Em 25 de abril publicamos um texto para discussão avaliando o “novo arcabouço fiscal”, do qual uma versão resumida foi publicada no Brazil Journal no mesmo dia.
Na versão completa, abrimos todos os dados, hipóteses e métodos de projeção, para que outros analistas avaliassem nossos números e conclusões.
Recebemos comentários, críticas e comparações com outras estimações. Analisamos o material recebido, mas nossas conclusões não mudaram após esta análise.
Vale começar relembrando nossas principais conclusões:
• será necessário significativo aumento de receitas líquidas do governo federal para cumprir as metas de resultado primário;
• as intenções do governo relativas a aumento de despesas obrigatórias, em especial as ligadas ao salário mínimo e à folha de pagamentos, bem como o retorno da vinculação do gasto mínimo em saúde e educação à receita, somente são compatíveis com o limite de despesa e a meta de primário se houver forte compressão de outras despesas (obrigatórias e discricionárias);
• mesmo com o cumprimento dos limites de despesa e das metas de resultado primário, a dívida bruta não se estabiliza como proporção do PIB no nosso cenário de projeção, que vai até 2030;
• se forem abandonadas as metas de primário (o que significa não cumprir parte da regra fiscal proposta) deixa de ser necessário comprimir excessivamente as demais despesas, porém a dinâmica da dívida ficaria ainda pior, pois os resultados primários piorariam.
Questionamentos sobre nossos números e hipóteses
Recebemos os seguintes comentários e críticas quanto aos nossos números e hipóteses:
• Nossa despesa primária em 2023 (R$ 2.054 bilhões) estaria muito elevada, e esse ponto de partida desfavorável poderia contaminar a sequência de déficits e despesas dos anos posteriores;
• As trajetórias para despesa de pessoal e com o Programa Bolsa Família estariam muito pessimistas;
• A despesa com o Programa Desenrola poderia ser custeada por fundos disponíveis no FGO Pronampe, que já gerou impacto primário no passado, não representando novo gasto;
• O ressarcimento aos estados por conta da redução na arrecadação do ICMS estaria exagerado, não devendo ser considerada como impacto primário a parcela que será paga mediante abatimento da dívida dos estados com a União;
• O valor previsto para o pagamento do piso da enfermagem estaria exagerado;
• Não deveríamos prever o pagamento, a partir de 2027, dos precatórios acumulados e não pagos por força da PEC dos precatórios.
Não concordamos com a maior parte dos comentários. Por exemplo, não prever o pagamento dos precatórios acumulados a partir de 2027 equivaleria a um default.
Estamos confortáveis com nossos números para 2023 e para as hipóteses de crescimento da despesa ao longo dos anos. Mesmo assim, rodamos as nossas projeções incluindo todas as alterações acima sugeridas, para checar a robustez de nossos resultados.
De fato, as conclusões elencadas no início da nota não se alteraram.
No nosso cenário 4 — que avalia qual a compressão necessária das “demais despesas” para que sejam cumpridas as metas de primário e os limites de despesa — elas chegariam a 2030 equivalendo a apenas 5% do valor real de 2022. Com os números otimistas sugeridos pelas críticas, chegariam a 2030 equivalendo a 40% do valor real de 2022, montante igualmente irrealista.
Portanto, se mantém a conclusão de que a vinculação das despesas de saúde e educação, bem como a correção real anual do salário mínimo e da folha de pagamentos são incompatíveis com as regras do novo arcabouço fiscal.
Dada a impossibilidade de compressão draconiana das “demais despesas”, simulamos o cenário 5, no qual mantivemos as “demais despesas” em valor pelo menos equivalente a 90% do observado em 2022, e calculamos qual o aumento de receita necessário para atingir as metas de primário.
Os nossos números indicavam a necessidade de chegar a 2027 com uma receita líquida de 20,8% do PIB. Com os números sugeridos pelas críticas, essa receita líquida cairia para 20,2% do PIB. Ainda seria um aumento de receita de 2,1 pontos percentuais do PIB, na comparação com os 18,1% do PIB que se espera arrecadar em 2023. Ou seja, continuaríamos a ter a necessidade de forte aumento de receitas.
No nosso cenário 6, assumimos que não será possível um aumento forte das receitas nas dimensões indicadas pelo cenário 5 e, por isso, abandonamos as metas de primário fixadas pelo governo. Mantivemos um valor mínimo factível para as demais despesas e verificamos que, neste caso, a dívida bruta atingiria, em 2030, 92% do PIB. Com os números sugeridos pela crítica, a dívida continua não convergindo e chega a 87% do PIB em 2030, um crescimento de 14 pontos percentuais do PIB em relação ao nível de 2022. Ou seja, mantém-se a nossa conclusão de que a dívida cresce continuamente e não se estabiliza até 2030.
Comparação indevida de projeções
Houve uma comparação do nosso cenário 4 com projeções feitas pela equipe da Warren Rena, que resultou na afirmação de que nossos números seriam excessivamente pessimistas, por mostrarem compressão excessiva das “demais despesas”, enquanto a projeção daquela instituição apresentava espaço confortável para as “despesas discricionárias”.
A comparação é indevida. Nossa premissa, no cenário 4, como descrito acima, é que as metas anuais de resultado primário serão atingidas, bem como as regras de limitação de despesas serão cumpridas. A variável de ajuste para o cumprimento da regra no nosso cenário 4 é a compressão das demais despesas.
Já o cenário base da Warren Rena gera sucessivos déficits primários até 2030, não cumprindo as metas de resultado primário. É óbvio que, podendo descumprir a meta de primário, cabem mais despesas na conta.
Se o objetivo da Warren Rena é comparar sua projeção em situação em que não se atingem as metas de primário, melhor comparar com o nosso cenário 6, em que definimos crescimento que acreditamos mais realistas de receita e despesa, mas sem impor o cumprimento das metas de primário.
Vale dizer, ainda, que, ao contrário do nosso estudo, a Warren Rena não abriu seus dados para mostrar que suas projeções cumprem, em todos os anos da projeção, todas as regras do arcabouço, ou seja: gasto mínimo em saúde e educação, despesa primária variando conforme 70% da variação real da receita passada e dentro da banda de crescimento real de 0,6% e 2,5%.
Não obstante essa falta de abertura dos dados e simulações, que dificulta compreender os resultados da Warren Rena, as conclusões daquele estudo são similares às nossas: (a) o modelo proposto pelo governo requererá substancial aumento de receitas; (b) as metas de primário são de difícil atingimento; (c) não haverá estabilização da dívida pública até 2030 (2032 no caso do estudo daquela instituição).
Além do cenário básico, usado para comparar com nosso trabalho, aquele estudo também tem um cenário otimista, em que a dívida se estabiliza em 77,7% do PIB a partir de 2028. Mas os próprios autores reconhecem que este cenário simplesmente não ocorrerá, pois ele pressupõe o salário mínimo corrigido apenas pela inflação e a ausência de reajustes reais para o funcionalismo: “mantivemos a hipótese da correção do salário mínimo pela inflação em todo o período coberto. Em razão dos pronunciamentos já feitos, trata-se certamente de hipótese muito pouco provável, mas vale mantê-la, por enquanto, até para evidenciar as consequências de medidas com impacto fiscal negativo duradouro”. (grifo no original)
Ou seja, não é um cenário possível de ocorrer, e sim uma base de comparação para medir o efeito dos aumentos reais do salário mínimo.
Conclusões
As nossas conclusões sobre os principais problemas do arcabouço fiscal, listadas no início desta nota, não são alteradas quando rodamos nossas projeções levando em conta os comentários e críticas aos nossos dados e métodos.
A dificuldade que analistas experimentados têm enfrentado para simular e entender as consequências da nova regra fiscal é um sintoma claro de quão complexa é a regra.
Resta ao governo demonstrar que conseguirá levantar a receita necessária e, ao mesmo tempo, controlar as pressões por expansão de despesas que existem dentro do próprio governo, de forma a sinalizar a estabilização futura da dívida pública.