na planta e deixando apenas o CBD — a Entourage optou por usar em seus remédios o extrato bruto (que contém o CBD, o THC e mais de 100 outros canabinóides e 300 substâncias).
(Glossário: O tetraidrocanabinol (THC), o princípio ativo que causa o high, é usado para fins medicinais como um paliativo da quimioterapia ou como remédio para insônia. Já o canabidiol (CBD) possui as propriedades de relaxamento e é usado para aliviar a dor ou para tratar a epilepsia.)
Segundo Caio, estudos mostram que usar o extrato bruto permite produzir a mesma quantidade de remédio usando menos maconha, além de reduzir a dose necessária para ter o efeito desejado no paciente.
O método da Entourage também permite uma extração mais rápida do extrato.
“Quando você coloca 1 kg da flor na nossa máquina demora 2,5 horas para fazermos a extração. Na maioria dos nossos concorrentes, esse mesmo processo leva em torno de 9 horas,” diz Caio.
“Nos próximos dois anos, acho que esse mercado finalmente vai acontecer.”
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