A Velt Partners — a gestora de ações de Maurício Bittencourt — disse que, nos preços atuais, a Eneva é “uma das maiores divergências de percepção de valor que já testemunhamos.”
A gestora investe na geradora de energia há sete anos, e a Eneva hoje é a maior posição do fundo flagship da casa, o Velt Ações.
Para a Velt, essa divergência de visões sobre o valor justo da Eneva tem a ver com cinco temas principais: o valor das reservas de gás do Parnaíba; a perspectiva de evolução das reservas; a renovação de contratos das térmicas; a situação financeira da Eneva; e as oportunidades não precificadas de geração de valor.
Sobre o valor das reservas de Parnaíba, a gestora disse que a maioria dos investidores está estimando que a monetização dessas reservas será extremamente lenta, dado o padrão hidrológico recente, que tem levado a poucos despachos.
“Essa é uma preocupação legítima, mas que exige um aprofundamento para um diagnóstico bem fundamentado,” escreveu a Velt. “Se por um lado é razoável esperar um despacho baixo do sistema nos próximos anos, essa definitivamente não é a única fonte de monetização das reservas.”
A Velt lembra que, desde 2022, a Eneva tem buscado alternativas para a monetização dessas reservas, sendo que a principal delas tem sido a exportação para a Argentina.
A Velt nota que foram estruturados contratos com sólidas garantias de recebimento e que a Eneva conseguiu “inaugurar essa avenida de monetização a um preço final quase o dobro do que ela atualmente monetiza em suas usinas, sendo, portanto, uma solução ainda mais atraente do que o despacho térmico.”
Nos primeiros nove meses do ano passado, a Eneva já fez R$ 266 milhões de EBITDA com as exportações, 8% do total.
Outra alternativa tem sido a venda do gás para clientes industriais como a Vale e a Suzano, que usam a molécula para substituir sua matriz a óleo combustível, que é mais cara e poluente. A Velt diz que a Eneva tem vendido esse gás a preços “muito atrativos.”
“Quando a capacidade desse projeto estiver 100% em operação, enxergamos um potencial de EBITDA de R$ 300 milhões/ano versus R$150 milhões/ano caso esse mesmo volume de gás fosse usado no despacho térmico.”
No segundo tema, a evolução das reservas, a Velt também disse que vê expectativas muito diferentes das suas no mercado.
A gestora lembra que a Eneva fez descobertas consistentes – ao longo do tempo e em diferentes blocos exploratórios – que não foram obra do acaso.
“Tanto na Bacia do Parnaíba quanto no Amazonas, a Eneva teve alguns concorrentes atuando nas regiões sem o mesmo sucesso exploratório. No Parnaíba, outras quatro empresas chegaram a adquirir blocos exploratórios na região e duas chegaram a fazer poços exploratórios,” escreveu a gestora. “No entanto, essas campanhas não se traduziram em descobertas de reservas para essas empresas.”
A gestora disse ainda que vê a Eneva com um dos “maiores e mais competentes times de geocientistas do País.”
Segundo a gestora, se essa visão estiver certa, o mais provável é que ao longo do tempo a empresa continue aumentando suas reservas.
“No entanto, em interações com participantes de mercado, observamos que a visão prevalecente é que a empresa não aumentará as suas reservas. E, além de não encontrarem gás novo, em alguns casos observamos estimativas que continuam considerando todo o capex guiado pela empresa para encontrar e desenvolver esse gás ao longo dos próximos anos.”
“Se por um lado isso é uma possibilidade concreta, dada a natureza da atividade de E&P, acreditamos que esse não deveria ser de forma alguma o cenário base, pois representaria a pior campanha exploratória da sua história, e ainda por cima os gastos com o desenvolvimento de um campo sem gás.”
Outro ponto apontado com frequência pelos investidores como um fator de risco é a capacidade da Eneva de renovar parte dos seus contratos do complexo de Parnaíba, que vencem a partir de 2028.
Para a Velt, essa dúvida só deveria existir caso se acredite que o Brasil não precisa mais de energia termelétrica para suprir as necessidades de flexibilidade do sistema elétrico.
Mas ao contrário, essa necessidade foi “reforçada nos últimos meses,” segundo a gestora, quando o Brasil teve que lidar com eventos extremos como a onda de calor que aumentou a demanda por energia.
“Quando vemos todos esses desafios, mesmo em um cenário de boas condições de reservatórios e forte crescimento da oferta de energia solar e eólica, consideramos pouco razoável a premissa que o sistema não precisa contratar térmicas para suprir sua necessidade de flexibilidade.”
A gestora lembra ainda que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) já indicou a necessidade de recontratar 8 GW de termelétricas nos próximos cinco anos, em comparação a uma necessidade de recontratação da Eneva de 0,8 GW no complexo Parnaíba (10% do total).
“Considerando que a Eneva é um dos participantes mais competitivos do mercado termelétrico brasileiro, especialmente quando se trata de renovação de usinas com investimento inicial depreciado, não nos parece razoável supor que esses contratos não serão renovados.”
O quarto ponto de atenção de alguns investidores é a situação financeira da Eneva, com muita gente questionando o alto endividamento da empresa.
A Velt disse que tradicionalmente evita investir em empresas com alta alavancagem, já que isso pode ser um sinal de decisões equivocadas dos executivos ou de modelos de negócio que não são economicamente viáveis. Mas “no caso da Eneva, acreditamos que o endividamento atual não só é aceitável como gera valor aos acionistas.”
A gestora disse que vê três diferenças entre o endividamento da Eneva e a média de outras empresas.
A primeira é o acesso a linhas de crédito subsidiadas, que garantem condições de prazo e custo competitivas. A segunda é o fato de que as receitas da Eneva são principalmente fixas, e corrigidas pelo IPCA, o que torna o desempenho operacional previsível. “Além disso, os indexadores da dívida da Eneva têm uma natureza com pouco espaço para descasamento, visto que 70% da dívida líquida está atrelada ao IPCA, e apenas 30% é atrelada ao CDI.”
Por fim, a Velt diz que além de ter acesso a linhas de crédito de bancos comerciais, bancos de fomento e ao mercado de capitais, o perfil dos ativos da Eneva permite que ela acesse capital de terceiros de outras formas.
“A CELSE, por exemplo, tem um contrato que vence em 2044 e receita fixa de R$ 2 bilhões/ano, valor que poderia ser parcialmente antecipado em um cenário de necessidade de caixa,” disse a gestora. “Outro formato para levantar recursos pode envolver a venda de participação em ativos maduros ou operações como a que foi feita no Parnaíba recentemente, vendendo ações preferenciais do complexo que deverão ser recompradas em um momento de menor alavancagem da empresa.”
O quinto ponto de discordância da Velt com o mercado é em relação às opcionalidades da companhia.
A gestora avalia que há três oportunidades adicionais de geração de valor que não estão precificadas hoje: a expansão do parque atual de termelétricas, com aumento da capacidade; a conexão de Parnaíba a um terminal de GLP em São Luís via um gasoduto; e a expansão das reservas acima do esperado.
No final de novembro, a Eneva propôs uma fusão com a Vibra, mas os termos da oferta foram rejeitados pelo conselho da distribuidora de combustíveis. O mercado acredita que uma nova oferta seja questão de tempo. A ação da Eneva fechou ontem a R$ 12,73, com a companhia valendo R$ 20 bi na Bolsa.