Estamos em uma “bolha industrial” que, ao contrário das destruidoras bolhas financeiras, trará avanços tecnológicos e benefícios reais para as empresas e as pessoas.
Assim pensa Jeff Bezos, o fundador da Amazon.
Falando em um evento na Itália, Bezos reconheceu que há elementos de bolha porque vê os preços de ações se descolando dos fundamentos e startups de “seis pessoas” recebendo bilhões em funding.
Ainda assim, ele acredita que essa ‘bolha do bem’ terá um efeito positivo.
“As bolhas industriais não são tão ruins, podem até ser boas, porque, quando a poeira baixar e surgirem os vencedores, as sociedades vão se beneficiar dessas invenções,” disse Bezos na sexta-feira, numa apresentação na Italian Tech Week. “É algo real, os benefícios da AI para a sociedade serão gigantescos.”
Que assim seja. Analistas e gestores, porém, cada vez mais se perguntam se o capex maciço das Big Techs em AI vai se traduzir em lucros que justifiquem os valuations atuais.
Até pouco tempo atrás, as maiores empresas de tecnologia dos EUA alocavam conjuntamente algo entre US$ 100 bilhões e US$ 150 bilhões ao ano em capex. Nesta conta entram os investimentos agregados de gigantes como Amazon, Microsoft, Google, Meta e Oracle.
Mas este ano, o total investido vai superar US$ 400 bi, e Jensen Huang, o CEO da Nvidia, estimou recentemente que o número pode chegar a US$ 600 bi. Para Huang, até 2030, os investimentos anuais em capex poderão superar US$ 3 trilhões.
No cálculo de Huang, se a AI adicionar US$ 10 tri ao PIB global graças a um aumento de 20% na produtividade, o mundo precisará investir US$ 5 tri ao ano em capacidade computacional.
Mas “o mercado não leva esses números ao pé da letra,” disse João Julião, gestor da Genoa Capital. “O consenso é que os investimentos deverão dobrar nos próximos anos, para algo em torno de US$ 1 trilhão ao ano.”
A dúvida é como rentabilizar esses investimentos mesmo que eles sejam mais ‘modestos’ do que o previsto por Huang.
Michael Cembalest, o chairman de market and investment strategy da JP Morgan Asset Management, resumiu primorosamente a euforia nos mercados com a corrida da AI:
“As ações da Oracle subiram 25% após receber a promessa de (um contrato de) US$ 60 bilhões por ano da OpenAI, um valor que a OpenAI ainda não fatura, para fornecer instalações de computação em nuvem que a Oracle ainda não construiu e que exigirão 4,5 GW de energia (o equivalente a 2,3 represas Hoover ou quatro usinas nucleares), além do aumento dos empréstimos da Oracle, cuja relação dívida/patrimônio líquido já é de 500%,” Cembalest escreveu em um relatório.
“Em outras palavras, o ciclo de capital da tecnologia pode estar prestes a mudar.”
O analista Dan O’Laughlin, da newsletter Fabricated Knowledge, comentou que o boom da infraestrutura de AI vinha sendo dominado pelos investimentos de alguns poucos hyperscalares, como Amazon e Microsoft.
“A Oracle, buscando entrar nesse time seleto, quebrou o padrão,” disse ele. “Ela está disposta a se alavancar em centenas de bilhões de dólares para abocanhar uma fatia relevante. O oligopólio estável está se rompendo. As implicações são profundas. Amazon, Microsoft e Google não podem mais tratar a infraestrutura AI como um investimento discricionário. Elas precisam defender seu território.”
Para o analista, o que antes era uma corrida disciplinada e financiada por fluxo de caixa pode se transformar em uma “corrida armamentista alimentada por dívidas.”
Para Thiago Kapulskis, gestor de ações de tecnologia da São Pedro Capital, a Oracle, como tese de investimento, envolve hoje “riscos significativos” – entre outros motivos, por sua estratégia de investimento estar em boa parte atrelada ao crescimento da OpenAI.
“O que acontece se o plano de negócios da OpenAI não for aprovado – um novo concorrente entra com mais agressividade (como Gemini ou Grok) ou a adoção da IA simplesmente demora mais para acontecer?” questiona Kapulskis.
O desenvolvimento da AI e sua aplicação em todos os setores da economia requerem um aumento exponencial de capacidade computacional.
A magnitude dos data centers costuma ser medida em gigawatts. Hoje a OpenAI possui 2 GW de capacidade instalada para rodar o ChatGPT e treinar seus modelos. A empresa estima que precisará de 250 GW daqui a oito anos.
Primeira indagação: de onde sairá tanta energia?
Os 250 GW representam um quarto da capacidade atual de geração de eletricidade dos EUA. A voracidade de consumo de energia dos data centers já bateu na conta de luz dos americanos – e, segundo gestores, o assunto vai se transformar em um tema eleitoral.
Outra pergunta: de onde sairá o dinheiro necessário?
A OpenAI é um exemplo da matemática desafiadora para os próximos anos. A empresa fatura hoje em torno de US$ 12 bilhões ao ano. Enquanto isso, sua previsão de investimentos até 2029 é de US$ 115 bilhões.
Segundo a Bain & Co., até 2030 as empresas de AI terão que gerar US$ 2 trilhões em receita anual combinada para financiar os investimentos em data centers necessários para atender à demanda projetada. No entanto, o faturamento deverá ser de US$ 1,2 tri, prevê a consultoria.
A OpenAI não é uma empresa listada e vem conseguindo encontrar financiadores para sua ambição sem limites, dispostos a ter uma fração de um potencial vencedor na corrida da AI.
O que está em questão, porém, são os valuations das Big Techs na Bolsa.
“Quando o crescimento do fluxo de caixa livre para os nomes mais valorizados diminui ou se torna negativo, os preços atuais ficam em questão – e isso deve aumentar a demanda do mercado por mais disciplina no que se refere ao retorno do investimento,” disse num relatório Lisa Shalett, diretora de investimentos da Morgan Stanley Wealth Management.
Também presente na Italian Tech Week, o CEO da Goldman Sachs, David Solomon, alertou para os riscos da euforia excessiva. Para ele, no entanto, é o “início do filme” da AI, não o fim.
“Se você estivesse tendo essa conversa em 1998, você estaria fazendo a mesma pergunta, mas o mercado continuaria subindo por mais três anos,” afirmou.
“Haverá uma reavaliação em algum momento,” disse Solomon. “Não ficaria surpreso se nos próximos 12 a 24 meses víssemos uma queda nos mercados de ações, mas isso não deveria ser surpreendente, dada a trajetória recente.”
Na avaliação de Kapulskis, ainda há espaço para valorização de ações relacionadas à inteligência artificial.
“Apesar do bom desempenho recente, acreditamos que ainda há bons retornos adiante para diversas ações de AI e continuamos investindo nesse tema,” disse o gestor, em relatório assinado com os analistas José Medeiros e Gabriela Moraes. “No entanto, estamos cada vez mais seletivos.”
Kapulskis está comprado em Microsoft, Google e Meta e em empresas que estão “vendendo as pás na corrida do ouro”, e em virtuais monopolistas, como Nvidia e TSMC. Já Oracle e CoreWeave não passam pelo seu crivo neste momento.
Julião investe em companhias de infraestrutura de AI, como companhias de energia, além de manter na carteira Nvidia e TSMC.
“Há duas décadas não havia aumento na demanda de eletricidade nos EUA, mas houve uma inflexão a partir de 2023,” disse o gestor. “Então temos um posicionamento em utilities. Haverá aumento da demanda pelos data centers e pela política de Donald Trump de incentivar a produção industrial. E há ainda a eletrificação da frota de veículos.”