Primeiro, eles brigaram quando Abilio Diniz, às vésperas de ter que entregar o controle do seu Grupo Pão de Açúcar (GPA) ao sócio Casino, apareceu com a ideia engenhosa de fundir a rede de supermercados com o Carrefour Brasil, um movimento que diluiria o Casino e esticaria seu reinado.
Depois, com a proposta de fusão derrotada — aos gritos de ‘expropriação!’ de um Jean-Charles Naouri furioso — veio outra peleja, travada mais nos bastidores: a dúvida era se Diniz dificultaria a entrega do controle da empresa, prevista num contrato assinado em 2005.
Quando finalmente Diniz honrou o contrato e cedeu o controle, a tensão passou a ser sobre sua permanência ou não no conselho da empresa, numa época em que as relações entre os dois lados já cheiravam tão mal quanto um queijo roquefort.
De lá pra cá, os dois ex-sócios seguiram adiante. Diniz vendeu sua última ação do GPA e encontrou para si uma nova narrativa: fazer do Carrefour seu novo projeto de vida.
Agora, ao que tudo indica, os dois lados estão indo para um quarto round: uma guerra surda — às vezes travada na imprensa — que opõe Diniz, o proprietário, ao GPA, seu locatário.
Em jogo: o destino (e o valor) de 62 lojas pertencentes a Diniz — com vendas estimadas em 10 bilhões de reais/ano — e alugadas ao GPA, por 20 anos renováveis por mais 20, por cerca de 2% do faturamento anual. O portfólio, escolhido pessoalmente por Diniz, é o filé mignon das lojas do GPA, incluindo joias como o Extra Jaguaré e o Pão de Açúcar na Rua Teodoro Sampaio, ambas em São Paulo.
O primeiro salvo veio ontem, quando o Valor Econômico revelou que o administrador das lojas — que responde a Diniz — acaba de fazer uma vistoria e levantamento de dados nos imóveis alugados. Foi a primeira vez em 10 anos, desde que o contrato foi assinado, que representantes de Diniz fizeram esta inspeção.
O administrador quer saber se os espaços sofreram alterações porque, se por exemplo o GPA fez uma obra e a área da loja aumentou, o aluguel deve subir junto. Nada diferente, portanto, da diligência que qualquer proprietário deve ter com seu imóvel.
Mas no xadrez dessa relação delicada, quando um jogador mexe um peão, o outro protege a rainha. Preocupado com a perspectiva de que Diniz possa tentar rever o contrato, o GPA se apressou e emitiu um comunicado. Lembrou que os contratos são de longo prazo e que foram reafirmados em 2013, no âmbito de negociações que, inclusive, liberaram Diniz das obrigações de não-competição, o que deixou o bilionário livre para fazer (mais) fortuna no projeto Carrefour.
Para pessoas ligadas ao GPA, Diniz está se movimentando para pressionar o grupo a comprar as lojas num momento em que ele foca toda sua atenção e recursos no Carrefour Brasil, no qual tem uma participação de 12%, com direito a chegar a 16%.
No início do ano, representantes de Diniz conversaram com vários pesos-pesados do setor imobiliário , como o fundo canadense CPP, a Brookfield e a BR Properties. As conversas com estes investidores, no entanto, não evoluíram até agora para uma oferta. (O GPA, como inquilino, tem o direito de preferência.)
Na Península, empresa que administra os investimentos de Diniz, a notícia sobre a inspeção às lojas está sendo vista como algo tirado de sua devida proporção.
“Tudo que está acontecendo é menor do que parece,” disse uma pessoa da Península. A inspeção “não é para mudar nem romper o contrato. É para ver se ele está sendo seguido à risca, e o próprio contrato prevê isso.”
No final, tudo é uma questão de preço. O Valor disse que “circulam informações no mercado” de que o valor “calculado pela Península para as 62 lojas é bem superior aos R$ 2 bilhões mencionados no mercado — atingiria mais de R$ 4 bilhões ao se considerar variáveis como o potencial de acordos de permuta.”
Nas entrelinhas: Diniz acha que o portfólio vale 4 bilhões de reais pelo potencial de construção de torres comerciais e shopping centers (particularmente nos mega estacionamentos dos supermercados mais antigos). Já o mercado imobiliário topa pagar apenas metade disto, porque vê os imóveis — pertencentes a Diniz mas ocupados pelo GPA — quase como um investimento de renda fixa, sem muito espaço para crescer.
Um investidor do mercado imobiliário que foi convidado a olhar o portfólio disse que ele pode valer os 4 bilhões, mas “este ‘upside’ dependeria de modificar o contrato de locação para incluir a possibilidade de você fazer obras, fracionar terrenos… e tudo isso dependeria hoje da boa vontade do GPA. Como a relação entre eles não é exatamente amistosa, pode haver uma má vontade no GPA para gerar valor nas propriedades do Abilio. É muito mais fácil você negociar com um proprietário que é, ele mesmo, o inquilino, do que entrar no meio de uma situação dessas.”
“Na hora de vender, às vezes um imóvel vazio vale mais que um locado,” diz essa fonte. “Esta não é uma realidade intuitiva, mas acontece.”