Assim que assumiu como CEO da BRF no fim de 2022, Miguel Gularte criou uma rotina com os 80 principais executivos da dona das marcas Sadia e Perdigão.
Todas as segundas-feiras pela manhã, por volta das 8h, eles se sentam em frente a um painel que mostra todos os detalhes das 44 plantas industriais da empresa espalhadas pelo Brasil e pelo mundo.
É nesse momento que a diretoria da BRF enxerga quais unidades estão sendo mais eficientes e entende os motivos por trás disso – e quais boas práticas podem ser replicadas em outras plantas.
“O futuro da BRF é decidido todas as segundas-feiras, bem cedo,” Gularte disse ao Brazil Journal.
É uma virada de estratégia em relação às gestões anteriores, que, para Gularte, focaram muito no top line sem dar tanta atenção à operação.
Na gestão de Lorival Luz, o ambicioso plano “Visão 2030” pretendia fazer a empresa chegar aos R$ 100 bilhões de faturamento até o fim da década. (Hoje a BRF fatura R$ 61 bi.)
Aquele plano ficou no passado, assim como os guidances, que Gularte parou de fornecer ao mercado.
Mesmo assim, agora controlada pelo empresário Marcos Molina, da Marfrig, a BRF voltou aos tempos de bonança, o que muitos acreditavam ser difícil de acontecer depois da empresa ter sete CEOs nos últimos dez anos.
A empresa, responsável por exportar um em cada quatro frangos no Brasil, viu sua receita líquida subir 14,5% em 2024. Ao mesmo tempo, reverteu um prejuízo de R$ 1,8 bilhões para um lucro de R$ 3,7 bilhões.
O EBITDA ajustado, por sua vez, mais que dobrou, de R$ 4,7 bilhões R$ 10,5 bilhões, enquanto a alavancagem caiu de 2x para 0,8x em um ano.
A companhia viu sua ação valorizar 89% no ano passado, uma das maiores altas do Ibovespa.
Mas desde o início do ano, o mercado voltou a ter dúvidas.
O cenário macro desafiador e dúvidas sobre a real efetividade do turnaround de Gularte estāo levando o mercado a punir a ação – a terceira maior queda do Ibovespa em 2025, atrás apenas da Brava Energia e da Natura&Co, que teve um crash semana passada.
“Há muitas dúvidas no mercado em relação à recuperação da BRF: se é algo conjuntural, ajudada pelo superciclo do frango, ou se realmente foi algo estrutural da porta para dentro,” disse um analista que acompanha o papel. “A BRF ainda sofre pela imagem do passado.”
Gularte, obviamente, discorda dessa visão. “Num cenário bom, uma empresa eficiente performa melhor. Num cenário ruim, ela sofre menos,” disse.
Com o foco redobrado na operação, a empresa vem medindo todos os indicadores possíveis dentro de suas operações. “Mas não basta medir, precisa garantir que os números são confiáveis,” disse o CFO Fábio Mariano. “Por isso, criamos uma auditoria interna para validar cada ganho de performance.”
Logo nas primeiras semanas da gestão de Gularte, os executivos fizeram um pacto dentro da empresa: capturar bilhões de reais em eficiência com melhores práticas. A BRF não divulga o número exato.
Os executivos começaram então a fazer a lição de casa. Um dos pontos a melhorar era a ineficiência no transporte dos produtos da planta para os portos.
“Antes a BRF carregava os produtos da planta para um depósito, depois para outro, e depois para o porto. Agora carregamos direto da fábrica para o contêiner, e do contêiner para o navio,” disse Gularte.
Resultado: o percentual de produtos carregados direto da fábrica para o contêiner de exportação subiu de 34% para 90%.
Além disso, a empresa passou a trabalhar melhor seu estoque. Se antes a BRF tinha cerca de 60 mil toneladas de produtos estocados sem venda, hoje trabalha com 8 mil toneladas.
A dona da Sadia e da Perdigão também passou a trabalhar na redução de perdas medida pelo FIFO (First In First Out), que caiu de 8% para 0,9% em um ano.
“Isso significa que chegava um ponto em que a BRF precisava dar descontos de até 70% em certos produtos para conseguir vendê-los – e hoje o índice está abaixo de 1%,” disse Mariano.
A empresa também fez diversas melhorias nos processos industriais e atuou nos mínimos detalhes. Os executivos das fábricas perceberam, por exemplo, que se regulassem melhor uma máquina de desossar, seria possível recuperar 10 gramas a mais de carne em cada frango.
“Isso parece pouco, mas no fim do ano significa milhões,” disse Gularte.
Resultado: a empresa não só conseguiu bater o plano inicial de geração de caixa como o superou em quase 20% em 2023 e outros 18% em 2024.
Para completar, a empresa apresentou fortes reduções nos custos de produção, na mortalidade dos animais e apresentou crescimento no rendimento in natura.
“Nós conseguimos uma fábrica nova sem investir um real. Como? Melhorando a eficiência fabril. Isso nos permitiu crescer sem precisar gastar bilhões em novas unidades,” disse Mariano.
Mesmo assim, o mercado está de olho em um possível fim do superciclo do frango, “e ninguém quer estar comprado em fim de superciclo,” disse outro analista.
Os executivos não veem um desequilíbrio entre demanda e oferta, e Gularte define o momento como “saudável”. Mas, segundo eles, um dos pontos que a BRF trabalhou nesses últimos anos foi na diversificação de mercados.
Por isso, nos últimos dois anos, a empresa habilitou 175 novos destinos para exportação a partir das suas fábricas.
(Isso não quer dizer que a empresa está exportando para 175 novos países, mas que um mesmo país pode aceitar produtos de diferentes plantas da BRF)
“Isso significa que, se um mercado A, B ou C piorar, nós temos mais de 170 mercados para escolher,” disse Gularte.
Outra preocupação do mercado é com o preço do milho, que é usado na alimentação dos frangos e chega, juntamente com a soja, a representar de 35% a 40% do custo de produção da BRF.
O aumento na demanda pelo grão, além de estoques reduzidos, fizeram a saca do milho disparar 40% em doze meses.
Mariano disse que, para se proteger, a BRF criou um processo próprio para saber o impacto dos insumos em seus custos: enviou pessoas para as lavouras nos Estados Unidos, Argentina e Brasil para verificar o desenvolvimento das safras.
Por isso, ele acha a BRF mais preparada que os concorrentes para enfrentar esse momento.
“Nós temos tido uma performance muito boa na área de grãos porque nosso modelo preditivo é extremamente acurado,” disse Mariano.
Para este ano e o próximo, Gularte admite que está à procura de oportunidades de M&A após a empresa conseguir diminuir a alavancagem.
No fim do ano passado, a BRF comprou 26% da Addoha Pultry Company, uma das maiores fabricantes de frango da Arábia Saudita, por quase US$ 85 milhões.
Gularte disse que a empresa está pesquisando novos mercados e deu como exemplo a compra de 50% da Gelprime, uma fabricante de gelatina e colágeno localizada em Ibiporã (PR) por R$ 312,5 milhões.
“É um setor que paga mais pelo produto, com uma demanda global crescente e menos volatilidade do que o mercado tradicional de proteínas,” disse.
Mas sobre a entrada em novas proteínas, como a JBS fez com a Mantiqueira, o CEO desconversa.
“Estamos sempre de olho em novas oportunidades,” disse.