Kent Nagano, um dos regentes mais celebrados do mundo erudito, adentra as ruínas do local que um dia foi conhecido como Teatro Cultura Artística, destruído por um incêndio em 2008.
Ele passa pelas obras de reconstrução do local, posta-se naquela que será a sala principal de concertos e bate palmas a fim de testar a acústica do espaço. “A estrutura óssea está muito boa,” decreta.
O teste do maestro, diretor artístico da Ópera Estatal de Hamburgo, aconteceu num já distante 2019.
Os responsáveis pela associação privada sem fins lucrativos se embrenharam há anos num trabalho de reconstrução do local, que faz parte da história cultural de São Paulo e do Brasil. Cerca de R$ 100 milhões foram obtidos através das doações de 700 pessoas, entre físicas e jurídicas.
Mas de lá para cá, os custos de construção subiram, e agora ainda faltam R$ 30 milhões para comprar cadeiras e instrumentos, além de acabamentos como ar condicionado e elevadores. A entidade foi autorizada a captar via Lei Rouanet, mas ainda não encontrou empresas dispostas a colocar o necessário para finalizar a obra.
“O projeto de reconstrução do teatro tem aprovação para receber R$ 23 milhões adicionais até o final deste ano. Por isso temos pressa!”, Frederico Lohmann, o superintendente do Cultura Artística, disse ao Brazil Journal.
A ideia é que as novas instalações sejam abertas ao público em agosto de 2024.
O Teatro Cultura Artística foi inaugurado em 1950. Criado pelo arquiteto paulistano Rino Levi, ele ganhou toda a pompa que um evento desse porte merecia: Camargo Guarnieri e Villa-Lobos criaram obras especialmente para sua cerimônia de inauguração.
O painel na sua entrada, batizado como Alegoria das Artes, é feito de pastilhas e leva a assinatura de Di Cavalcanti.
O monumento de 48 metros de largura por oito de altura – o maior da carreira do artista plástico – foi um dos sobreviventes do incêndio, juntamente com o foyer do primeiro andar e o arquivo histórico.
Em 2010, passou por um processo de restauração comandado pela arquiteta Isabel Ruas. Foram necessários 18 meses para reformar as 1,2 milhão de pastilhas que formam a obra.
Outra curiosidade: as cadeiras que circulavam no foyer do primeiro andar foram projetadas por Lina Bo Bardi e Giancarlo Palanti, do Studio D’Arte Palma. “Uma das peças eu encontrei num leilão da Europa por € 70.000,” diz Lohmann.
O prédio na rua Nestor Pestana foi palco de alguns dos momentos mais cultuados da cultura do país. Foi ali que Ney Latorraca e Marco Nanini passaram quase uma década encenando O Mistério de Irma Vap (só o autor deste texto viu a comédia pelo menos três vezes).
Recebeu maestros consagrados, como John Barbirolli, sir Simon Rattle e Kurt Masur; quartetos de cordas da categoria do Alban Berg e do Emerson String Quartet, e solistas de alta patente como Yo-Yo Ma e Fabio Biondi, violinista e maestro do grupo barroco Il Giardino Armonico.
O novo teatro terá como inspiração locais que encantaram seu superintendente, mas sem perder sua característica principal.
“O ponto de partida na reflexão do novo Cultura Artística foi mapear as diferentes salas de espetáculo e iniciativas de formação musical na cidade de São Paulo e entender de que forma nós poderíamos nos inserir neste contexto, levando em conta nossa história e experiência. Algumas delas possuíam aspectos bastante inspiradoras para o nosso projeto: o Carnegie Hall em Nova York pelas atividades sociais e programas de formação; a Philharmonie de Paris, pela pluralidade da programação; a Pierre Boulez Saal & Barenboim-Said Academy em Berlim, pela convivência entre sala de espetáculo e academia, e o Wigmore Hall, em Londres, pela forte conexão com o público e artistas,” diz Lohmann.
O projeto atual conta com duas salas, de 750 e 150 lugares. Haverá também um espaço extra para abrigar bolsistas.
“O programa de bolsas de estudo voltado para jovens músicos também terá grande impulso quando o teatro for inaugurado. São 11 salas de aulas e prática, área de convivência, salas de gravações. Nossos bolsistas terão condições muito melhores para se aperfeiçoar, teremos local mais conveniente para masterclasses, que acontecem em parceria com diversos projetos de formação musical da cidade. Também vamos ter condições de aumentar o número de bolsas oferecidas,” explica Lohmann.
Um dos maiores ganhos do novo Cultura Artística está na convivência da sala com a cidade. Por exemplo, o local onde funcionava uma boate de strip tease foi demolido e acabou sendo acoplado às novas instalações do teatro. Com isso, ele ganhou uma entrada pela praça Roosevelt.
“A demolição do imóvel que separava o teatro da praça permitiu que houvesse, na nova configuração do teatro, uma imensa parede de vidro dando para a praça. Quem estiver nos diversos níveis dos foyers poderão enxergar a praça e quem estiver na praça verá o que se passa nesses ambientes.”
Essa iniciativa vai ao encontro do pensamento de arquitetos como Greg Bousquet, da Architects Office, que tem no currículo projetos como o Teatro Vivo. “Eu penso que a arte pode ser melhor apreciada ao lado de serviços básicos para a população.”
O Cultura Artística está pronto para voltar a ser parte da alma de São Paulo. Só faltam empresas que queiram transformar este sonho em realidade.
***
Os paulistanos também podem fazer parte dessa reconstrução. Além das doações via Rouanet, há uma conta para receber contribuições de cidadãos interessados em ajudar este panteão da arte. O valor doado pode ser abatido no Impsto de Renda.
Eis os dados:
PRONAC nº: 18-2314.
Nome da instituição: Associação “ociedade de Cultura Artística”
Banco: 001 – Banco do Brasil
Agência: 0442-1
Conta captação: 48855-0