DEVENS, Massachusetts – “O que estamos fazendo aqui é criar uma estrela dentro de um pote,” me disse uma funcionária da Commonwealth Fusion Systems (CFS) no início da minha visita à sede da empresa, que pretende se tornar a primeira a distribuir comercialmente energia gerada via fusão nuclear.

E já há uma fila de investidores cobrando resultados.

É aqui nesta pacata cidade, no interior de Massachusetts, que a CFS está desenvolvendo o reator Sparc, capaz de gerar reações de fusão controlada que produzem mais energia do que gastam.

Embora o Sparc não tenha sido projetado para fornecer energia comercialmente, a máquina está prevista para ser ligada no final do próximo ano e será a prova de que a produção de energia de fusão é viável.

O sucesso do Sparc abrirá caminho para outra usina da CFS, na Virgina. Essa, sim, responsável pela distribuição comercial de energia da empresa. O local foi escolhido a dedo: é o Estado americano com maior concentração de data centers no país.

Diante dos avanços, o setor vem se aquecendo a cada ano. Empresas de fusão levantaram um total de US$ 2,64 bilhões nos 12 meses até julho, os maiores investimentos na área desde 2022 e uma alta de 178% em relação ao ano anterior.

A CFS está numa posição privilegiada: desde sua fundação em 2018, recebeu um terço de todo o capital privado investido em empresas de fusão até hoje, segundo a FIA.

Isso faz com que a companhia tenha uma lista de investidores e clientes que compraram lotes de energia e esperam começar a recebê-la na próxima década. 

Perguntei a Ben Byboth, o diretor sênior de desenvolvimento e estratégia de negócios de energia da CFS, sobre o porquê de tamanha pressa para fechar acordos com a companhia.

“O que estamos construindo aqui talvez seja a máquina mais importante para a humanidade hoje”, disse Byboth enquanto entrávamos num amplo salão de pé direito alto e paredes e luz branca, onde está sendo construído o Sparc. “Essa pode ser a solução para a demanda crescente de energia pelo mundo, e nossos investidores enxergam o caráter transformacional da energia de fusão”.

Em 2021, a CFS captou US$ 1,8 bilhão em sua primeira rodada, que atraiu o Google e Bill Gates. Quatro anos depois, uma nova rodada trouxe mais US$ 863 milhões, incluindo mais recursos do Google e de Gates, além da Nvidia e Mitsubishi. 

Em setembro, a petroleira italiana Eni fechou um acordo de compra de energia de mais de US$ 1 bilhão com a CFS.

Apesar da longa lista de investidores e uma timeline ajustada para iniciar a distribuição comercial da energia, a CFS precisa de algo que nenhuma empresa privada conseguiu até o momento: provar que seu reator é capaz de gerar mais energia do que gasta. Até hoje, apenas cientistas do Lawrence Livermore National Laboratory atingiram o feito.

A seu favor, a CFS tem uma vantagem única: um ímã especial que garante maior eficácia no processo e menor gasto de energia.

A empresa foi fundada por professores e alunos egressos do MIT que desenvolveram esse ímã especial e levaram a tecnologia para a companhia recém-nascida. A relação entre a CFS e a universidade é simbiótica (hello, Brazil!), e a empresa paga para usar comercialmente o ímã descoberto por seus fundadores.

Lembra a história de “criar uma estrela dentro de um pote”? É que reações de fusão nuclear são as mesmas que ocorrem nas estrelas, como o sol. Ela não é uma tecnologia nova, porém o grande problema para o uso comercial sempre foi o controle e a capacidade de geração de energia. 

Por muito tempo esse tipo de reação gastava mais energia do que gerava, o que fez com que seu desenvolvimento fosse mais lento do que o da fissão nuclear — a reação usada em usinas atômicas desde a década de 1950.

Enquanto a fissão gera calor pela separação dos átomos, a fusão faz isso ao uni-los. Ao contrário da fissão, a fusão não desencadeia reações descontroladas que geraram desastres como Chernobyl e Three Mile Island

As reações de fusão ocorrem dentro de reatores chamados Tokamak – palavra russa para definir algo com “formato de donut” – onde elementos como deutério e trítio são aquecidos a 100 milhões de graus celsius para se fundirem e gerar o calor que poderá ser convertido em eletricidade. A tecnologia começou a ser testada na década de 1950, mas foi somente em 1968 que reatores desse estilo conseguiram equilibrar o plasma formado pela fusão nuclear, às custas de um gasto energético que impossibilitava o uso comercial da tecnologia.

A grande inovação da CFS foi realizar um ajuste fino no processo para ser mais eficiente energeticamente. Eles utilizam ímãs gigantes feitos de fita supercondutora de alta temperatura que mantêm o combustível superaquecido (o plasma) no lugar, estável o suficiente para que o processo de fusão ocorra sem consumir mais energia do que gera.

No local onde estão sendo produzidos os ímãs, o amplo galpão marcados por braços robóticos e um andaime que cobre toda a extensão do local, está povoado de funcionários trabalhando ao som de rock, como Led Zeppelin, uma ironia quando se está lidando com alguns “heavy metals”.

Atualmente, a Fusion Industry Association contabiliza pelo menos 45 empresas privadas em todo o mundo trabalhando para desenvolver a distribuição comercial da energia de fusão. Ao todo, essas empresas levantaram mais de US$ 7 bilhões, a maioria de investidores privados.

O setor também conta com a boa vontade do governo americano, que em 2023 anunciou um processo simplificado para facilitar a criação de usinas de fusão, afastando do processo regulatório para abrir usinas nucleares tradicionais, processo que pode durar uma década.

Segundo Byboth, o processo regulatório atual é similar ao de construir um acelerador de partículas, usado para pesquisas, com um adicional de que as usinas de fusão também podem gerar e tratar resíduos radioativos.

O atual secretário de energia dos Estados Unidos e ex-aluno do MIT, Christopher Allen Wright, também é um entusiasta da energia de fusão e visitou a CFS em setembro após a empresa obter uma validação para o uso comercial de seus ímãs que a qualificou para receber US$ 8 milhões em incentivos do governo, a primeira companhia do setor a atingir esse estágio. 

Em um cenário em que os altos custos de energia estão no centro de debates políticos em todo o mundo e a criação de data centers aumentam exponencialmente a demanda por eletricidade, uma energia que pode ser gerada via materiais comuns como água-marinha e lítio explica a boa vontade do governo americano com o setor.

Ainda restam dúvidas sobre o custo de mercado da energia de fusão. A CFS estima que conseguirão operar bem se venderem sua energia por US$ 100 por megawatt-hora, mas que dominarão a indústria caso consigam comercializar seu produto por US$ 50 por megawatt-hora.