Esse é um truísmo repetido exaustivamente, mas que carece de qualquer base lógica ou fundamental. Balizar a bolsa brasileira em dólares faz tanto sentido quanto em lira turca, coroa sueca, ou ate mesmo dólares do Zimbábue. A única conclusão que se pode tirar desta análise é se o real está sobre ou sub valorizado em relação a estas moedas.
Mas vamos aos pontos. Parece-nos um tanto óbvio que só faz sentido balizar qualquer ativo em determinada moeda caso esse ativo gere receitas ou fluxos de caixa na mesma. Com exceção de algumas empresas como Vale e do setor de celulose, este não é nem de longe o caso do Brasil. Se observarmos os mercados acionários ao redor do mundo, na média 45% das receitas das empresas listadas são geradas no exterior. Na bolsa de Londres esse número é de 65%, na Suíça, 85% e no Brasil não passa de 20%, um dos mais baixos do mundo.
No caso suíço, um episódio ocorrido há seis anos ilustra bem o fato. Até 15 de janeiro de 2015, o Swiss National Bank mantinha uma paridade de 1,2 do franco com o euro. Como o franco suíço era (e é) considerado um porto seguro, o abandono dessa paridade provocou uma valorização de 20% da moeda no dia — e uma queda praticamente simétrica no mercado acionário local (veja gráfico abaixo).
Uma das formas de se observar a bolsa brasileira “em dólares” é através do EWZ, o fundo negociado em Nova York que replica a performance do MSCI Brazil em dólares. Na ultima sexta-feira, ele fechou em US$ 37,70, bem longe da máxima de US$ 100 (cerca de US$ 80 se ajustado por dividendos) cravada em maio de 2008.
Mesmo em relação a algumas empresas que têm receita ou precificam seus produtos em dólares, é importante tomar certo cuidado. Em 2008, o petróleo negociava acima de US$ 120 o barril (mais que o dobro do nível atual), e o minério de ferro chegou a US$ 192 por tonelada (nesse caso, uma diferença menor face aos US$ 161 de hoje).
No caso brasileiro, algumas particularidades do mercado tornam o argumento da bolsa em dólares ainda mais absurdo. Se ele fizesse algum sentido, o Ibovespa em reais teria correlação positiva com a taxa de cambio de reais por dólar. Mas como tratamos em artigo recente aqui no Brazil Journal, o que acontece no Brasil é exatamente o inverso. A bolsa brasileira na grande maioria das vezes se valoriza durante movimentos de enfraquecimento global do dólar, que aliás é praticamente um consenso atualmente.
Finalmente, os defensores da tese argumentam com frequência: “mas quando o real se deprecia, as empresas brasileiras ficam baratas para o gringo.” Mas se as empresas não geram receitas em dólares, como é o caso dos bancos por exemplo, isso é absolutamente irrelevante. Se a aposta é na moeda, é muito mais simples para o investidor comprar reais no mercado futuro do que se dar ao trabalho de analisar a empresa e correr o risco de equity.
Não pretendemos discutir aqui se a bolsa brasileira está cara ou barata, o que pode ser tema de artigos futuros. Mas afirmar que ela está barata simplesmente porque o índice medido em dólares já esteve no dobro do nível atual é não apenas simplista como errado.
A bolsa é um conjunto de empresas que muitas vezes não representa exatamente o que acontece na economia. Seja porque alguns setores importantes não estão presentes no índice, seja porque as grandes empresas listadas são as vencedoras de seus respectivos setores. Mas como bem diz um experiente investidor, “there is no such thing as a stock market, but a market of stocks”. Ou seja, recomendamos que os investidores analisem as perspectivas de cada empresa e quanto se paga por isso, levando em conta o crescimento esperado e o custo de oportunidade.
O PIB do Brasil em dólares correntes deve ter sido de US$ 1,4 trilhão em 2020, bem longe dos US$ 2,4 trilhões de uma década atrás. Se formos capazes de levá-lo de volta para lá, seja através da valorização do real ou do crescimento nominal do PIB, aí faz sentido esperar que a bolsa volte para as máximas em dólares. Do contrário, a bolsa ‘barata em dólares’ é apenas uma falácia.