Dois anos atrás, quando a luz no estado de Goiás piscava como um vagalume, irritando a população e causando prejuízo às empresas, o Governador Ronaldo Caiado chegou a conversar com a Aneel sobre a possibilidade de cassar a concessão da CELG-D, a distribuidora de energia controlada pela Enel. 

Naquele momento, no entanto, muita gente do setor privado se opôs à ideia, argumentando que uma cassação geraria instabilidade jurídica e regulatória. 

No final, a Enel não foi cassada – e ainda saiu por cima: vendeu a CELG-D à Equatorial por R$ 1,6 bilhão em equity value, e passando adiante uma dívida de R$ 5,9 bi.   

Agora, mesmo levando-se em conta a gravidade do evento climático ocorrido em São Paulo, a mesma debilidade operacional da Enel está à mostra na maior economia do País, com a demora em religar a energia.

Em meio à confusão gerada, muita bobagem tem sido dita. 

Um respeitado comentarista chegou a dizer, sobre a situação em São Paulo, que a solução é instalar painéis solares na casa de todo mundo, “para que as pessoas possam depender menos da distribuidora” – uma afirmação que chega a ser cômica por ignorar a natureza interligada e o funcionamento econômico do sistema elétrico. 

O drama de São Paulo – onde 500.000 pessoas ainda continuam sem luz – também assanhou as vozes retrógradas de sempre, que se levantaram para criticar a privatização, como se o País estivesse melhor se o telefone, a rede elétrica e o tratamento de esgoto ainda fossem estatais. 

É um caso clássico dos justos pagando pelos pecadores. O País tem inúmeras empresas de qualidade no setor elétrico, que geralmente são reconhecidas pelos múltiplos em que elas negociam na Bolsa. A Enel, infelizmente, nunca fez parte deste clube. 

Além de Goiás, e agora São Paulo, a empresa também presta um serviço abaixo da média no Ceará, onde é dona da Coelce, e no Rio, onde tem a Enel-Rio. Num ranking da Aneel que mede a qualidade de serviço das 29 distribuidoras do País, a Enel SP ocupa a 19ª posição, enquanto a Coelce e Enel-Rio estão ambas em 23º lugar.

A responsabilidade por fiscalizar e punir maus operadores é a obrigação – e a própria razão de existir – da Aneel, que, no entanto, não consegue desempenhar bem suas funções.

Já faz muitos anos que o velho processo de aparelhamento das agências reguladoras voltou a ser um modo de vida em Brasília. As diretorias da Aneel, ANP, CADE e outras tantas agências criadas para fiscalizar e regular o setor privado são frequentemente negociadas no balcão do Congresso – ora com lideranças conhecidas, ora com um baixo clero anônimo, mas todos com interesses pessoais, paroquiais e, frequentemente, transacionais. 

Já o interesse público – aquele ente difuso, que no final do dia significa proteger a Dona Maria e o Seu José – não tem padrinhos nem lobistas.

Enquanto a sociedade não entender que as agências existem para protegê-la – e que, como tal, sua composição não pode ser transacionada como secos e molhados – continuaremos todos no escuro, talvez literalmente.