Lula entrou em campo, mas não em sua melhor forma. Suas ações revelam a prioridade que dedicou à política. Seus esforços foram direcionados, entretanto, unicamente à de construção da base aliada no Legislativo. Há custos, porém, nessa estratégia.

Não estava na sua lista de prioridades pacificar a sociedade, buscando atenuar os temores dos eleitores de Bolsonaro. Pelo contrário, em meio a falas ligeiras de que vai governar para todos, Lula alimentou o discurso antagonista, do “nós contra eles”, que, na verdade, vem de longe. 

Iniciou o discurso de posse já atacando o governo anterior e em alguns pontos injustamente, como ao falar em dilapidação das estatais e dos bancos públicos. Muitos tons acima daquele adotado em 2003 e incompatível com a margem estreita de vitória nas urnas. A beligerância poderá se manifestar em baixas taxas de aprovação do governo e em menor capacidade de dialogar sobre temas polêmicos que estão na pauta do País.

O que o Presidente fez até agora foi concentrar o foco na construção da governabilidade – possivelmente um reflexo dos traumas dos últimos anos. Essa é uma tarefa trabalhosa em nosso sistema político, marcado pela elevada fragmentação partidária. Demanda, em demasia, moedas de barganha política ou a distribuição de benefícios em troca de apoio no Congresso.

Possivelmente Lula constatou que essas moedas estão mais escassas hoje do que quando governou. Algumas razões para isso seriam: a maior fragmentação partidária no Congresso; as emendas parlamentares, que se tornaram obrigatórias a partir do governo Dilma, reduzindo o custo de não alinhamento dos parlamentares à base do governo e, assim, a capacidade de articulação do Executivo no Congresso; a nova versão das emendas coordenadas pelos presidentes da Câmara e do Senado; e o maior engessamento do orçamento da União por conta do aumento de despesas obrigatórias, reduzindo a atratividade de chefias nos ministérios.

Diante desse quadro, o Presidente agiu: ampliou o número de ministérios, moderou a participação do PT no gabinete para contemplar a aliados, contribuiu, possivelmente, para a decisão do STF de eliminar as emendas de relator, e obteve a aprovação de uma generosa PEC Transitória, provendo algo como 2% do PIB de espaço no orçamento, além de autorização para mudar a regra fiscal por lei complementar, afastando o desgaste de negociar uma emenda constitucional.

Talvez outro político não tivesse tanto êxito. Se vai funcionar para construir uma base sólida, são outros quinhentos, especialmente diante dos desafios da economia.

Seguindo o script na campanha eleitoral, a discussão da agenda econômica ficou de escanteio – talvez refletindo a própria melhora dos números da economia em 2022. Um desenho distinto daquele traçado por outros governantes, como Michel Temer ou mesmo Lula em seu primeiro mandato.

O discurso de posse manteve a defesa do estado grande, indutor de crescimento – não está claro se por conveniência ou por convicção. Afirmou que “não faz sentido o país importar combustível, fertilizantes, plataformas de petróleo, microprocessadores, aeronaves e satélites”. Esse pensamento vai contra um princípio básico de que os países precisam desenvolver suas vantagens competitivas, e não produzir de tudo, pois isso implica menor eficiência econômica e, portanto, baixo crescimento. O mais recomendado é o estado promover ganhos de produtividade, por meio de educação de qualidade, estímulo à inovação e um ambiente de negócios saudável, para que o setor privado floresça.

Ao mesmo tempo, o presidente afirmou o compromisso com “a responsabilidade, a credibilidade e a previsibilidade”, remetendo às suas gestões anteriores, o que é para lá de controverso tendo em vista o período em que Guido Mantega esteve à frente do Ministério da Fazenda, marcado por distribuição de benesses para empresas ineficientes, projetos de investimento malsucedidos, manipulação e degradação das contas públicas.

Discurso vago, quando não contraditório. Tudo isso sem o aprofundamento que seria esperado do novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Combinar a expansão dos gastos e, ao mesmo tempo, garantir a sustentabilidade das contas públicas requer reformas estruturais para conter as despesas obrigatórias, o que não foi sequer sinalizado.

Lula é um pragmático. Não é um reformista e tampouco demostra convicção sobre a disciplina fiscal. Só mudará de rumo quando perceber a deterioração na economia. Difícil é saber qual o limite para isso, o que tende a alimentar incertezas e volatilidade.

Desvincular o tempo da economia e o tempo da política parece ter sido a escolha de Lula, mas há efeitos colaterais. Prejudica-se a confiança de investidores, empresários e consumidores, e se reduz a margem de manobra no futuro, em função das promessas feitas. Ademais, dificulta o trabalho do time econômico.

Se o presidente está preocupado com a governabilidade, melhor não descuidar da economia, para garantir empregos e inflação baixa