Quando morreu no ano passado aos 101 anos, o banqueiro David Rockefeller provavelmente tinha muito pouco a reclamar da vida.

Além de comandar o Chase Manhattan por décadas, David foi uma das figuras mais influentes na política e economia americanas no século 20.

Em breve, os quadros que colecionou ao longo da vida deixarão as paredes das suas diversas propriedades para também fazer história.

A Christie’s estima que o leilão da Coleção Peggy e David Rockefeller, marcado para o mês que vem, deve render mais de US$ 500 milhões. Com obras de Picasso, Monet e Matisse, deve superar aquele que era conhecido até agora como ‘o leilão do século’: a venda da coleção de Yves Saint Laurent e Pierre Bergé, que levantou US$ 484 milhões em 2009. 

O resultado da venda será integralmente doado para uma dezena de instituições apoiadas pelo casal Rockefeller, incluindo Harvard e o MoMA, que os Rockefeller, by the way, ajudaram a fundar. 

Mais de 2 mil itens herdados ou adquiridos pelo casal estão sendo colocados à venda. Há impressionistas, pró-impressionistas, e pinturas de artistas americanos, como Edward Hopper, além de obras de arte asiáticas, móveis europeus e ingleses, cerâmicas e porcelana chinesa, joias e até um serviço de jantar usado por Napoleão em seu exílio na ilha de Elba.

 
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David era o último neto de John D. Rockefeller, o empreendedor lendário que construiu aquela que é considerada até hoje a maior fortuna privada do mundo. Pioneiro na exploração de petróleo com a Standard Oil, o patriarca dos Rockefeller teve tanto poder que foi preciso inventar as leis antitruste para limitar sua influência.

Mas ninguém é Rockefeller impunemente. 

Sem esconder uma certa culpa pelo impacto da brutal concentração de riqueza, muitos de seus herdeiros passaram a se dedicar à filantropia. (John D. Jr, pai de David, foi extraordinário neste quesito.)

Figura amável e discreta, David era conhecido por seu espírito cívico e compromisso com as artes e causas sócio-ambientais.

Nos anos 50 e 60, foi um dos principais artífices da reconstrução e revitalização de Wall Street, movimento que permitiu a transformação de Nova York na capital financeira do mundo. 

David também amava o Brasil. Foi sócio de Walther Moreira Salles numa fazenda e era amigo dos Klabin. Sua filha Peggy Dulany viveu três anos no Rio na década de 60. Para conhecer a realidade da favela, foi morar na casa de uma costureira na favela do Jacarezinho durante três meses. (Peggy não usa o sobrenome da família e hoje dirige uma ONG de combate à pobreza.)

O leilão vai acontecer presencialmente nas galerias da Christie’s no (where else?) Rockefeller Center, a sede americana da casa de leilões londrina. Parte dos objetos será leiloada exclusivamente pela internet, e aqui um pedacinho da história dos Rockefeller pode sair pela bagatela de US$ 200.

Em 2010, David aceitou o Giving Pledge, desafio proposto por Warren Buffett e Bill e Melinda Gates para que os donos de grandes fortunas doassem a maior parte de seu patrimônio para grandes causas ao longo da vida ou após a morte. Quando faleceu, sua fortuna era estimada em US$ 3,3 bilhões.

No mercado de arte, é raro ver um obra ou qualquer objeto que pertença aos Rockefeller ser vendido em leilão. A exceção foi um Mark Rothko que saiu por US$ 72,8 milhões em 2007; a obra havia sido adquirida por US$ 10 mil.

As principais obras da coleção estão fazendo um tour global pelos escritórios da Christie’s em Hong Kong, Londres, Paris, Pequim, Xangai e Los Angeles. Em Nova York, está aberta para visitação de 28 de abril a 11 de maio.

Um dos principais destaques é o quadro de Pablo Picasso Young Girl with a Flower Basket (1905), que pertenceu originalmente a Leo e Gertrude Stein.

Um Matisse, Odalisque couchée aux magnolias (1923), é considerado uma das principais obras do artista em mãos privadas e também seu quadro mais valorizado a ser posto à venda em leilão. A obra decorava a sala de estar de Hudson Pine, a enorme estate house da família em Portantico Hills, Nova York, colocada à venda pelos herdeiros no final do ano passado por US$ 22 milhões.

Já um Monet, Nymphéas en fleur, é uma das maiores da série das ninfeias pintada pelo artista em seu jardim em Giverny.

Apesar de todos os superlativos, o ‘leilão do século’ pode ainda não ter o sobrenome Rockefeller. 

Phillip Niarchos, herdeiro do armador grego Stavros Niarchos, hoje com 64 anos, está pensando no destino que dará às obras colecionadas por seu pai, que incluem um El Greco e um Van Gogh que hoje decoram as paredes de um iate. A coleção é avaliada em US$ 2 bilhões.

 

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Na foto acima, Peggy e David Rockefeller

No topo: Odalisque couchée aux magnolias, Henri Matisse. (1923)

No meio: Nymphéas en fleur, Claude Monet. (Circa 1914-1917)