Desde que fez seu IPO há exatos 20 anos, a Ultrapar sempre foi uma das ações mais valorizadas da Bolsa. Os investidores pagavam múltiplos parrudos por seu fluxo de caixa recorrente, sua liderança de mercado e uma governança que alinha o management com os acionistas minoritários.
Nos últimos anos, no entanto, essa imagem sofreu fissuras. A Ultrapar errou a estratégia na distribuição de combustível (seu principal negócio) e, em apenas um ano e meio, seu valor de mercado caiu para menos da metade.
E daqui para frente? Mais do que um marketing vitorioso, o posto Ipiranga vai voltar a ser fonte de boas notícias? Como fica a Ultragaz em meio à consolidação do setor? E como a empresa aproveitará as oportunidades criadas pelo downsizing da Petrobras?
Ninguém mais apto para falar sobre a estratégia do que o chairman da companhia, Pedro Wongtschowski. Membro do grupo de acionistas que controla de fato a empresa com quase 30% do capital, Pedro está na Ultrapar desde 1977.
Abaixo, os melhores trechos da conversa com o Brazil Journal, que aconteceu na última terça.
A Ultrapar hoje é uma empresa com cara de corporation, porque tem um free float muito alto e uma única classe de ações, mas na prática ela possui um bloco de controle. Este bloco é formado por executivos como você, herdeiros da família Igel e outros. Muita gente no mercado diz que a empresa poderia se beneficiar de um acionista de referência. Como você vê essa discussão?
A Ultrapar tem um sócio de referência que é esse conjunto de executivos, ex-executivos e herdeiros dos acionistas originais, que têm em conjunto cerca de 30% das ações. São essas pessoas que definem a estratégia de longo prazo, mantêm os princípios gerais dos fundadores, e têm hoje um sistema de governança no qual a maioria dos conselheiros são independentes. Portanto, a resposta é que a Ultrapar tem um acionista de referência, que tem cuidado da companhia exemplarmente desde o seu IPO e pretende continuar a fazê-lo no futuro.
Historicamente a Ultrapar negociou com prêmio em relação às concorrentes e hoje negocia com desconto. Na sua visão, o que fez o valor de mercado da empresa cair?
Primeiro, o valor objetivo dos resultados da companhia, que piorou. Segundo, as expectativas de crescimento futuro da companhia, que está um pouco mais nebuloso do que esteve no passado.
E o que estamos fazendo a respeito?
Primeiro, uma mudança substancial no conselho de administração, trocando 40% dos membros do conselho e trazendo um expressivo reforço de pessoas de fora, com excepcional track record. Nesta renovação do conselho, tivemos o cuidado de ter diversidade e de ter as maiores áreas de atuação da companhia devidamente cobertas.
Além disso, criamos para nossas empresas a figura do conselho consultivo. Uma empresa holding, com cinco negócios diferentes, tem muita dificuldade de discutir em detalhes a estratégia e as operações nas suas reuniões de conselho. Então, criamos para cada uma das cinco empresas um conselho consultivo, com especialistas externos da área, que fazem uma reunião mensal onde analisam detalhadamente resultados, operações, pessoas, estratégia e investimentos daquele negócio.
Estamos também fazendo uma renovação da nossa equipe de gestão. Dos nossos cinco negócios, três deles [Ipiranga, Extrafarma e Ultragaz] já fizemos a sucessão, trazendo gente nova rejuvenescendo as administrações da companhia. Na Ultragaz, passamos de uma idade média de 55 anos na diretoria executiva para 45 anos. Estamos renovando nosso sistema de gestão, sempre com uma combinação de gente de fora e de dentro, para também trazer um pouco de sangue novo.
E o que está mudando na estratégia?
Estamos revendo a estratégia de cada um dos negócios, visando melhorar a posição competitiva e principalmente identificar e explorar novas alavancas de geração de valor.
Na Ipiranga, temos duas pérolas ocultas. Uma é o nosso programa Km de Vantagens, que tem 32 milhões de CPFs registrados. É, de longe, o maior programa de fidelidade do Brasil. Ou seja, nós conhecemos 32 milhões de clientes e 11 milhões desses clientes usam o sistema pelo menos uma vez por mês – isso é, recebem pontos de vantagem e usam. Nós estamos sentados nesse patrimônio que hoje, no tempo das fintechs, tem um valor imenso e ainda inexplorado.
Quais opções estão na mesa?
A nossa intenção é monetizar de alguma forma esse ativo. Estamos explorando diversas formas de monetizar. E tenho que parar por aqui.
E qual a segunda pérola escondida?
Somos hoje o segundo maior franqueador do Brasil, atrás apenas do Boticário. As lojas de conveniência Am/Pm têm cerca de 2.100 franquias – e o resultado que a Ipiranga tem disso é muito pequeno. Pretendemos de alguma forma gerar valor a partir disso. Separamos isso dentro da Ipiranga como uma unidade de negócio à parte e trouxemos um gestor especialista na área para gerir o negócio [Marcello Farrel, ex-diretor geral do Bob’s].
A Raízen também segregou o negócio de conveniência e trouxe um parceiro estratégico, a Oxxo. Isso é uma opção para vocês?
Todas as opções estão na mesa. Por exemplo: posso operar as lojas, aumentar o volume de marca própria, fazer associação com parceiro estratégico, fazer loja fora de posto. Tenho múltiplas opções. O cardápio é grande e estamos olhando cada item do cardápio com cuidado.
No mercado, a narrativa é que a Ipiranga perdeu mercado nos últimos anos porque, durante a crise, privilegiou margens, ‘botou preço’, o dono do posto de sentiu apertado e, quando o contrato venceu, foi embandeirar em outros lugares. Essa narrativa é correta? O que vocês estão fazendo de diferente?
É uma narrativa correta. Isso não foi planejado dessa forma, mas o que aconteceu durante um determinado período de tempo foi exatamente isso. Agora, estamos voltando a um patamar de excelência em relação à nossa rede de revenda e já estamos ganhando share de novo. [Dados do setor publicados esta semana mostram que, em agosto, a Ipiranga ganhou 0,5 ponto percentual de share. Desde junho, quando sua participação de mercado bateu na mínima, a empresa já recuperou 1,6 ponto percentual.]
Como o mercado de combustíveis deve mudar com a privatização da BR Distribuidora?
Tende a melhorar, porque vai ser um parceiro racional, lógico, que vai buscar rentabilidade, respeitar contratos e trazer mais estabilidade ao setor, já que a BR antiga buscava mais market share que rentabilidade. Então, nossa expectativa é favorável, acho que o mercado ganha com um player novo competitivo e buscando rentabilidade para seus ativos.
A Petrobras está vendendo suas refinarias, o que pode provocar uma mudança estrutural no mercado de combustíveis. Como vocês vão se posicionar? A Ultrapar vê méritos numa verticalização?
Sim, estamos olhando com muita atenção e nos habilitamos para participar do processo de venda das refinarias. A Petrobras está vendendo, no primeiro bloco, quatro refinarias e, junto com elas, toda a estrutura logística que as acompanha.Estamos olhando com muito interesse e pretendemos participar.
Outra área que o governo vai começar um processo de saída é gás natural. Também estamos olhando com muito interesse.
Quais são as opções no gás natural?
Posso fazer um offtake agreement para comprar gás, posso construir unidades de processamento de gás natural, posso investir nas distribuidoras estaduais de gás natural…
Muitas destas oportunidades exigirão mais capex. Os acionistas deveriam ficar animados com essas oportunidades – ou preocupados com a empresa ter que investir muito, reduzindo o fluxo de caixa livre?
É possível que nosso volume de capex aumente, mas o que não é possível é que nosso grau de endividamento aumente. Nós temos um limite baixo de endividamento, somos uma empresa conservadora, do ponto de vista de dívida, que gira num limite histórico de 3 vezes EBITDA [ao fim do segundo trimestre, o indicador estava em 2,6x]. Portanto, na medida em que haverá demanda de grandes investimentos, há ‘n’ instrumentos que a gente pode utilizar, desde parcerias, sócios, project finance, off balance sheet financing… Todas as alternativas estão na mesa, menos um endividamento exagerado.
Levantar equity [emissão de novas ações] seria uma alternativa?
Pouco provável.
No negócio de farmácias, a Extrafarma vem sofrendo para ganhar tração e, inclusive, está fechando lojas. O que deu errado?
Extrafarma é um negócio em que sofremos um bocado. Nós fizemos uma dispersão geográfica muito grande, tentamos crescer ao mesmo tempo em um número expressivo de lugares e não conseguimos atingir densidade suficiente para ter escala.
Finalmente conseguimos estabilizar tanto a gestão quanto à orientação estratégica para o negócio. Estamos consolidando nossa posição em um número menor de localidades onde somos fortes – como Pará, Maranhão, Ceará, Bahia, Pernambuco e São Paulo –, onde a gente passa a ter mais densidade. Estamos montando centros de distribuição e esperamos que a partir do ano que vem a Extrafarma nos dê muitas alegrias.
Você pode trazer um operador de farmácia para virar sócio?
Sim, podemos. É uma opção perfeitamente possível. No setor farmacêutico, vai acontecer um processo de consolidação, que é um mercado ainda muito pulverizado. E nós somos um player meio óbvio para participar de um processo de consolidação como esse.
E as perspectivas para a Ultragaz?
A Ultragaz é líder de mercado e a empresa mais eficiente do mercado de GLP. E o GLP sofreu no passado primeiro pelo fato de existirem dois preços para ele: o preço em botijão e o preço a granel. A Petrobras vendia o mesmo produto, a mesma molécula, pelo mesmo tubo, e cobrava dois preços diferentes conforme o uso que você dava a esse produto. O preço do produto a granel era muito mais alto do que devia ser e tinha uma posição de competição muito difícil com outras formas de energia. Já foi anunciado o término disso. A diferença já foi de 60%, hoje está em 5%. Agora, com um preço só para o GLP, abre-se muito espaço para aumentar as vendas de gás a granel, segmento em que a Ultragaz é líder absoluta de mercado, com 32% de market share.
Anos atrás, a Oxiteno tinha uma margem de 18% e ela gira em torno de 12%. O que aconteceu?
Fizemos um investimento grande nos EUA, de US$ 200 milhões em uma planta de especialidades químicas, e esse investimento teve um ramp up mais lento que o previsto originalmente. Mas finalmente neste ano e especialmente a partir do ano que vem nossa perspectiva já é aumentar significativamente o volume de operação e a colocação dos produtos no mercado americano.
Além disso, este ano tem sido um ano muito ruim em geral para a indústria petroquímica. Apesar das nossas especialidades químicas continuarem com margem históricas e estáveis, a parte de commodities – que representa 30% das vendas da Oxiteno – está sofrendo neste ano por conta da queda no mercado internacional. Há ainda a deterioração do mercado argentino, que é um dos principais destinos das nossas exportações.
Completando o conjunto de empresas: o que esperar para a Ultracargo?
A Ultracargo é nosso negócio de infraestrutura. Estamos expandindo os terminais onde podemos expandir. Ganhamos uma licitação recente lá em Vila do Conde, no Pará, e estamos expandindo Itaqui. A importação de combustíveis está subindo muito e vai continuar crescendo, porque não tem refinaria em construção no Brasil. A demanda por armazenagem líquida está crescendo e somos o principal player desse mercado no Brasil.
Dentro dessa revisão de portfólio, vocês consideram sair de algum dos cinco negócios?
Essa é uma pergunta que a gente se faz toda vez que fazemos nosso planejamento estratégico. Se você me perguntar: ‘seu conjunto de empresas hoje é igual ao que você vai ter em cinco anos?’ A minha resposta é não. ‘Qual vai ser?’ O que eu não sei eu não respondo, e o que eu sei eu não posso te responder. [risos]
A nafta brasileira é uma das mais caras do mundo, e em parte por causa disso a petroquímica brasileira sempre foi protegida por alíquotas de importação muito altas. Conhecendo as ideias do Paulo Guedes, o que você acha que vai cair primeiro: o preço da nafta ou as alíquotas?
[Pausa breve] Pergunta lá no posto Ipiranga [risos].