Parthenope é uma criatura das águas. Quando emerge do mar azul em seu biquini sucinto, ela encarna a versão moderna de uma deusa pagã, escondendo sob um sorriso maroto a consciência do poder que exerce sobre os homens.

Ela também é uma filha de Nápoles. Na maior cidade do sul da Itália, a jovem Parthenope encontra toda a liberdade que seu espírito indômito deseja. Com o passar dos anos, no entanto, sua relação com o lugar ganha uma nota de nostalgia agridoce.

Parthenope – Os Amores de Nápoles, em cartaz nos cinemas, é o primeiro filme de Paolo Sorrentino protagonizado por uma mulher. A estonteante Celeste Dalla Porta, estreando no cinema, faz o papel-título.

Sorrentino é conhecido sobretudo pelo sublime A Grande Beleza, que se passa em Roma. Em seu novo filme, o diretor retorna a Nápoles, sua cidade natal, que já havia sido tema do autobiográfico A Mão de Deus. Parthenope, aliás, é como Nápoles se chamava quando foi fundada por gregos no século VIII a.C. 

Também é o nome de uma sereia que teve um fim trágico: desiludida porque seu canto não atraiu a nau do herói Ulisses, ela se jogou ao mar e morreu afogada (vale lembrar que, na Antiguidade, sereias não eram jovens lindas com rabão de peixe, mas pássaros horrendos com cabeça de mulher). De acordo com o mito, a maré depositou seu corpo em Nápoles. 

No filme, Parthenope também é abalada por um evento trágico relacionado ao mar. De início, porém, tudo em sua existência é leveza e sensualidade. 

O filme começa com o nascimento da protagonista, em 1950. O parto se dá no mar, diante da ampla casa de seus pais. 

A história progride em saltos no tempo. Na sequência seguinte já estamos em 1968, quando Parthenope, em seu biquini, deslumbra o apaixonado Sandrino (Dario Aita), filho de uma empregada da casa.

Não é o único encantado pela jovem: seu irmão mais velho, Raimondo (Daniele Rienzo), tem uma fixação quase incestuosa em Parthenope, que a mãe dos dois observa com preocupação.

A heroína de Sorrentino mantém-se alheia às revoltas estudantis dos rebeldes anos 1960 e 1970. Ela não é um fruto típico de seu tempo. A desenvoltura com que ela se envolve com diferentes parceiros sexuais – sem jamais se prender a qualquer um deles – é uma característica singular de sua personalidade, e não um resultado da chamada revolução sexual. 

O ápice de sua juventude e liberdade se dá na breve temporada que ela passa com o namorado Sandrino e o irmão Raimondo na ilha de Capri. Nesse episódio, Gary Oldman brilha interpretando um personagem real: o escritor americano John Cheever, um mestre no retrato da vida nos subúrbios dos Estados Unidos. 

“A beleza é como a guerra: ela abre portas,” diz Cheever a Parthenope. Mas ela não é apenas o proverbial rostinho bonito.

Inteligente e afiada, Parthenope orgulha-se de encontrar a resposta certa para toda provocação que lhe fazem. Quando um senhor idoso e rico lhe pergunta se ela o aceitaria como marido se ele fosse 40 anos mais jovem, ela de pronto rebate: “O senhor aceitaria casar comigo se eu fosse 40 anos mais velha?”

Um incidente triste em Capri muda o rumo da história. A partir daí, Parthenope começa a buscar uma direção para sua vida demasiado solta. Acabará se encaminhando para uma carreira acadêmica em antropologia, sob orientação de um professor lacônico e rigoroso, Devoto Marotta (o ótimo Silvio Orlando, que fez um cardeal caviloso em The Young Pope, série criada e dirigida por Sorrentino).

Um filme amparado sobre a beleza da atriz principal tem suas limitações. Inevitavelmente, o clichê ronda Parthenope: a cena da mulher sexy que sai do mar vem se repetindo pelo menos desde que Ursula Andrews, a primeira Bond girl, fez exatamente isso em 007 contra o Satânico Dr. No, de 1962.

A sensualidade juvenil do filme por vezes ganha um ar publicitário. Em compensação, nos momentos mais ousados, ela se torna uma forma de misticismo: quando Parthenope percorre as vielas de um bairro miserável de Nápoles, uma mulher lhe diz que ela é bonita como uma santa – um prenúncio da cena erótica na Catedral de San Gennaro que virá adiante. 

Em entrevistas, Sorrentino tem falado de Parthenope como uma representação da alma anárquica de Nápoles, cidade que não julgaria seus habitantes. Mas essa ideia não se traduziu plenamente em seu novo filme. A grande homenagem do diretor à sua cidade natal ainda é A Mão de Deus.  

Apesar de suas irregularidades, Parthenope renova a reflexão sobre a fugacidade da beleza, uma constante no cinema de Sorrentino. A beleza, como diz John Cheever, abre portas. Mas muito rapidamente elas voltam a se fechar.