Dois anos atrás, Benjamin Steinbruch foi visitar investidores internacionais para vender um ‘bond’ da CSN. Para conseguir captar a taxas menores, o controlador da siderúrgica propôs limitar a dívida a 3x o EBITDA — um patamar quase conservador para uma companhia historicamente alavancada.
Os investidores responderam que, “para ser uma empresa triple-A hoje, você tem que estar no máximo em 2x,” e a CSN teve que pagar 2 a 3 pontos porcentuais a mais que empresas do mesmo ramo.
Ano passado, Benjamin voltou aos EUA e Europa para discutir uma nova emissão; dessa vez, propôs uma alavancagem de 2x.
“Foi a mesma briga, a mesma confusão: cheguei lá e eles falaram que agora precisava ser 1x,” ele disse ao Brazil Journal. “Percebi com isso que houve uma mudança grande na disposição de crédito no mundo todo.”
As interações com investidores — somadas a seus quase 68 anos e planos para perpetuar a CSN — estão produzindo um novo Benjamin, que agora vê crédito com um olhar cético e entende que a grande geração de valor no mundo passou a vir do equity, particularmente quando usado como moeda para M&As.
É uma metamorfose fantástica para um homem que gerou bilhões de reais em riqueza para sua família e acionistas operando alavancado ao longo das últimas três décadas.
Com essas novas ideias na cabeça, Benjamin está desalavancando a CSN com o IPO de seu negócio de mineração — o primeiro de muitos, segundo o homem que já foi chamado de “o barão do aço”.
Em seguida virão os ‘spinoffs’ e IPOs do negócio de cimento, da própria siderurgia e finalmente do negócio de infraestrutura e logística. Ao final, a CSN será uma holding que participa majoritariamente de todos esses negócios.
O processo de desalavancagem começou há dois anos, mas foi potencializado recentemente com o aumento do preço do minério de ferro, que fez o EBITDA decolar. Depois de começar o ano passado com alavancagem de 5,8x, a CSN deve ter terminado 2020 pouco acima de 2x. (Os números saem no final de fevereiro.)
No roadshow do IPO, a CSN tem sinalizado que a alavancagem deve cair para 1x EBITDA até o final deste ano.
“Enquanto muitos concorrentes compraram ativos no pico do ciclo, a CSN foi protegida disso em parte pela sua alavancagem, porque ela tinha que trabalhar para gerar dividendos e pagar as dívidas do controlador,” diz um gestor que acompanha a empresa. “Daqui pra frente, vamos ver qual vai ser a disciplina de alocação de capital deles.”
Nos anos 90, Benjamin aproveitou o programa de privatizações do governo Fernando Henrique para transformar o grupo Vicunha de um gigante têxtil em um player relevante na siderurgia. Em sociedade com fundos de pensão (e usando muita dívida), o Vicunha comprou inicialmente 7,5% da CSN.
Cinco anos depois, em 1998, a CSN derrotaria um consórcio formado pelo Grupo Votorantim, a Anglo American e 16 tradings japonesas e ganhou o controle da Companhia Vale do Rio Doce.
Benjamin foi por dois anos chairman das duas companhias e pensava em fundir as duas, até que discussões sobre o valor dos ativos levou os fundos de pensão e o Bradesco a forçar o chamado ‘descruzamento’: a CSN vendeu sua participação na Vale, e os fundos e o Bradesco venderam sua participação na CSN a Benjamin.
Abaixo, trechos da conversa com o Brazil Journal:
“Trabalhar alavancado é uma situação solitária, de muita pressão, e de muita falta de compreensão e de diálogo. Todo mundo fica te falando: ‘vende, vende, vende’. E você tem que aguentar, porque se você está dentro de um projeto desses, vender é o mais fácil. O difícil é segurar e depois ter a oportunidade de desalavancar, que é o que está acontecendo agora.
Dentro das lições que tive do meu pai e da vida, e pelo fato de estar com 67 anos, e de ter conseguido acumular esses ativos todos, acho que mais do que qualquer coisa a minha obrigação é perpetuar esses ativos. A gente nunca sabe o dia de amanhã, o que a vida nos prepara. Mas a sua parte você tem que fazer.
A ideia agora é desalavancar de verdade, ficar sem dívida… Já operamos com 10x dívida líquida/EBITDA, e agora eu quero chegar a 1x.
Até terça-feira passada [dia 19] eu estava na dúvida se era ou não a hora, mas pensei: o mercado pune fortemente a CSN pela alavancagem. Se você olhar todos os outros números, somos melhores do que todos. É só essa questão da alavancagem que nos penalizava muito.
Por isso, decidi não só fazer isso, como desalavancar muito mais. Então, eu só estou fazendo esse movimento porque ele é o primeiro passo de muitos outros que virão, que vão deixar a CSN uma empresa super desalavancada, ao contrário do que sempre foi até hoje. E por que isso? Porque vamos dividir a empresa em cinco negócios — e os cinco têm potencial para crescer.
É aquela velha história: cavalo selado, quando aparece você tem que montar. Nos negócios de cimento, mineração e siderurgia, as oportunidades que existem hoje no mercado favorecem principalmente aqueles que têm capital, dinheiro. Não quem tem crédito.
A gente tendo isso e usando a moeda de cada negócio… ou seja, não usando dinheiro, mas usando as ações de cada negócio (a ação da Mineração para comprar ativos de mineração, a da Siderurgia para comprar ativos de siderurgia…) vamos conseguir dar o salto para um patamar diferenciado.”
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“Em março [de 2020], preparamos a empresa para uma guerra, achávamos que o ano ia ser horrível. E a partir de abril, o ano começou a ser muito bom. E de forma surpreendente. Tínhamos 4 meses de estoque em junho, em outubro estava faltando produto. O cenário virou de forma muito rápida. Se a tendência continuar assim, a gente muito provavelmente em 2021 termina o ano quase que sem dívida. Não é inteligente, mas poderíamos eventualmente chegar a quase sem dívida.
Desalavancamos sem vender ativos. O único que vendemos foi o ativo dos EUA em 2018 por US$ 500 milhões. Grande parte da nossa desalavancagem foi geração de caixa.”
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“Com esse IPO e outras medidas que vamos tomar, vamos melhorar nosso rating num prazo muito mais curto do que se desalavancássemos mais gradualmente — e mais que isso, consigo perpetuar o negócio. Então, em vez de um movimento demorado, eu quis encurtar em dois anos esse caminho.
Se você for ver hoje, não existe a mesma disposição dos bancos de dar crédito para grandes operações. As oportunidades de negócio não necessariamente são suportadas por crédito. Elas são suportadas por mercado, e isso é uma diferença muito grande. Aqui no Brasil, os juros sempre foram muito altos. Hoje, para você emprestar e correr risco com uma remuneração baixa…. não é algo habitual. Então essa má vontade contra o crédito é perfeitamente compreensível. Em contrapartida, você tem essa onda positiva de mercado. E cada vez mais acho que vai ser aquilo que vai suportar o crescimento.
Agora, o ideal é você ter um conservadorismo do ponto de vista da estrutura de capital, para te permitir ter agressividade e acesso a oportunidades de negócio. Negócios saudáveis, na minha opinião, vão ser a solução. A coisa vai cair no colo de quem não precisa.”