Desbravando um mercado sem fluxo e cada dia mais desconfortável com a eleição, as operadoras de planos de saúde Hapvida e Intermédica estão vendo forte demanda por seus IPOs, rechaçando o temor de que competiriam pelos mesmos investidores e mostrando a força do setor de saúde como tese de investimento secular no Brasil.

Com uma demanda de cerca de 3,5 vezes a oferta, a Intermédica decidiu antecipar para esta quarta-feira o fechamento do seu book, e a oferta deve sair próxima do ponto médio da faixa, a R$ 16. A Hapvida, que ainda está em fase de apresentações a investidores nos Estados Unidos e precifica sua oferta no dia 23, caminha para uma demanda pelo menos tão alta quanto a da concorrente.

As duas companhias têm sinistralidade baixa e margens elevadas graças a seu modelo de negócios verticalizado: a maior parte dos atendimentos ocorre na rede de hospitais própria, permitindo às empresas controlar melhor os custos e suavizar a disparada da inflação médica.

Se ambas saírem no ponto médio da faixa, a Hapvida valerá quase R$ 16 bilhões na Bolsa, e a Intermédica, R$ 7,8 bilhões. A Intermédica faturou R$ 5,3 bilhões ano passado, mas lucrou cerca de um terço do resultado da Hapvida, que registrou receita de R$ 3,85 bilhões.

Em múltiplos, a Hapvida está sendo vendida com prêmio em relação à Intermédica, numa faixa que varia de 18 a 22 vezes o lucro para 2018, enquanto na Intermédica esse intervalo vai de 16,5 a 20 vezes. Para efeito de comparação, a Sul América — hoje a única empresa de seguro saúde listada em bolsa, mas que não é verticalizada — negocia a 11 vezes lucro.

Apesar da semelhança na superfície, Hapvida e Intermédica guardam diferenças importantes.

Fundada em 1979 em Fortaleza pelo oncologista Cândido Pinheiro de Lima, a Hapvida é uma empresa de controle familiar — e os Pinheiro continuarão com 75% da companhia após a oferta, se forem vendidos os lotes adicional e suplementar. 10370 b6051da3 1b1c 0000 0000 96f0274bf72a

Nas conversas com investidores, o CEO Jorge Pinheiro de Lima — filho do fundador — comparou o estilo de gestão da companhia ao da M. Dias Branco, a gigante cearense de farinhas e biscoitos, para ilustrar o comprometimento com o negócio. Geraldo Luciano, da M. Dias Branco, está no conselho. 

Com 3,9 milhões de beneficiários, a Hapvida reina praticamente sozinha no Norte e Nordeste, cobrando um tíquete médio de R$ 160 por mês e atraindo clientes que antes dependiam apenas do SUS. “Eles não precisam roubar share de outras operadoras: a fonte de demanda é praticamente orgânica”, diz um gestor. A margem EBITDA é de 21%.

A Hapvida é integralmente verticalizada: 96% de suas internações são feitas na rede própria, que inclui 24 hospitais, 18 pronto-atendimentos e 73 Hapclínicas. A companhia tem uma sinistralidade (a proporção entre os gastos e a receita gerados por paciente) de 60%, enquanto no mercado a maioria das operadoras luta para fazer 80%-82%.  A SulAmérica, a melhor do mercado, faz 78%.

A Hapvida afirma que consegue cobrar pouco e ganhar muito porque tem protocolos rígidos. Os pacientes não podem ver especialistas sem antes consultar um clínico geral; os conveniados são identificados por biometria para evitar fraudes; e há um prontuário eletrônico para cada paciente contendo seu histórico, desde consultas ambulatoriais até procedimentos hospitalares.

Um exemplo dado pelo CEO durante o roadshow ilustra a economia: enquanto a maior parte dos hospitais faz exames de tipagem de sangue antes das cirurgias, na Hapvida o prontuário elimina a redundância, poupando o dinheiro desse diagnóstico.

Mas o ‘milagre’ da rentabilidade alta também gera ceticismo: alguns investidores acham que a empresa é agressiva na chamada ‘gestão de fila’, impondo dificuldades burocráticas para conceder atendimentos de maior complexidade (e mais caros).

Outro fator que chamou atenção foi a recente investida da família Pinheiro em negócios de mídia. Começando em 2014, a família comprou algumas retransmissoras locais do SBT, da Record e da Band, além de estações de rádio, e teve uma passagem-relâmpago pelo Diário de Pernambuco. O mercado interpretou o movimento como uma tentativa de proteger a imagem da empresa.

A história e as idiossincrasias do controle familiar foram mais palatáveis para os investidores locais, que por enquanto dominam o book de ofertas pelo papel.

Já a NotreDame Intermédica é uma história clássica de private equity, e está atraindo mais os fundos globais especializados em health care. No roadshow, os banqueiros compararam o modelo da companhia com a da Kaiser Permanente, a operadora de saúde californiana non-profit e verticalizada. O controle da Bain Capital — que tem tradição no negócio de saúde — também trouxe uma grife.

Comandada por Irlau Machado — que durante nove anos foi CEO do A.C. Camargo, um dos centros de tratamento de câncer mais renomados do país — a Intermédica é menos verticalizada: cerca de 60% dos atendimentos são feitos em rede própria. A companhia atende 3,6 milhões de beneficiários, principalmente em São Paulo, e cresceu com diversas aquisições, incluindo a Unimed ABC e a Santamália Saúde, que atua na região metropolitana.

10155 676b9232 978d 0000 0000 ef859459877eA sinistralidade da Intermédica é maior do que a da Hapvida — 75% — e sua margem é menor, 13%. “Dá pra ver o copo meio cheio ou meio vazio”, diz um gestor comparando as duas companhias.

“Você pode dizer que a Intermédica é menos eficiente ou que ela tem mais espaço para aumentar a eficiência, da mesma forma que a Hapvida pode ser vista como mais eficiente ou como uma empresa que já chegou no ponto de saturação.” 

A competição em São Paulo é mais acirrada do que no Nordeste, mas a Intermédica vem ganhando share de competidores não verticalizados, como Amil, SulAmérica e Bradesco Saúde. Enquanto as concorrentes repassam uma inflação médica galopante, a Intermédica, por ter um custo mais baixo, tem feito ajustes mais moderados.

“Precisa ver o quanto estão enfeitando a noiva. Confio muito mais num modelo em que a família segue como investidora de longo prazo”, diz um gestor do ‘time Hapvida’.

Com DNAs parecidos e um perfil geográfico complementar, no mercado dá-se como óbvia — ao menos em teoria — uma fusão das duas companhias mais à frente. A Hapvida vai usar parte dos recursos da oferta para expandir seu modelo para o Sul e Sudeste, onde deve concorrer em clientes e ativos com a Intermédica.

“Seria o casamento perfeito. Agora, com o preço estabelecido pelo mercado, pode ser que essa fusão venha a sair do papel”, diz um investidor.

O risco para ambos os casos é o adversário comum: a UnitedHealth, dona da Amil.  A empresa — um gigante de US$ 230 bilhões nos EUA — perde dinheiro no Brasil há três anos  e está tentando acertar o passo, mas não há sinal de que esteja conseguindo. No ano passado, a Amil lançou discretamente o ‘Next’, um plano ‘low cost’ voltado para pessoas físicas e pequenas empresas, com mensalidades que começam em cerca de R$ 150, no Rio e na Grande São Paulo. Por enquanto, ele ainda engatinha.

Uma fonte que conhece ambas as empresas diz que a Hapvida tem que evitar ‘overpromise‘ e ‘underdeliver‘ (prometer demais e entregar de menos).

“A Hapvida provavelmente vai ter um dos melhores IPOs da história do setor de saúde, mas temo que eles não estejam preparados para o que vem depois. Com a empresa listada, qualquer negativa de atendimento vai atrair muita atenção, e a chance de eles não conseguirem entregar é enorme.” Para esta fonte, a Intermédica — que está saindo a um desconto — parece menos atraente agora, mas tem um negócio mais sustentável no longo prazo.

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