Para cada prédio que a Cyrela finca na terra, Elie Horn está pensando em sua vaga no céu.
“A ideia do senhor Elie é que a gente consiga influenciar mais empresas brasileiras a seguir esse exemplo”, diz Aron Zylberman, diretor executivo do Instituto Cyrela. “O 1% é um benchmark internacional, e é interessante porque, na hora que você determina que 1% vai para caridade, você não precisa rediscutir isso a cada instante.”
Nos EUA, a filantropia é um atestado público — altamente visível — do sucesso material do doador: é dinheiro que vai para universidades, hospitais de ponta, pesquisa científica e bolsas de estudo.
No Brasil, todos os sinais desta equação são trocados. Aqui, a maioria dos bilionários que têm um trabalho filantrópico o fazem discretamente, seja por questões de segurança ou por temerem uma sobrecarga de demanda.
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(No Brasil, como o imposto sobre doações após a morte é de cerca de 4%, contra 40% a 60% nos Estados Unidos, uma doação proporcionalmente menor pode ser ainda mais relevante na prática.)
A filantropia é uma escolha pessoal, baseada em convicções e experiências próprias adquiridas ao longo de uma vida. Mas talvez o melhor caminho para se começar a pensar no assunto seja uma conversa com Elie Horn, como esta que tivemos recentemente:
Brazil Journal: Qual é o seu conceito de filantropia?
Elie: Por que você existe? Para fazer o bem, o bem é a causa da sua existência. É muito medíocre você viver, morrer, e não ter feito nada. Por que você viveu? Se você gastou só em si, você não fez nada. Desperdiçou dinheiro.
O único dinheiro que você leva junto, lá em cima, é o dinheiro que você deu para outras pessoas por ações de beneficência. Isso é real, não estou falando em metáforas. É puramente, 100% real.
Você tem um milhão de dólares, por exemplo, e você não deu nada. Você vai voltar depois. Como você volta na outra encarnação? (Pergunta e fixa no repórter, aguardando a resposta.)
BJ: Sem um milhão de dólares?
Elie: Volta sem um milhão e vai ficar sofrendo um tempão, com a vida inteira sem tutu para poder gastar, comer e beber.
Então, é muito mais barato dar a metade desse um milhão e garantir a sua poupança no outro mundo, na eternidade. Tem dois mundos: da encarnação aqui na Terra e da eternidade com Deus. Ser pobre na eternidade é paulada. Olha, se ser pobre com 60 anos já é problema, ser pobre pelo tempo infinito é uma desgraça.
Agora, quem não quer saber desse assunto é egoísta, porque só pensa nele agora e não tem nada depois. É uma visão míope.
BJ: Como é que te apresentaram ao Giving Pledge?
Elie: Quinze anos atrás, eu decidi doar 60% [do patrimônio]. Faz mais ou menos 15, 20 anos. O número já tava feito. O IPO [da Cyrela] em 2005 fez o número aumentar. A ação subiu 30 vezes e deu no que deu.
Em 2012 ou 2013, eu vejo um consultor cubano de Miami que me fala, ‘Por que você não entra no Giving Pledge?’ Pensei: ‘faz parte da minha maneira de pensar e fazer’.
Então mandei uma carta, me convidaram, fui lá. Já fui lá duas vezes. Achei muito bom. São pessoas muito nobres, a maioria não vai doar metade, vai doar 90%, vai doar 99%.
Eu sou alguém, [mas] lá, não sou nada. Tem gente melhor que nós. A vantagem é que cada um faz o bem onde quer fazer, ninguém te diz: você vai fazer numa direção determinada. Você faz o que bem entender.
BJ: O senhor tinha decidido doar 60% do seu patrimônio em vida ainda?
Elie: Eu pensei na morte, meus filhos pediram na vida.
BJ: Como chegou na ideia dos 60%? Tinha algum exemplo?
Elie: Meu pai doou 100%, entre a vida e a morte. Me deu uma lição maravilhosa, que é fazer o bem. Eu quis dar 100%, [mas] não me deixaram. Os gurus, conselheiros, falaram: ‘você dá uma parte e deixa para os seus filhos se virarem para ganhar para, por sua vez, fazerem o bem de novo.’
Estava sentado com meu caçula. Ganha 6 mil reais por mês, e o que ele fez com o dinheiro do ano inteiro? Deu para caridade, tudo. Se bem que eu banco ele, mas achei muito bonito. (risos)
BJ: O senhor acha que essa mentalidade está crescendo ou não entre os empresários?
Elie: Poderia crescer mais. O problema é ignorância e a não conscientização do problema. As pessoas não enxergam. Quando a mulher é vaidosa e o homem é orgulhoso… Quando a mulher usa milhões, milhares, em Chanel, Cacharel, o diabo a quatro, quem usa essas coisas não consegue pensar nos pobres.
Se uma bolsa custa dez mil dólares, não posso dar [dinheiro] para os pobres. Tem que ter o pensamento inverso! Tem que dar dez mil dólares facilmente e não comprar bolsa Chanel, porque as duas coisas não dá certo, não existe isso.
O luxo ele te mata, ele te suga. Mesmo que você dê dinheiro para a caridade, às vezes, tem um ato de dúvida. ‘Estou fazendo certo, estou fazendo errado?’ E se alguém te rouba ou alguém investe mal seu dinheiro, você fica revoltado. Então, às vezes dá vontade de não fazer nada. Mas é um mau instinto que te domina nesse minuto.
BJ: Você acha que a gente vai ver mais brasileiros entrando no Giving Pledge?
Elie: Eu estou tentando. O homem é bom, mas precisa cutucar. Tirar a casca da ignorância ou da burguesia. Isso é ser civilizado. Nossa campanha é para conscientizar, não é para brigar. É para conscientizar o ser humano.
***
A última forma de ‘fazer o bem’ encontrada por Elie Horn foi o Instituto Liberta, que está à frente de uma campanha publicitária massiva para conscientizar o País sobre o problema da exploração sexual infantil. Elie tem jogado seu prestígio pessoal para obter espaço gratuito nas emissoras de TV e editoras.
Cerca de 500 mil crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil, e estima-se que apenas 7% dos casos sejam notificados. A maioria das crianças exploradas tem entre 7 e 14 anos.
A prática é ‘naturalizada’: na maioria dos casos, não há um agenciador, e a relação ocorre de forma voluntária por meninas e meninos em situação de miséria. Muito comumente, eles não são vistos como vítimas.
“As pessoas justificam que a menina ou menino foi ‘se oferecer’,” diz a diretora do Liberta, Luciana Temer, professora de Direito da PUC-SP, ex-secretária de assistência social de São Paulo na gestão Fernando Haddad e ex-titular da Delegacia da Mulher de Osasco, onde começou seu envolvimento com problemas sociais.
“Temos que cutucar a sociedade para que ela entenda que isso é um problema, não só porque são tragédias pessoais mas porque, do ponto de vista social, a maioria desses crianças se afastam da escola, tem doenças venéreas e gravidez precoce. É um impedimento para o rompimento do ciclo da miséria no Brasil.”
Além de trabalhar na repressão à exploração, o Liberta vai estudar formas de apoiar as famílias destas crianças: “Uma questão que o senhor Elie colocou foi que, no limite, a gente vai impedir o trabalho da menina ou do menino,” diz Luciana. “Mas depois, como cuidar dela? Quais as estratégias de auxílio para que essa menina tenha uma vida mais digna?”