O Teatro Cultura Artística tem uma história marcada pela tragédia.

Há dez anos, um incêndio consumiu tudo, menos a fachada do prédio. Foi-se um Steinway novinho em folha, de € 100 mil. Foi-se todo o equipamento de som e luz. E, por fim, perderam-se os figurinos e cenários da peça O Bem Amado, que por azar estava em cartaz no teatro.

Não foi a primeira catástrofe.

Em 1955, cinco anos após a inauguração, o teto desmoronou, levando para o buraco também as finanças da mantenedora da casa, a vetusta Sociedade de Cultura Artística.

Mas agora, com a ajuda de amigos e patrocinadores, a sorte do velho teatro está virando.

O Cultura Artística vai ser reconstruído, com inauguração prevista para 2021.  As obras acabam de começar.

O novo teatro recupera o que havia de melhor no projeto original do arquiteto Rino Levi: a fachada e os salões de entrada.

As duas salas foram redimensionadas: terão 750 e 200 lugares, metade da capacidade do projeto dos anos 50. Além de mais estrutura e conforto no backstage, o tamanho supre uma carência de São Paulo, que não dispõe de uma sala mais intimista como a Cecília Meirelles, no Rio. (A Sala São Paulo continuará sendo a opção para grandes orquestras.)

Ter um teatro pra chamar de seu sempre foi o sonho dos sócios-fundadores da Sociedade de Cultura Artística, criada em reuniões na redação do jornal O Estado de São Paulo, em 1912, para promover saraus literário-musicais em contraponto ao provincianismo cultural da Paulicéia de então.

Eram tempos de progresso acelerado. A cidade vivia um boom populacional, as primeiras indústrias surgiam, e a expansão imobiliária era frenética. Mas enquanto Rio e Buenos Aires já faziam parte do circuito internacional de óperas e recitais desde o século anterior, os palcos de São Paulo só exibiam operetas, teatros de revista e espetáculos de mágica.

Os saraus da Cultura Artística eram bancados com contribuições mensais dos sócios.

De organizadora de saraus, a Cultura Artística logo se transformou num grande promotor de concertos, colocando São Paulo no circuito internacional de grandes orquestras e solistas.

Para aqueles sócios fundadores, era chegada a hora de ter palco próprio.

Os sócios doaram o terreno, mas os compromissos com a formação de uma orquestra dragaram os recursos nas décadas seguintes. No final dos anos 40, depois de vender parte do terreno, finalmente foi possível bancar as obras.

O teatro na Rua Nestor Pestana foi inaugurado em março de 1950 com concertos de Villa-Lobos e Camargo Guarnieri, sob a regência dos próprios. Em sua fachada, o enorme mural de Di Cavalcanti (que milagrosamente sobreviveria ao incêndio anos mais tarde).

Mas a alegria durou pouco. Por um erro de engenharia, o telhado desabou poucos meses depois do quinto aniversário. A construtora lavou as mãos. Endividada, a Cultura Artística só teve uma saída: alugar o teatro.

Paletós e vestidos longos que antes circulavam pelo foyer do teatro modernista foram substituídos pela plateia de programas de auditório da TV Excelsior.

Sem teto, a programação do Cultura Artística retornou ao Teatro Municipal. Já o teatro só voltou para a Cultura Artística em 1970, em frangalhos, após um processo de despejo da TV. Seguiram-se mais sete anos bancando a reforma.

A reinauguração, em 1977, veio com uma novidade: patrocínios privados. A Metal Leve apadrinhou um recital de piano. O Banco Mercantil, a Sinfônica de Berlim. Safra, Villares, Copersucar, Duratex, Itaú, Chrysler e GM bancaram o resto da programação daquele ano.

Hoje, metade do orçamento anual de R$ 10 milhões da Cultura Artística vem de patrocínio e doações (via Lei Rouanet), incluindo 300 amigos que juntos doam R$ 1 milhão. O restante é venda de ingressos avulsos e assinatura das séries de concerto. São cerca de 2.000 sócios assinantes.

Foram 30 anos de bonança até o último incêndio, em 2008. O seguro era irrisório, e desde então a Cultura Artística vem buscando apoio para a reconstrução do teatro. O Credit Suisse bancou a restauração do mural de Di Cavalcanti.

A reconstrução vai custar R$ 100 milhões, via Lei Rouanet. A primeira fase da obra – R$ 30 milhões – está garantida. O restante precisa entrar até maio de 2019.

Em sua nova encarnação, o Teatro Cultura Artística se inspira no Carnegie Hall, que tem investido em ser mais do que apenas um ‘venue’.

Ambas as instituições possuem um programa de mecenato, investindo na carreira de jovens músicos.

Frederico Lohmann, ex-banqueiro do Société Générale e superintendente da Cultura Artística, diz que a instituição “quer deixar de ser uma sociedade que trabalha apenas para os sócios e interagir mais com a cidade”.

Abaixo, o vídeo sobre o novo projeto do Teatro, apresentado aos assinantes esta semana: 

 

 

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