A Istoé e a Veja desta semana publicaram uma das capas mais infelizes de suas histórias, ambas retratando o “confronto” entre Lula e Sérgio Moro.

Ao retratarem juiz e investigado como gladiadores em um conflito, as revistas desinformam a população e prestam luxuoso auxílio ao discurso de perseguido do ex-Presidente.

Como profissional da área do Direito, sempre fiquei incomodado com um aspecto da cobertura da Lava Jato pela imprensa: a exaltação da figura de um único juiz, a tentativa de retratá-lo como um herói ou vilão (dependendo do veículo) ou, mais radicalmente, como um salvador da pátria ou inimigo do povo. 
 
É fácil compreender o apelo destas narrativas, que buscam traduzir para o grosso da população uma trama complexa, com centenas de personagens cujas versões se alteram como as nuvens no céu, quase sempre ao sabor dos ventos da prisão cautelar ou da possibilidade de prisão definitiva.
 
A singularidade do momento que estamos vivendo decorre menos da retidão de caráter de um único juiz e mais da força de uma nova geração de servidores públicos que passaram a atuar em casos de grande repercussão e, ao fazê-lo, ajudaram a engrandecer instituições como o Ministério Público e o Poder Judiciário, antes tidos como tolerantes e complacentes.
 
Colocar sobre os ombros de uma única pessoa todo o mérito e todos os defeitos da Lava Jato é um grande desserviço que a imprensa vem prestando ao longo dos últimos anos. Sérgio Moro não é um herói, apenas um servidor público que desempenha bem suas funções. Para manter as esperanças no país, precisamos acreditar (eu acredito!) que há dezenas de outros juízes federais (cite-se, como exemplo, o juiz Marcelo Brêtas, no Rio) que, em seu lugar, atuariam da mesma maneira, oxigenando a instituição em que trabalham.
 
Nada se compara, contudo, às trapalhadas cometidas pela imprensa nas últimas semanas. 
 
Primeiro foi a pesquisa eleitoral do Datafolha, encomendada e veiculada pela Folha de São Paulo, que incluiu o nome de Sérgio Moro numa lista para averiguar intenção de voto. Como nunca houve qualquer manifestação do juiz sobre a possibilidade de vir a ser candidato a qualquer cargo eletivo, este balão de ensaio somente ajuda a difundir a ideia equivocada de que o juiz é opositor e adversário do ex-Presidente. 

E, neste fim de semana, as capas com a mesma ideia ‘brilhante’, que transforma a Justiça num Fla-Flu, e reduz a Política ao ‘nós contra eles’ que está azedando o discurso civil.
 
Não há e nem poderia haver confronto entre juiz e investigado. O que está para acontecer hoje em Curitiba (caso não haja suspensão da audiência por decisão de instância superior) é apenas e tão somente um depoimento. Aliás, nesta fase é garantido a Lula o direito de se calar e até de mentir para não se incriminar. 
 
Lula é réu em cinco ações, acusado de ter praticado crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e obstrução de justiça. Está para ser julgado por Sérgio Moro, um juiz que erra pouco (embora erre!), que exerce com zelo a função que lhe compete, e que tem a maioria de suas decisões confirmadas em segunda instância. 
 
Natural que ao pressentir a proximidade de uma provável condenação, o PT tente tirar proveito do clima, convocando a militância para Curitiba, pedindo para levar equipe própria para filmar o “encontro”, esperneando em todas as instâncias. 
 
Inconcebível que a imprensa não perceba que, ao insistir na tese de confronto entre juiz e réu, acaba endossando a retórica da perseguição, prestando-lhe imenso favor. Em tempos de fake news e de disputas por narrativas, quando o jornalismo tradicional se esforça para permanecer relevante, é de se esperar bem mais dele.

Bruno Resende Rabello é Doutor pela Faculdade de Direito da UFMG e Procurador do Estado de Minas Gerais.