Quatro em cada dez empresas cometem fraudes ou praticam violações contábeis. Apenas um terço dos casos vem à tona – mas quando isso ocorre, a destruição de valor é dramática.
Essas são algumas das conclusões de um estudo recém-publicado por Alexander Dyck, professor de finanças e análise econômica da Universidade de Toronto, em parceria com Adair Morse, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Luigi Zingales, de Chicago.
Para chegar às estimativas, os pesquisadores fizeram uma análise das consequências do colapso da Enron e da firma responsável pela sua contabilidade, a Arthur Andersen, em 2001. Uma das “Big Five” da contabilidade à época, a AA não resistiu à crise de credibilidade e desapareceu do mapa.
A conclusão “conservadora”, como dizem os autores do estudo, é que a cada ano 10% das empresas de capital aberto nos EUA praticam algum tipo de fraude relacionada a ativos financeiros.
A partir desse número, os professores estimam que as fraudes corporativas causam, em média, uma destruição de capital equivalente a 1,6% do valor de mercado das empresas nos EUA, o que, em 2021, equivalia a US$ 830 bilhões.
O caso da Americanas ilustra cabalmente alguns dos achados dos pesquisadores.
Dyck disse ao Brazil Journal que as maiores fragilidades na governança ocorrem quando as empresas são controladas por indivíduos ou por um grupo pequeno de acionistas, como é frequente no Brasil.
“O conselho de administração funciona de forma muito fraca em um ambiente em que há um investidor majoritário significativo,” afirmou.
Em um estudo anterior, também em parceria com Zingales, Dyck observou que o Brasil era o País onde era mais evidente e acentuado o custo da existência de controle acionário concentrado.
Na conversa abaixo, Dyck comenta os incentivos a desvios de conduta e os tipos de fraude mais comuns.
Por que os casos de grandes fraudes corporativas continuam acontecendo e são tão comuns, apesar de todas as reformas feitas nos últimos anos?
Há um problema fundamental que nunca seremos capazes de resolver. Tudo o que podemos fazer é mitigar. Como investidores, damos dinheiro a empresas em troca da promessa de que vão tentar atender aos nossos interesses. Uma vez que lhes damos o dinheiro, os controladores e executivos têm seus próprios interesses que não estão perfeitamente alinhados com os nossos. E eles têm o controle dos recursos.
Desenhamos formas de mitigar o problema, mas as soluções são imperfeitas. A vantagem de uma empresa de capital aberto é a exigência legal de divulgar informações. Mas a qualidade das informações depende também do interesse das pessoas envolvidas. O auditor talvez não seja tão diligente porque sabe que assim poderá obter mais contratos de consultoria.
É ingênuo pensar que estaremos em um mundo em que não haja fraude corporativa. A única coisa que podemos fazer é tentar reduzir a quantidade que será desviada.
Não há fim para o interesse próprio das partes envolvidas nem para sua criatividade.
Quais os tipos de fraude mais comuns?
Um tipo diz respeito a algo muito comum no Brasil, onde muitas vezes os controladores ou fundadores mantêm participação significativa no capital acionário.
Eles encontram uma maneira de redirecionar os recursos da empresa para outra entidade que eles controlam e, assim, vendem ativos a um preço mais baixo ou compram suprimentos por um preço mais alto produzido por alguma empresa do grupo, inflando o resultado.
Esse tipo de negociação interna é um problema enorme. É algo comum nas empresas brasileiras onde há um controlador único. O fundador pode influenciar a composição do conselho e interferir na maneira como o conselho faz sua supervisão.
É uma particularidade do Brasil?
Nos EUA, algo como 85% das ações das empresas do S&P 500 são controladas por investidores institucionais, como Vanguard, BlackRock e Fidelity. Raramente os maiores acionistas são indivíduos ou famílias. Pessoas como eu investem em um fundo de índice, e empresas como a BlackRock vendem esses fundos.
Quando há transações dentro de um mesmo grupo ou entre empresas controladas pelos mesmos indivíduos, vemos insiders tentando encontrar uma maneira de redirecionar os recursos da empresa.
No Canadá, 25% das empresas listadas são controladas por grupos específicos. Nos EUA, algo como 15%. Não tenho os números atualizados para o Brasil, mas meu palpite é que este percentual seja acima de 50%.
Em um estudo anterior feito com Luigi Zingales (Private Benefits of Control: An International Comparison, de 2004), pesquisamos companhias de 39 países e analisamos até que ponto havia problemas com os insiders buscando maneiras de se apropriar de recursos da empresa. O país que tinha os maiores problemas naquela época era o Brasil.
Os benefícios de controle são maiores em mercados menos desenvolvidos, onde há concentração. Para ser honesto, o estudo foi realizado antes do mercado brasileiro ter passado por diversas reformas.
Mas se você me perguntasse qual a maior preocupação de governança que eu teria como detentor de uma participação minoritária numa empresa brasileira, seria essa. O conselho de administração funciona de forma muito fraca em um ambiente em que há um investidor majoritário significativo.
Esse seria um dos problemas da Americanas?
Não sei detalhes específicos. Mas pelos relatos, houve um dos tipos mais comuns de irregularidade, que é roubar do futuro para fazer com que o presente pareça melhor do que é.
Digamos que você esteja interessado em vender sua casa, mas percebe que a madeira está apodrecendo. O que você faz? Aplica uma nova camada de tinta. Parece que está bom, e aí você vende para outra pessoa – e passará a ela o problema de ter essas tábuas podres.
Há um incentivo para os membros do conselho tentarem se envolver nesse tipo de atividade, esperando que aconteça algo no futuro que possa salvar a empresa. Quando isso não acontece, os problemas vêm à tona.
É uma estratégia ruim. Não pode durar para sempre. Se você tentar o mesmo truque novamente, terá que roubar ainda mais do futuro e pedir ainda mais dinheiro emprestado. Isso não vai continuar por muito tempo.
Pelo menos 25% das más condutas e fraudes são desse tipo.
Como combater as fraudes e desvios de conduta? A inteligência artificial pode ajudar?
A questão é quanto tempo e recursos você tem – e quão criativo você deve ser – para tentar encobrir a fraude. O problema é muito maior do que as pessoas imaginam.
A inteligência artificial pode ajudar, mas tem seus limites. As fraudes mudam o tempo todo. Será uma solução imperfeita.
As fraudes são tão antigas quanto o tempo. A vigilância precisa ser eterna, melhorando os mecanismos de controle.
Para ser honesto, uma imprensa ativa, com recursos para focar nessas questões e jogar luz sobre elas, cria penalidades que talvez os reguladores não possam ou não queiram impor.