RIO DE JANEIRO — Na reta final da eleição, a candidata a vereadora Antonia Leite Barbosa está presa em seu apartamento no Humaitá, abatida pela covid-19. Mesmo tendo circulado pela cidade usando máscara, o vírus não teve dó, e ainda contaminou seu marido e dois filhos, de 9 e 5 anos.
Antonia já deu duas contribuições ao Rio: a Agenda Carioca, um guia descolado que lista serviços e estabelecimentos da cidade — todos curados por ela — e a Agendinha Carioca, a versão infantil do livro.
Agora, aos 42 anos, a neta de Marcello Leite Barbosa, o dono da maior corretora do Brasil nos anos 60 (uma espécie de XP antes da XP), é parte de uma nova tendência: novatos na política arregaçando as mangas para consertar a cidade mais amada do Brasil (e provavelmente a que mais precisa de ajuda).
A gota d’água para a candidatura: um atropelamento na rua onde mora, que matou uma criança de dois anos. Sensibilizada, Antonia mobilizou as autoridades para que construíssem um quebra-molas, podassem árvores e sinalizassem melhor a rua – e ainda ajudou um vereador a fazer um projeto de lei propondo que Botafogo e Humaitá se tornem uma área de especial interesse educacional.
“Me decepciono com a falta de interesse geral da sociedade pela política, discussão de políticas públicas e, ainda mais, a resistência em apoiar publicamente seus candidatos”, diz ela. “Essa cultura precisa mudar. Não será da noite para o dia e nem com a velocidade que eu gostaria. Mas agora que assumi este compromisso será uma pauta diária na minha vida.”
De casa, ela conversou com o Brazil Journal.
Entre os 897.456 problemas que o Rio enfrenta, cite três que você prioriza.
Acredito que a crise permanente na segurança, a falta de gestão e administração pública na Saúde sejam os problemas mais gritantes. No entanto, temos que ter um olhar mais amplo: propor que o investimento na primeira infância seja a prioridade do município, e fazer com que as mães e mulheres empreendedoras recebam um suporte emocional, planejamento e facilitação do acesso ao crédito. Também priorizo que as ruas do Rio voltem a ser seguras e bem cuidadas, e ainda que tenhamos um calendário anual de eventos, aliado a uma mão-de- obra mais qualificada e receptiva. Por fim, que a máquina seja mais transparente e desburocratizada.
Você tem uma vida organizada e uma carreira profissional. Tem certeza que quer entrar na política?
Como você mesma colocou, sou uma privilegiada. Tenho uma profissão estabelecida, filhos saudáveis e boa condição financeira. Olho a minha volta e conto em uma mão os meus amigos e conhecidos que entraram pra vida pública. Pertenço a uma geração de uma elite econômica e educada que abdicou de ocupar esse espaço. A nossa vida é regida pela política e não há solução fora dela. Parafraseando o historiador britânico Arnold Toynbee, “O maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam.” O poder público nos possibilita promover mudanças profundas em benefício da sociedade. É onde ampliarei o meu trabalho e a minha voz. O maior incentivo para esta candidatura veio do meu marido, Joaquim. Já o economista e propositor de políticas públicas pelo IETS (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), Manuel Thedim, sugeriu meu nome para uma nominata e me encorajou a conversar com alguns partidos. Ambos foram muito importantes para eu acreditar no meu potencial.
Ao assumir o cargo em 2019, o deputado estadual Chicão Bulhões, do Partido Novo, devolveu à cidade mais de R$ 18 mil do “auxílio paletó”. Você tem algum plano neste sentido?
Um vereador tem direito a 18 assessores, o que me parece um exagero. Mesmo com isolamento social e com quase todos os vereadores presentes de forma virtual nas sessões, o Legislativo gastou mais de R$ 1,7 milhão em tíquete-combustível, o que significa que cada um dos 51 vereadores teria como rodar cerca de 280 quilômetros diariamente. E em plena era digital os vereadores ainda tem direito a selos: são 4 mil por mês para se corresponderem com seus eleitores. Os gastos excessivos são legais, mas não são éticos. Precisam ser revistos. Além de falar dos benefícios, outro dado me chocou: em 2019, foram entregues 6.485 moções. Além das moções de regozijo, congratulação, louvor e pesar, a Câmara de Vereadores também distribui títulos honoríficos e medalhas, tudo isso custando muito para os cofres públicos.
O Rio de Janeiro tem comunidades com realidades muito diferentes da sua. Você vai conseguir se identificar com as diversas demandas?
Sim. Através das Comissões Permanentes da Câmara estarei presente nas discussões sobre as demandas da cidade: do orçamento ao urbanismo. Da saúde à educação. Meu gabinete estará aberto e o meu mandato permanentemente na rua para ouvir as necessidades prioritárias do carioca. Desta forma, conseguirei cobrar a atuação do Poder Executivo e apresentar projetos de lei que sejam de fato úteis para todos.
Qual foi a reação à sua decisão de se candidatar?
Alguns amigos torceram o nariz, não disfarçaram a decepção. Um grande amigo afirmou que o poder corrompe, preocupado que eu não teria estrutura para não ceder ao “sistema”.
Lidar com pessoas que tenham interesses diversos é uma das funções de um político. O diálogo é fundamental entre os poderes e a sociedade civil. É muito mais fácil desqualificar quem pensa diferente. Mudar de opinião, algo que muitas vezes é tratado como uma fraqueza, na verdade é uma grande virtude. Já a corrupção precisa ser combatida através da fiscalização permanente. Para isto, existem as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) como instrumento legítimo para investigar casos de corrupção no sistema.
Em quem você se espelha na política?
Vou focar nas mulheres pois acredito que ainda temos que lutar muito para vencer a política de gênero. Acabo de ler o livro da Tábata Amaral. Sabia da sua origem humilde, sua força de vontade, mas não conhecia os detalhes dos enormes obstáculos que ela venceu. Admiro a congressista americana Alexandria Ocasio-Cortez, que saiu de trás de um balcão de bar, sem investimento, e virou um grande fenômeno político, a deputada mais jovem da história dos EUA. E no Brasil, conversei com Ilona Szabó, cientista política especialista em segurança pública e política de drogas, Andrea Gouvea Vieira, jornalista e ex-vereadora por dois mandatos, Aspásia Camargo, especialista em sociologia política e ambientalista, e a ex-vereadora, deputada estadual e ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy. Todas elas colocaram um tijolo nessa minha construção.
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