Deixando de lado os pré-conceitos que ainda cercam a maconha, alguns brasileiros estão fazendo uma aposta calculada no setor — investindo em países onde o uso medicinal ou recreativo da planta é permitido e apostando em empresas de diversos segmentos da indústria, do cultivo ao varejo.

10677 a36ebdc6 580f 2dd5 d833 8b123a70308aPor enquanto, o investidor mais visível é o Greenfield Global Opportunities, um fundo de VC criado pelo ex-CFO da Hypermarcas, Martim Mattos, e seus sócios, Marcelo Marco Antônio, da família fundadora do Hospital São Luiz, e Nelson Cury, o fundador da GeneSeas, a empresa de piscicultura conhecida pela marca Saint Peters.

Nos últimos seis meses, o fundo levantou US$ 15,7 milhões, investiu em 10 empresas e atraiu 46 investidores — entre eles Celso Colombo, um dos ex-controladores da Piraquê, e clientes do banco de investimentos e gestora G5. O investimento mínimo é de US$ 300 mil.

Agora, o Greenfield quer captar mais US$ 34 milhões até o fim de junho para fechar o fundo em US$ 50 milhões. 

“Estamos fazendo uma ‘arbitragem moral’: investir nessa indústria enquanto muitos não podem por haver uma barreira, seja jurídica ou moral”, Martim disse ao Brazil Journal. “Nossa tese é que, com o tempo, essa barreira vai desmoronar e a cannabis vai virar mainstream”. 

Por enquanto, 40 países já permitem o uso medicinal da erva; e outros cinco, o recreativo. 

O mercado de maconha tem um crescimento ‘contratado’ na medida em que o consumo migra do mercado ilegal para o legal (hoje, a soma dos dois mercados é estimada em US$ 150 bilhões/ano em todo o mundo).  

A maior parte das investidas do Greenfield está nos EUA e Canadá, e em verticais que devem ganhar tração nos próximos anos, como o hemp industrial, uma genética da Cannabis sativa que não possui THC e é usada, por exemplo, na produção de tecidos e concreto; o hemp food, alimentos derivados da semente da maconha (que não tem THC nem CBD); e a prestação de serviços (como empresas de software que se especializaram em atender clientes no setor, muitas vezes evitado pelas grandes empresas pelo risco de imagem).  

(Glossário 420: O tetraidrocanabinol (THC) é o princípio ativo que causa o high, enquanto o canabidiol (CBD) possui as propriedades de relaxamento com uso medicinal. A descoberta dos componentes foi feita nos anos 1960 pelo cientista israelense Raphael Mechoulam, que fez a separação química da cannabis e, reza a lenda, pediu à sua mulher que preparasse dois bolos: um com CBD, outro com THC. A ficha caiu quando ele notou a diferença de comportamento de quem consumia um ou outro).

O Greenfield já investiu na Headset, uma empresa de big data que coleta dados das vendas de cannabis no varejo; na Humble + Fume, que deve faturar mais de US$ 50 milhões este ano com acessórios para o uso recreativo e está se preparando para um IPO; e na Northern Swan, a terceira maior produtora de maconha do mundo em área de cultivo. 

No portfólio do fundo, há ainda uma empresa de genética que trabalha na melhoria da produtividade das plantações de maconha e um marketplace que conecta fabricantes de produtos feitos com cannabis a varejistas. 

Mas a cereja do bolo é a GreenCare, uma empresa brasileira criada do zero pelo fundo para atuar nas indústrias de medicamentos, alimentos e dermocosméticos — o mesmo modelo da Hypermarcas (no formato original da companhia), só que de cannabis. 

A GreenCare entrou em operação em outubro e já atende 300 pacientes no Brasil. O medicamento é importado dos Estados Unidos, e o modelo de vendas é igual ao da indústria farmacêutica: um pequeno time de representantes faz visitas técnicas aos médicos para apresentar os medicamentos, que precisam ser prescritos. 

A diferença está na burocracia do processo: depois da prescrição médica, o paciente precisa mandar os documentos para a GreenCare, que os repassa à Anvisa, que autoriza ou não a importação.  

Por enquanto, os remédios da GreenCare são usados para tratar epilepsia, ansiedade, dores crônicas e autismo. Os resultados são relevantes: um artigo da Nature mostra que 80% dos pacientes autistas têm redução na agitação com o uso de remédios feitos com cannabis. Já os ataques epilépticos caem em 40%. 

A GreenCare também criou uma marca própria, a “Happy”, para vender snacks produzidos com sementes da planta, shakes naturais para substituir o whey protein, além de um azeite feito com o óleo extraído da cannabis.
 
Os produtos serão fabricados e empacotados pela canadense Manitoba Harvest, a maior produtora de alimentos à base de cannabis do mundo, e vendidos num ecommerce próprio da marca em todo o Brasil, além de alguns varejistas de nicho. A primeira importação está prevista para julho. 

A GreenCare está desenvolvendo ainda uma linha de dermocosméticos com CBD na fórmula. Segundo Martim, o canabidiol possui propriedades que ajudam em diversas enfermidades da pele, como inflamações e acnes. 

“Queremos aproveitar o nascimento de uma nova indústria de consumo de massa”, diz ele. “O apoio popular à legalização tem crescido em vários países e a indústria pouco a pouco está sendo legitimada.”

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