Num parecer duríssimo, a Superintendência-Geral (SG) do CADE recomendou que o Tribunal rejeite a compra da Estácio pela Kroton, deixando a decisão nas mãos dos cinco conselheiros e aumentando a incerteza sobre o futuro da operação.
A decisão da Superintendência deve pressionar o CEO da Kroton, Rodrigo Galindo, a propor novas vendas de ativos — ‘remédios’, no jargão jurídico — para convencer o Tribunal a aceitar uma operação que fortalece ainda mais a maior empresa do setor, num momento em que ela enfrenta críticas crescentes sobre seu uso do FIES.
Para conseguir a aprovação da compra, a Kroton havia proposto ao CADE vender a operação de ensino à distância da Estácio, que analistas estimam representar cerca de 10% da receita da Estácio.
“Trata-se de uma operação que não pode ser aprovada sem restrições, sendo pertinente indagar, inclusive, se é possível sua aprovação mesmo com alguma eventual restrição,” diz o texto da SG.
O corpo técnico do CADE diz ainda que a fusão entre as duas gigantes arrisca desfazer o remédio que foi executado por ocasião da compra da Anhanguera pela Kroton: a venda da Uniasselvi, uma operação de ensino à distância.
“Dizendo de outra maneira, permitir a aquisição da Estácio pela Kroton seria tornar inócuo o remédio adotado há pouco mais de um ano, considerando que a Estácio é hoje até maior do que a Uniasselvi, possuindo 108 mil alunos contra 93 mil da Uniasselvi,” diz o texto. “Ou seja, a aquisição da Estácio por meio da operação almejada mais do que recompõe a participação de mercado perdida pela Kroton em decorrência do remédio imposto pelo CADE.”
Em dado momento, o texto parecia expressar certa irritação da SG com a Kroton — pela audácia.
“Trata-se de uma situação pouco comum em análises de fusões e aquisições que já passaram pelo crivo desta Autoridade, que, repita-se, prescinde de análise mais detalhada para que se conclua pelos óbvios resultados potencialmente anticompetitivos. Mais ainda, trata-se de operação que em certa medida desafia a própria Autoridade e suas decisões pretéritas, especialmente pelo caráter recente da decisão que determinou a alienação da Uniasselvi. O respeito às decisões emanadas pelo Tribunal Administrativo do CADE passa não apenas pelo fiel e irrestrito cumprimento de tais deliberações, negociadas ou não, mas também pela ausência de tentativas de qualquer natureza de se burlar ou alcançar objetivos que colidam com aqueles almejados pela decisão tomada, o que é de fácil interpretação por parte dos administrados submetidos ao controle de estruturas.”
Além de questionar o pricing power da companhia resultante da fusão, a SG também bateu nos riscos à qualidade do ensino.
“A operação provoca o efeito colateral de homogeneizar ainda mais o ensino superior, colocando sob a tutela de um mesmo grupo um número relevante de instituições de ensino superior que hoje concorrem com a Kroton não apenas via preço, mas também por qualidade (ainda que limitada aos patamares mínimos), metodologia de ensino, propostas curriculares e outras variáveis tão desejáveis especialmente no mercado de ensino superior.”
Com a posição adotada hoje pela SG, a Kroton deve tentar restabelecer suas chances de aprovação voltando à prancheta e redesenhando a operação, provavelmente aumentando a lista de ativos a serem vendidos. Nestas novas circunstâncias, a empresa terá que demonstrar ao mercado que a compra de uma ‘Estácio light’ ainda faz sentido do ponto de vista das sinergias.
O contrato de compra da Estácio prevê que, se o CADE impuser remédios que impliquem a perda de mais de 15% da receita da empresa resultante da fusão, os acionistas das duas terão que se reunir para aprovar o novo desenho da operação.
A ação da Kroton chegou a cair 6% no meio da tarde, quando uma nota técnica do CADE sobre o assunto — também dura — pareceu servir de prólogo para que o vinha em seguida. A ação se recuperou e fechou em queda de 2,7%.
A nota da SG já saiu com o mercado fechado.