A correção na Nasdaq não mudou a cabeça de Alexandre Silverio, que como chief investment officer da AZ Quest administra mais de R$ 17 bilhões, dos quais quase R$ 7 bi em estratégias de ações.


10058 59e6a098 383e 005f 0000 0b5d78833a90Com 25 anos de mercado, Silverio ainda acha que é hora de comprar empresas de alto crescimento com múltiplos gordos, nomes como Magazine Luiza e Mercado Livre. Ele também tem tentado surfar o tsunami de liquidez criado pela Selic a 2% apostando na tese do financial deepening — a democratização de serviços financeiros que beneficia diretamente a XP, o BTG e a B3.   


“Eu consigo pagar múltiplo alto porque no futuro essas empresas vão me trazer retornos muito elevados e meu custo de carregar esse crescimento hoje é muito baixo,” diz. “Algumas dessas empresas estão caras por um bom motivo.”

Nesta conversa com o Brazil Journal, Silverio falou sobre as posições que melhor expressam suas três teses principais — empresas de alto crescimento, financial deepening e commodities.  

Como é que o múltiplo que você está disposto a pagar por uma empresa muda com uma Selic a 2%?

A primeira questão é que, no Brasil de hoje, qualquer comparação de múltiplo histórico é imprecisa. Por quê? Há duas razões principais. O Ibovespa foi mudando muito ao longo das décadas… já foi muito concentrado em telecom, commodities e hoje é muito concentrado em bancos.  Mas olhando de forma mais direcionada, para uma empresa específica: num ambiente em que temos uma taxa de juros de longo prazo bem mais baixa que a histórica, o retorno do capital necessário para avaliar se essa empresa está cara é bem menor do que no passado, e isso já deveria demandar uma expansão de múltiplo, desde que justificado por uma perspectiva de geração de valor no futuro.

Desde abril, tivemos uma aceleração de tendências muito grande no Brasil e no mundo — o ecommerce é um ótimo exemplo — combinada com uma percepção de que com esse juro baixo, o componente mais importante no valuation das empresas  se concentra ainda mais na perpetuidade. Dessa forma, o lucro de curto prazo perde importância. Mas, assumindo que  essa empresa vai gerar um bom retorno no longo prazo e com os juros ficando baixos, o carrego dessa história fica mais interessante.

Eu não gosto muito desse dilema de “growth vs value”. Eu quero comprar um negócio que vai gerar retorno no longo prazo. Por isso acredito que algumas dessas empresas de growth, de tecnologia, estão caras por um bom motivo. Porque elas vão ser capazes de, no seu valor terminal, gerar retorno para o acionista acima do que está precificado hoje no mercado.

O que pode mudar essa tese? 

Quando as pessoas perceberem que a economia se normalizou e os estímulos forem retirados, sejam fiscais ou monetários. Nesse momento talvez a gente volte para uma tese de que não tenha que pagar tanto pelo growth, e sim pela capacidade de gerar resultado no curto prazo. E uma das condições básicas para isso é a vacinação em massa. O que acho que está acontecendo esses dias na Nasdaq é que o mercado talvez tenha começado a acreditar que a vacinação em massa pode vir mais cedo do que se esperava. Isso talvez faça com que uma normalização da situação econômica e situação monetária e fiscal seja também antecipada e a gente saia um pouco do growth para o modelo de value

Mas eu acho que ainda é muito cedo para apostarmos nisso, seja na vacinação em massa, seja numa mudança estrutural, principalmente por causa do juro. Eu acho que mesmo num ambiente em que você tenha uma retomada da economia, em que as pessoas se sintam seguras para consumir e circular, os bancos centrais não vão ter pressa (e o Jerome Powell falou disso recentemente, que vai tolerar uma inflação acima da meta para uma média de inflação ao longo do tempo). Então, eu não acredito nessa retórica. Sigo na tese de que o growth vai continuar indo bem. 

Quais posições de vocês expressam essa tese de growth no portfólio?

Quando eu olho uma Magazine Luiza, por exemplo, essa foi a nossa tese em 2017, quando compramos pela primeira vez… Naquela época já parecia que tinha subido muito, mas a gente olhava e via como a empresa estava se transformando para se capacitar para, no futuro, transformar aquele múltiplo altíssimo em retorno para o acionista. Isso foi verdade ao longo do tempo e foi, ainda mais verdade, agora durante a pandemia. A companhia cresceu, se adaptou e se transformou em poucos meses no que ela talvez levasse alguns anos. 

Num trimestre tão desafiador, a Magalu foi capaz de crescer as vendas totais (lojas físicas + e-commerce) quase 50%. Isso é um resultado incrível e que também suporta a nossa tese de corporate inequality (as vantagens competitivas de empresas vencedoras)…. Mas o que ainda nos anima a manter posição na empresa, mesmo depois da alta do papel nos últimos anos, é que ela vem se capacitando em várias frentes como novas categorias de produtos, capacidade logística e tecnologia de pagamentos para manter a sua posição de vantagem competitiva em relação a quase todos os seus concorrentes. Acho que a Magalu é uma companhia que representa o futuro do varejo no Brasil e, mais que isso, provavelmente uma das que mais tem condições de se transformar num super aplicativo como o que já temos hoje na China, com o WeChat e o Alipay.

Vocês também têm a tese do financial deepening. Quais empresas têm que expressam isso?

Temos três posições principais que expressam isso: XP, BTG e B3. E o interessante é que hoje eu até vejo uma delas como hedge da outra. 

O BTG é uma aposta no amplo sentido do financial deepening, não só do investment banking, mas de outras iniciativas que ele tem em diversas áreas. Hoje, o BTG é uma grande holding. É claro que o banco é o principal, mas ele tem várias iniciativas de destravamento de valor em áreas distintas, na parte digital e de seguros, por exemplo. O BTG hoje está se colocando como alguém que vai destravar muito valor de várias iniciativas nesse ambiente de busca por crédito e investimento fora dos grandes bancos. 

Em relação à B3, o grande risco dela é a competição. A empresa está muito bem. Vai ter um volume muito significativo e surpreendente ao longo de 2020, está lançando novos produtos, não tem muita novidade para falar disso. Mas sempre se coloca como um risco a questão de que pode entrar um novo concorrente ou novos produtos de Bolsa. Até hoje, tem uma certa discussão se vamos ter uma nova Bolsa no Brasil ou se o advento de dark pools vai ganhar relevância no mercado. 

Eu acho que a XP por sua vez é um negócio que funciona nos dois mundos. No mundo do BTG em alguns aspectos ela é o grande beneficiário dessa popularização do mercado de capitais no Brasil, com iniciativas cada vez maiores de prover produtos dos mais diversos tipos, inclusive produtos bancários e de investment banking. Além disso, por ser uma das maiores corretoras de varejo, com várias marcas líderes  (Clear, Rico, XP) ela pode ser uma empresa que vai se beneficiar também dessas piscinas de trading. Ela não expressou nenhum interesse publicamente em fazer isso, mas ela tanto pode criar um dark pool quanto participar de um pool com outras corretoras que vão implementar esse sistema no Brasil. Seria natural dado o fluxo tão grande que ela tem. 

Minha tese de B3 é que isso parece muito bonito de falar, mas que o impacto não é tão significativo assim. Claro, a B3 já subiu bastante, tem um múltiplo alto, e por isso as pessoas começam a olhar riscos potenciais, mas no fundo no fundo não acho que nem a competição nem a implementação de dark pools no Brasil vão significar um grande dano no resultado. Mas o que digo em relação a XP é que ela está preparada para qualquer cenário, inclusive de criar algum tipo de competição nesse mercado de corretagem/dark pool.

O BTG é uma posição grande de vocês já há algum tempo. Desenvolve um pouco mais essa tese. 

Eu acho que o BTG hoje tem uma capacidade de geração de negócios que poucos bancos e instituições têm. Quem vai ter capacidade e tração para fazer um business de mercado de capitais forte? Se o BTG quiser entrar realmente nessa briga de uma maneira ainda mais efetiva ele vai conseguir. Além disso, quando ele vai para essa diversificação de negócios é uma oportunidade que ele jamais teve, que é acesso a um tipo de funding de varejo que ele nunca teve para fazer atividades bancárias e de investment banking. Ele vai poder jogar esse jogo do financial deepening oferecendo produtos e alavancando o balanço dele para fazer todo o resto que ele sempre fez muito bem. Então acho que ele tem uma posição única. Já é um cara vencedor de investment banking, e não é a toa que ele está indo para a briga, para tentar aumentar a base de financial advisers… é por causa dessa capilaridade que ele enxergou que consegue alavancar muito mais as linhas de negócio dele. O BTG vai ser capaz de alavancar o balanço, e continuar fazendo várias outras coisas que ele já fez no passado.  

Vocês também têm algumas posições em commodities, principalmente Vale. O que explica essa posição dado a tese de growth de vocês?

É uma espécie de hedge para se tivermos errados na tese doméstica. E nessa tese salta os olhos o valuation de Vale. A Vale teve uma destruição, um de-rating muito grande nos últimos anos, em função de tudo que aconteceu desde o acidente de Brumadinho. Acho que a Vale vem tomando uma série de iniciativas, inclusive de ESG, mas ela tem sido uma empresa que — apesar de ter mostrado resultados muito consistentes ao longo dos últimos trimestres e com uma perspectiva de geração de resultado muito forte para frente — não tem conseguido recuperar esse de-rating. 

Mas eu acho que em algum momento o mercado vai voltar a olhar para Vale como uma empresa que está entregando resultado mesmo com uma margem de segurança muito grande no preço do minério que garante um valuation muito atrativo. O que eu quero dizer com isso? Hoje, o minério está a US$ 120. Se colocarmos na nossa conta US$ 80, ou seja, colocando uma margem de segurança de que o preço de minério este ano está muito distorcido porque os importadores chineses fizeram muitas compras este ano, mesmo assim ela está barata. 

Com o minério a US$ 120, o múltiplo EV/EBITDA da Vale está 3,6x para o ano que vem, na nossa conta. Se colocarmos essa margem de segurança (jogando o minério para US$ 80) ainda assim a companhia vai estar numa faixa de 4,5x o EV/EBITDA.

Por que o mercado não está vendo isso?

Acho que o mercado está muito deslocado porque ainda tem um legado grande do que aconteceu em 2019 na companhia e toda a discussão de ESG. Ela tem feito um bom trabalho nisso, mas os investidores ainda não estão comprando essas mudanças. Acho que a empresa ainda não foi bem sucedida em comunicar aos investidores as mudanças que ela fez em termos de ESG, nas barragens, nos processos produtivos. 

Bancos: estão caros ou baratos?

Não estão caros. Mas é o típico caso que tem que tomar cuidado com os múltiplos. Comparado com as médias históricas eles parecem estar abaixo, mas o importante é olhar o retorno para frente, qual vai ser o retorno sobre o capital investido, o retorno sobre o equity, num horizonte mais longo. E a minha sensação é que o tipo de retornos que tínhamos nos bancos há alguns anos não se repetirão. Dito isso, os bancos estão caríssimos? Não, pelo contrário. Os bancos estão baratos, mas por um bom motivo. O fato de que dificilmente eles vão conseguir repetir o tipo de retorno, de margens que eles tinham no passado. Por isso, estamos menos expostos em bancos hoje. 

É fato que vai ter uma redução de receitas, com a pressão competitiva. Mas os bancos também devem ter uma redução de custos grande com o fechamento de agências, digitalização, etc. Você acha que uma coisa não compensa a outra?

Eu acho que na prática, a principal linha que vai determinar é a capacidade deles crescerem crédito no ambiente em que eles vão ter um retorno sobre esse crédito menor do que no passado. Eles ainda tem uma posição competitiva no mercado de crédito muito boa, está aumentando a competição, mas os bancões ainda tem uma vantagem competitiva muito grande nesse mercado que vai ser difícil de mudar. Mas aos poucos a tendência é que essa competição, que hoje é bem mais pesada em investimentos, por exemplo, também vá para o crédito. 

Os bancos vão continuar gerando excelentes resultados e sendo extremamente lucrativos. Mas a minha sensação é que no relativo ao que eles geravam no passado eles vão ter retornos menores. Só temos uma posição pequena em Banco do Brasil, mas porque ele é o que está mais descontado.