To read this post in English, click here.

 

Os acionistas brasileiros da Embraer têm um recado para a Boeing: ‘the price is NOT right.’

Depois que as duas empresas anunciaram os termos de sua parceria estratégica, a ação da Embraer — em vez de decolar — teve que fazer um pouso de emergência: o papel desabou 14% ontem.

O consenso entre gestores locais:  o preço da oferta não reconhece o valor intrínseco da Embraer e as sinergias anunciadas estão subestimadas.

Além de BNDES e Previ, os maiores acionistas brasileiros da Embraer são fundos administrados pelo Itaú Asset Management, Bahia Asset, XP Gestão, Tempo Capital e RPS Capital. Já há movimentação entre alguns deles para exigir um preço mais alto.

A Boeing precisa dos brasileiros para fechar o negócio:  uma cláusula no estatuto social da Embraer — colocada à época da privatização — dá aos acionistas locais um poder de voto substancialmente maior que o dos estrangeiros. O artigo 14 garante que o voto dos acionistas brasileiros será sempre, no mínimo, 60% dos votos que podem ser exercidos numa assembleia.

Mas a Embraer também pode se beneficiar muito de um casamento com a Boeing.

A Embraer faz um produto muito competitivo na aviação regional.  Seus jatos são universalmente elogiados por serem ‘user friendly’, econômicos e elegantes no design. Mas o mercado caminha cada vez mais na direção de um duopólio.

Em abril do ano passado, a Boeing reclamou ao Governo americano que a Bombardier estava vendendo seus jatos regionais C-Series nos EUA abaixo do preço de custo graças a subsídios recebidos dos governos canadense e inglês.  O Departamento de Comércio concordou com a Boeing e tascou uma tarifa de importação de 300% no C-Series, colocando em risco a continuidade do programa. Meses depois, a Airbus tomou o controle do programa, comprando 50,1%.

“É verdade que existe um movimento de consolidação global e, se a Embraer não participar dele, ela pode ficar sozinha,” diz Flávio Clemente, analista da Jardim Botânico Investimentos, que investiu na companhia em 2016 quando a ação negociava a R$ 16.  “Mas a Embraer não tem motivo nenhum para entrar em pânico e fazer uma operação a qualquer custo.” 

Na transação — que cria uma joint venture na área de aviação comercial — a Boeing avaliou o negócio de jatos regionais da Embraer em US$ 4,75 bilhões e se propôs a pagar US$ 3,8 bilhões para ficar com 80% da JV.  Este preço é em linha com o múltiplo no qual a Embraer já negocia na Bolsa: 10x EBITDA. (A Boeing negocia a 15 vezes.)

O desejo de qualquer acionista seria por uma aquisição pura e simples, mas a Embraer é uma empresa carregada de simbolismo.  Seus engenheiros são uma ilha de excelência que faz inveja ao mundo, e a inteligência desenvolvida em São José dos Campos trafega numa via de mão dupla que liga a Aeronáutica à Embraer. Aprovar a venda da companhia inteira já seria uma tarefa complicada para qualquer governo; mas para uma administração politicamente fraca e em fim de mandato, trata-se de uma tarefa inimaginável.

A JV foi a solução possível, mas os investidores dizem que o preço da oferta não reflete o potencial da empresa.

“O maior problema da Boeing hoje é a falta de engenheiros. Cerca de 25% dos engenheiros da Boeing vão se aposentar nos próximos cinco anos, e metade nos próximos dez anos,” disse Gustavo Daibert, gestor da Bahia Asset Management, cujos fundos coletivamente têm 1% da Embraer. “Se este não é o foco principal da JV, certamente é um dos principais.  Quanto custa levar o ITA para os EUA?”   

“O modelo da Embraer é muito difícil de replicar. Os chineses tentam há anos replicar o modelo da Embraer e produzir um jato regional mas não conseguem, porque falta base técnica.”

Daibert fala com conhecimento próprio:  ele se formou em engenharia aeronáutica pelo ITA e trabalhou na Embraer antes de entrar no mercado financeiro.

Há, também, uma questão conjuntural.  “Como a Embraer está trazendo a mercado um novo produto [a familia de jatos E2], ela está reconhecendo os custos mas ainda não tem receita da nova linha,” diz um gestor.  “Mas esse momento de resultado operacional ruim deve se reverter rapidamente quando as vendas começarem. Comprar a Embraer neste preço é como comprar uma empresa commodity no ponto mais baixo do ciclo.”

Outro acionista de longa data reclama que as sinergias de custo anunciadas ontem — US$ 150 milhões/ano a partir de 2020 — não dão o quadro todo.  Para ele, as sinergias de receita são tão ou mais importantes que as sinergias de custo anunciadas.  “A soma de Boeing com Embraer eleva o negócio de aviação regional a um outro patamar: usando seu canal de vendas, a Boeing vai poder até fomentar o mercado regional, e a JV ganhará um poder de barganha que a Embraer hoje não tem.” 

Além da JV na aviação comercial, as duas empresas também irão criar uma sociedade para promoção comercial e desenvolvimento de novos mercados na área de defesa: a estrela é o cargueiro KC-390, um avião multimissão que está saindo da fase de desenvolvimento e logo deve começar a gerar receita. 

Depois da queda de ontem, a Embraer negocia a 8,5x EV/EBITDA de 2018 e 6,5x 2019.

Outro fator que contribuiu para a queda da ação ontem: a frustração do mercado com o fato do acordo anunciado ser preliminar e não vinculante.  Ou seja, depois de meses de negociação, o nível de incerteza permanece relativamente alto — e, piorando as coisas, as empresas estimam que a transação só deve fechar daqui a um ano e meio, no final de 2019 (com uma eleição presidencial no meio do caminho).

A negociação abrangeu todos os aspectos do negócio: da divisão de ativos à alocação de engenheiros, da governança às necessidades do Governo brasileiro. “Só faltou combinar com os acionistas,” diz um gestor em São Paulo.  “Será que ninguém no conselho pensou no viés financeiro?”

Uma fonte do Governo disse ao Brazil Journal que o memorando de entendimento publicado ontem é “um ponto de partida, e não de chegada,” e que a definição do preço cabe exclusivamente aos acionistas das duas empresas. Segundo esta fonte, a Boeing sequer teve acesso às informações financeiras da Embraer até agora.

As duas empresas prepararam seis MOUs cobrindo os vários aspectos da JV.  Só um destes memorandos foi publicado ontem e, a partir de agora, os dois lados vão trabalhar nos detalhes. “Hoje há no máximo 60 páginas de entendimento, mas quando esse processo acabar, eles devem ter mais de 1.000 páginas detalhando todos os aspectos da operação.”

“É Davi contra Golias?  É,” diz Daibert.  “Mas os acionistas são fundos de investimento, e eu não sei se eles precisam tanto deste deal quanto a Boeing.”

 

SAIBA MAIS

O que a Boeing viu na Embraer? Pra começo de conversa, os E2