Quem convive com Abilio Diniz sabe que o empresário ignora solenemente os seus 78 anos e trabalha, ama e vive como um homem de 30.
Então, quando Abilio anunciou a compra de 10% do Carrefour Brasil em dezembro passado por R$1,8 bilhão — com opção para chegar a 16% em até cinco anos — ninguém acreditou muito na história de que o filho mais famoso do seu Valentim pretende parar por aí.
Seja para reviver a adrenalina da guerra de nervos que travou com seu antigo sócio e depois desafeto, Jean-Charles Naouri — hoje o comandante solo do Pão de Açúcar/Casino — ou simplesmente para conquistar a relevância global que um homem com seu histórico de varejo merece, Abilio tem seus olhos no ‘grand prix’: uma maior influência no Carrefour global, de acordo com pessoas que gravitam na órbita do planeta Abilio.
Para chegar onde se presume que ele queira, Abilio terá que costurar alianças com desafetos de Naouri (o que é fácil) e administrar uma relação delicada com Georges Plassat, o atual CEO do Carrefour (o que pode não ser tão fácil).
Os dois maiores acionistas do Carrefour hoje são o empresário Bernard Arnault, dono do grupo LVMH Moet Hennessy Louis Vuitton e homem mais rico da França, e a família Moulin, representada no conselho do Carrefour por Philippe Houzé, dono das Galeries Lafayette. Tanto Arnault quanto os Moulin têm 9% do Carrefour cada.
O terceiro maior acionista é o fundo de private equity americano Colony Capital, cuja participação de 6% no Carrefour pode ser o passaporte de Abilio para o triunvirato que controla o grupo.
O Colony tem um incentivo para vender suas ações: é acionista do Carrefour desde 2007 e ainda está no vermelho. Até o chafariz da Place de la Concorde sabe que Abílio é o comprador natural para suas ações.
Como Abilio já tem cerca de 3% do Carrefour global, a compra da participação do Colony o colocaria em pé de igualdade com Arnault e os Moulin.
Abilio se dá muito bem com Arnault. Os dois costumam jantar em Paris quando Abilio vai à cidade, e Arnault foi um grande incentivador da entrada de Abilio no Carrefour Brasil.
Também se dá bem com Houzé, que brigou com Naouri quando a Galeries Lafayette vendeu sua participação de 50% nos supermercados Monoprix ao Casino, dono dos outros 50%. O motivo da briga: dinheiro.
Mas enquanto não toma o assento entre seus pares como um dos três maiores acionistas do Carrefour, Abilio tem que evitar se indispor com Plassat.
A princípio, isto parece fácil. O CEO do Carrefour e Abilio têm algo em comum: ambos já bateram de frente com Naouri. Nos anos 90, Plassat era o CEO do Casino quando o grupo foi alvo de uma oferta hostil de outro varejista, o Promodès. Plassat se aliou ao Promodès, enquanto Naouri, que já tinha 29% do Casino, lutou contra a oferta e acabou ficando com o controle da empresa. Évidemment, Naouri em seguida demitiu Plassat.
Hoje, Plassat é um CEO de prestígio. Ele pegou um Carrefour na lona, desorientado e humilhado, com a ação a 13 euros, e a catapultou para 30 euros em apenas dois anos.
Mas Plassat sabe que Abilio, um ícone do varejo brasileiro, tem ambições congruentes com sua história empresarial.
“O Plassat hoje é um CEO com um poder enorme,” diz uma fonte que conhece os dois. “Ele não quer que o Abilio cresça muito porque sabe que o Abilio entende de varejo.”
Algumas pessoas acham que Abilio já deixou para trás a briga que teve com Naouri quando os dois bateram boca em público por causa do plano de fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour Brasil, que Naouri chamou de “expropriação” dos direitos do Casino. Em entrevistas, Abilio já disse que “passado é passado,” mas às vezes ele deixa escapar que talvez não seja bem assim.
Numa conversa privada em dezembro, quando Plassat veio ao Brasil anunciar o acordo com Abilio, um interlocutor perguntou a Abilio se seu ‘casamento’ com o Carrefour era movido por algum sentimento de revanche contra Naouri.
A resposta foi esquisita: “Eu nunca deixo as coisas pela metade.” Ao ouvir isso, Plassat, que estava ao lado, interveio: “Veja, ninguém aqui está fazendo nada emocional.”
Na Península, a empresa que montou para administrar seu patrimônio, Abilio tem cinco ex-executivos do Grupo Pão de Açúcar prontos para botar a mão na massa, onde o chefe mandar. São executivos experientes e caros, que poderiam se colocar em qualquer grande empresa, mas decidiram estar com Abílio. “Manter todo esse talento lá só faz sentido se ele tiver uma ambição grande, que não deve ser do tamanho do Carrefour Brasil só,” diz um banqueiro que conhece bem Abilio.
Na semana passada, dois destes executivos viraram diretores do Carrefour no Brasil. Como Abilio não tem, por contrato, o poder de nomear executivos, as duas contratações são um sinal claro de que sua influência vai transcender o que está escrito.
Se não conseguir comprar as ações do Carrefour que pertencem ao Colony, Abilio ainda pode fazer outro movimento no xadrez do varejo: comprar as operações da rede DIA no Brasil. O DIA fatura cerca de 5 bilhões de reais no Brasil, o suficiente para colocar o Carrefour Brasil na liderança do varejo alimentar. (Hoje, a diferença de faturamento entre o Grupo Pão de Açúcar e o Carrefour Brasil é de apenas 4 bilhões de reais.)
Em público, Abilio costuma dizer que tamanho é apenas consequência, e que o importante é ter a “melhor” empresa, não a maior.
Pode ser. Mas a lógica de comprar o DIA vai além da simples liderança. Com o DIA na mão, Abilio poderia propor uma fusão da rede com o Carrefour Brasil, negociando para aumentar sua participação além do que o contrato atual prevê.
Seria uma jogada de mestre para o homem que sabe, melhor do que ninguém, que o sucesso no varejo é como a vida: uma maratona, e não um sprint.