Em 2016, o PMDB divulgou o documento “Ponte para o futuro”, base do que veio a ser o Governo Temer. As circunstâncias hoje são outras, mas há um denominador comum entre as situações: uma crise importante, somada à percepção de que o processo eleitoral seguinte – antes e agora – está muito distante e de que “é preciso fazer alguma coisa”.

Um ano atrás, o dólar estava abaixo de R$ 5. Hoje, está acima de R$ 6. Um ano atrás, o juro de um ano no mercado estava em menos de 10%. Hoje está em 15%. 

Na minha vida de macroeconomista e no convívio com amigos leigos, me deparo com perguntas que achei que nunca mais ouviria: “Minhas poupanças correm riscos? Será que investir em títulos do Governo é seguro? Poderemos ter um calote?”

Exatamente quando a Argentina parece querer deixar para trás décadas de bagunça fiscal, o Brasil “virou uma Argentina”. A perspectiva para 2025 é termos um déficit público de 8% do PIB. É um vexame. A dívida bruta do Governo era de 52% do PIB em 2013, e apenas três anos depois escalara para 70% do PIB. No começo do Governo Lula 3, era de 72% do PIB, e agora já está em 78%. “Onde isso vai parar?”, todos se perguntam.

Não nos enganemos: se aos poucos os detentores desses papéis começarem a farejar que correm o risco de não receber o que o Governo prometeu pagar, teremos pela frente um futuro de muita turbulência. Quem perderá com isso será não apenas o Governo, mas o País.

O Brasil fez um esforço de construção institucional para termos um arranjo monetário que nos leve a ter uma inflação baixa. Investimos 30 anos nisso. Temos que avançar no sentido de que nossas regras fiscais acompanhem esse sacrifício. Não faz sentido que todo o esforço de estabilidade dos preços recaia nos ombros da taxa de juros.

O que é dramático na crise atual é que foi uma crise autoinfligida, em função do sectarismo do Partido dos Trabalhadores, que se recusou a aprender as lições do passado e criou uma crise da qual o partido foi a matriz teórica e braço executor. 

Em 2003, primeiro ano do Lula 1, o gasto primário (tirando juros) do Governo Federal diminuiu, em termos reais, 4%. O Governo angariou credibilidade e depois disso o dólar despencou, a inflação cedeu e os juros caíram. Em 2023, o primeiro ano do Lula 3, o gasto real aumentou espantosos 12% (7% sem o efeito do pagamento excepcional de precatórios herdados do Governo Bolsonaro), a credibilidade foi dilapidada e, em consequência, o dólar explodiu, a inflação foi pressionada e os juros escalaram. A obtusidade do Planalto e do círculo de acólitos do Presidente tem cobrado um preço muito grande ao País.

O que se segue é uma tentativa de voltar a colocar nos trilhos um trem que deles se extraviou. A proposta consiste em três medidas e um anúncio.

A primeira medida é enviar uma Medida Provisória ao Congresso modificando a lei do salário-mínimo, retirando o efeito do crescimento do PIB e indexando o mínimo apenas à evolução do índice de preços. Em 2025, o orçamento estimado do INSS será da ordem de R$ 1 trilhão, e 45% dele está diretamente afetado pelo salário mínimo (R$ 455 bilhões). 

A despesa com LOAS, por sua vez (toda ela indexada ao mínimo) deverá ser de R$ 120 bilhões. Isso significa que a despesa ligada ao salário mínimo, só com essas rubricas, é de R$ 575 bilhões. 

Pensemos na trajetória de crescimento da economia à qual o Governo aspira, de uns 2,5%. Como ela afeta a dinâmica do salário mínimo, em um ano a taxa aumenta essa despesa em mais de R$ 14 bilhões. No segundo ano são R$ 29 bilhões, e o impacto na dívida, com o efeito inicial, já é de R$ 43 bilhões. No terceiro ano, o plus da dívida já será R$ 86 bilhões, e assim sucessivamente.

Se a regra for mantida num eventual Lula 4, caminharemos rumo a uma crise fiscal que rapidamente se transformará em crise política. Atenção: não sou golpista, apenas sei fazer contas — e pensar para além de 2026. 

Em 2016, o desfecho da crise fiscal foi o impeachment. O que nos aguarda em 2027? Um aviso: não venham aqueles que se intitulam “defensores do povo” dizer que se quer “arrochar o salário do trabalhador” e a patacoada de “tirar o pobre do Orçamento,” porque seria uma mentira grotesca. 

Arrocho houve na Grécia na crise do euro, ou na Argentina nos últimos anos. Aqui, quem ganha salário mínimo não perderia um centavo de renda, apenas deixaria de ter aumentos reais. E isso depois de o salário mínimo ter experimentado um crescimento real de mais de 180% desde o Real e de ter passado de 26% da renda per capita do País em 1995 para 33% recentemente.

Com o adendo de que nada impediria os governadores de aumentar o salário mínimo estadual acima do mínimo nacional, o que na prática apenas evitaria elevar as aposentadorias, correspondendo a um mecanismo indireto de desvinculação entre o salário mínimo e o piso previdenciário.

A segunda medida visa, por meio de um projeto de lei, corrigir um equívoco que o País já havia cometido e que foi agravado no Governo Lula 1.

Quando o LOAS surgiu, em meados dos anos 90, ele foi concebido para o benefício assistencial ser concedido aos 70 anos de idade. Posteriormente, no Governo FHC, o parâmetro caiu para 67 anos e, já na gestão Lula, foi novamente diminuído para 65 anos. Detalhe: desde a Lei original, a expectativa de vida aos 65 anos aumentou 5 anos – e a idade de concessão diminuiu nesse mesmo número de anos. 

Não é por acaso que quando o LOAS surgiu ele representava uma despesa de 0,1% do PIB e hoje está em 1% do PIB. Com um elemento adicional: qual é o sentido de quem ganha na vizinhança de um salário mínimo contribuir para o INSS 20 ou 30 anos se sabe que, aos 65 anos, chova ou faça sol, contribua ou não, vai receber o mesmo valor de quem nunca contribuiu? 

Não é por acaso que nessa faixa a proporção de contribuintes é muito menor que nas faixas de renda superiores. A alternativa ao status quo é tão lógica quanto defensável: voltar em 2029 à regra de 30 anos atrás e definir a idade de concessão do LOAS em 67 anos, na base de aumentos de 6 meses por ano em relação ao parâmetro atual de 65 anos, num período de transição de 4 anos, começando em 2026.

A terceira medida é adotar, a partir de 2026 o imposto mínimo discutido em 2024, mas não como compensação pela redução do Imposto de Renda e sim como um mecanismo socialmente justo de ajuste fiscal via aumento da receita sem onerar a classe média, que é a grande contribuinte do Imposto de Renda. 

A medida tem sua justiça reconhecida por boa parte da sociedade, que entende que não é correto que quem ganhe R$ 10.000 por mês de salário pague impostos pesados, enquanto quem tem rendas de R$ 100 mil pode encontrar brechas na legislação que permitem que sua tributação seja mínima ou inexistente.

Essas pessoas ficariam sujeitas a uma tributação sobre a renda de 2026, a ser cobrada por ocasião do ajuste de contas com o “Leão” em março de 2027, quando sofreriam a incidência dessa alíquota mínima a definir – entre 10 % e 15 % da renda.

Finalmente, sugere-se que, em face da gravidade da crise e como concessão ao realismo, o Governo abandone a tentativa estapafúrdia de elevar o limite de isenção do IR para R$ 5.000, que foi o estopim da perda de confiança na economia que causou a disparada do dólar no final de 2024.

Esse cardápio permitiria caminhar na direção de um equilíbrio entre receitas e despesas primárias em 2026 e assegurar uma trajetória de superávits crescentes a partir de 2027, trazendo tranquilidade aos mercados e permitindo dar continuidade à trajetória de crescimento do PIB, do emprego e do salário dos últimos anos.

Nesse contexto, o dólar poderia cair abaixo de R$ 6, os juros anuais cederiam fortemente, a inflação de 2026 provavelmente se situaria mais perto da meta, e o País estaria pronto para ter uma gestão macroeconômica muito bem-sucedida no Governo de 2027/2030, qualquer que seja o vencedor do pleito presidencial.

O PT, por sua vez, embora recuando em relação a algumas de suas bandeiras, teria uma boa história para contar em 2026, com todas as variáveis reais em níveis bem superiores aos do final do Governo Bolsonaro.

É preciso ter muito claro o seguinte: a regra do salário mínimo precisa ser modificada. O Presidente pode defendê-la com unhas e dentes, mas se vencer as eleições de 2026 e não modificá-la, seu quarto Governo será uma gestão natimorta, pela dimensão do desastre que a regra atual irá provocar. 

Portanto, se vencer, ou ele conserva a regra em 2027 e inviabiliza o seu Governo, ou a muda após negar que iria fazê-lo, praticando estelionato eleitoral. Não existe a hipótese da regra ser mantida até 2030 e um quarto Governo Lula ser bem sucedido.

Só a miopia impediria o País de seguir uma linha como a que foi aqui proposta. Àqueles que, presos a seus óculos ideológicos, recusarem algumas destas ideias como sendo “neoliberais”, lembro que sete décadas de desordem fiscal na Argentina produziram a “motosierra” de Milei.

Vale lembrar aqui as palavras de Churchill, em crítica às negociações do então Primeiro-Ministro Chamberlain, acusado por ele de timidez diante da ameaça da Alemanha nazista, pouco antes da Segunda Guerra. 

“França e Inglaterra tiveram a oportunidade de escolher entre a indignidade e a guerra. Escolheram a indignidade. Terão a guerra,” disse Churchill. 

Se o PT se recusa a fazer qualquer ajuste por puro preconceito, o ajuste será postergado, mas ele virá depois – e será muito pior. Neste caso, parodiando Churchill, a História dirá: “Lula teve a oportunidade de escolher entre o gasto e a moderação. Escolheu o gasto. Sofrerá o ajuste”.

Fabio Giambiagi é pesquisador da FGV/IBRE.