No xadrez da consolidação do ensino superior, uma bela ironia está se impondo: o atrativo da fusão anterior passa a ser um impedimento para a próxima.
Na avaliação do Morgan Stanley, o mais provável é que, para dar sua benção à compra da Estácio pela Kroton, o Cade exigirá a venda da Uniderp, a unidade de ensino à distância (EAD) que a Kroton herdara da Anhanguera, com 153 mil alunos, e que foi o principal atrativo para a aquisição fechada em 2013.
Essa possibilidade já havia sido levantada em parecer prévio feito pelo escritório Tozzini Freire a pedido da Estácio, enquanto as negociações ainda estavam em curso. Na peça, os advogados apontavam que a Uniderp era a única operação com porte relevante para aplacar as preocupações antitruste em relação ao ensino à distância (mesmo sem a Estácio, a Kroton já tem 40% do EAD em âmbito nacional).
Abrir mão da Uniderp, contudo, significa entregar boa parte das sinergias da compra da Anhanguera. E a Kroton não vai desistir fácil.
Para ganhar o aval do Cade, seu plano A é vender a operação de ensino à distância da Estácio – aqui, ao contrário, o appeal do negócio foi a operação presencial, que dá acesso a mercados do Rio de Janeiro e do Norte e Nordeste, onde hoje a Kroton tem pouca presença.
Para isso, a companhia teria que se desfazer da UniSEB, que atua apenas no EAD, e ‘fatiar’ a Universidade Estácio de Sá (Unesa), a principal marca da Estácio, e que atua tanto no EAD quanto no presencial. E é aí que mora o problema: hoje a lei veta a transferência de cursos e programas entre instituições e a transação só seria possível com uma ajudinha do Ministério da Educação, que até agora não se mostrou muito contente com o negócio.
Em um relatório recente, os analistas Javier Cerdan e Thiago Bortoluci, do Morgan Stanley, tentaram metrificar três cenários possíveis no Cade.
Em todos eles, consideram que a nova empresa vai ter que se desfazer de algumas unidades de ensino presencial em cidades onde há grande sobreposição. Isso vai cortar 4% da receita da empresa pós-fusão.
No ensino à distância, o melhor dos cenários, de fato, seria a venda da UniSEB e da fatia de EAD da Unesa, que cortaria outros quatro pontos percentuais do faturamento da nova empresa. Assim, somando a venda do EAD e do presencial, a perda de faturamento seria de 8%. Para o Morgan Stanley, a chance de isso ocorrer é de 25%.
No pior cenário, o Cade pode exigir a venda da UniSEB e de toda a operação da Unesa, incluindo o ensino presencial (149 mil alunos). Nesse caso, a perda de receita chegaria a 16% e poderia ser um deal breaker, já que o acordo fechado entre Kroton e Estácio prevê que o negócio pode ser revisto caso os ‘remédios’ antitruste impliquem a diminuição de até 15% da empresa combinada. Para o Morgan Stanley, a probabilidade é relativamente baixa: de 15%.
O cenário mais provável, 60%, é a venda da Uniderp, que representa 6% do faturamento. E, apesar de não ser ideal, ponderam os analistas, tampouco seria uma tragédia.
Neste caso, a perda de sinergias com a Anhanguera seria relevante: R$ 1,9 bilhão a valor presente, nas contas do banco. Porém, considerando os múltiplos da venda da Uniasselvi — que a Kroton teve que vender quando comprou a Anhanguera — a empresa poderia embolsar R$ 1,8 bilhão, compensando em parte o efeito.
As sinergias do negócio com a Estácio ainda seriam altas, de R$ 590 milhões anuais.